29 Agosto 2012
Ontem, dia 28-08-2012, na reunião do Conselho Episcopal de Pastoral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, em Brasília, foi a apresentada a Análise de Conjuntura.
Eis a análise
Apresentação
A dificuldade de a primavera árabe chegar à Síria abre a conjuntura internacional. Em seguida, apresenta-se a grave crise de insegurança alimentar que vive o mundo, principalmente os países mais pobres.
Em nível latino-americano, menciona-se o modelo de desenvolvimento adotado no continente, as eleições presidenciais na Venezuela, a sua entrada controversa no MERCOSUL e o asilo diplomático concedido pelo Equador a Assange, criador do Wikileaks.
O difícil diálogo entre o Governo Federal com a agenda dos movimentos sociais inicia a conjuntura nacional. Logo após, aborda-se a campanha pelo Voto Limpo nas Eleições Municipais de 2012, como consequência da Lei da Ficha Limpa e da Lei de Acesso à Informação, encerrando-se esse nível com uma avaliação crítica do julgamento do “Mensalão” no Supremo Tribunal Federal (STF).
No âmbito dos Movimentos Sociais, a análise faz referência à organização do 18º Grito dos Excluídos(as), com o tema em 2012 “Queremos um Estado a serviço da nação, que garanta direitos a toda população”, previsto para o dia 7 de setembro. Cita também os resultados do Encontro Nacional Unitário dos Povos do Campo, ocorrido entre os dias 20 e 22 de agosto em Brasília. Finalmente, apresenta na ótica do povo os desafios para o Brasil na realização da Copa em 2014 e das Olimpíadas em 2016, após a conclusão dos Jogos Olímpicos em Londres, Inglaterra.
Nas Notícias do Congresso Nacional mereceram destaque nesta análise: os debates sobre o Código Penal; o andamento da votação do Código Florestal; a proposta de criação do Comitê Nacional de Prevenção e combate à Tortura; a proposta de lei para adiamento dos feriados no país; a tramitação do projeto de lei que reconhece a união estável de pessoas do mesmo sexo; e a proposta de regulamentação do direito de greve.
Anexo a esta análise de conjuntura segue, como registro histórico, o depoimento de Pe. José Ernanne Pinheiro à Comissão Estadual da Memória e Verdade de Pernambuco, sobre o trucidamento do Padre Antonio Henrique Pereira Neto em 27 de maio de 1969.
Internacional
A primavera árabe fora do alcance da Síria?
A leitura da imprensa ocidental da primavera árabe opõe, nos processos eleitorais, candidatos islamitas aos liberais. No Egito, o resultado das eleições revelou um país dividido entre partidários de uma reforma do antigo regime (os militares) e revolucionários de uma mudança radical. O confronto não é entre um Estado laico e um movimento religioso obscurantista, mas entre um Estado autoritário e a oposição. No segundo turno, funcionou o voto útil, quer dizer junta os votos contra o status quo. Representante do Estado autoritário, o Exército, manifestou a pretensão de gerir a transição democrática, querendo controlar o presidente, como havia tentando subjugar o Congresso. Nestes dias a habilidade do presidente se evidenciou ao contornar as forças armadas pela retirada forçada dos generais.
O caso da Síria é mais complexo. A saída do que se pode chamar uma guerra civil fica problemática. Ao contrário das revoltas líbias, egípcias e tunisianas, a insurreição síria (de março de 2011) não conseguiu a unanimidade, apesar dos massacres da população civil: 25 mil mortos, 200 mil refugiados e 2 milhões de necessitados. Nem o Conselho Nacional Sírio, nem o Exército Sírio Livre representam a oposição. Comentaristas invocam um risco de anarquia com o colapso do Estado, sua desintegração em entidades religiosas-políticas. Além disso ou por isso, paira sobre as reivindicações democráticas dos manifestantes o temor de ingerências políticas e militares do exterior.
Bachar Al-Assad dispõe de aliados fora das fronteiras com o apoio do Hezbollah e, sobretudo, do Irã, que enviam combatentes e armas para sustentar o regime sírio, em nome da luta contra Israel e da resistência contra o imperialismo ocidental. Por outro lado, outros se colocam decididamente ao lado dos insurgentes, em nome da defesa dos direitos humanos ou de uma lógica revolucionária de cunho religioso. Qatar e a Monarquia Saudita não estão poupando esforços para ajudar os irmãos sunitas. No mesmo campo de maneira discreta se reencontram-se Al-Qaeda e a CIA norte-americana.
Um grande jogo guerreiro regional e internacional está fazendo da Síria uma linha de frente entre diversos atores internacionais: Irã e Síria contra as monarquias do Golfo; Rússia e China contra os Estados Unidos. Nesta internacionalização do conflito, fica difícil prever a possibilidade de uma resolução política de uma guerra civil. O conflito já transbordou a fronteira. Em Trípoli estão se enfrentando partidários e oponentes do regime sírio. Historicamente, o Líbano foi terreno de confrontações entre potências regionais: campo de guerras por procuração, como aquela que está acontecendo na Síria entre o Irã e as monarquias do Golfo.
Um ingrediente pouco mencionado na imprensa para entender o risco de uma guerra civil interminável com influências do exterior seria a descoberta recente de reservas abundantes de gás natural em diversas regiões do país, mas, sobretudo na bacia marítima não longe da costa.
(In) Segurança Alimentar mundial
Nos anos 2007-2008, os preços agrícolas aumentaram muito provocando uma penúria alimentar, sobretudo, nos países pobres. O cenário está se repetindo neste mês de agosto com os mesmos ingredientes. Como foi assinalado na análise de conjuntura em maio de 2008, houve e, hoje, há, de novo, uma queda da produção de cereais ligada à seca (mudanças climáticas!?), à especulação e aos agrocombustíveis.
Neste mês de agosto, mais uma vez, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) pede socorro, invocando a volta da situação de 2007-2008. A seca nos Estados Unidos desde a metade de junho faz prever uma queda de 13% na produção de milho em relação com o ano passado, chegando ao seu nível mais baixo de seis anos atrás. Ao mesmo tempo, o preço do milho aumentou desproporcionalmente em 40% no mercado por sofrer pressões de ordem especulativa dos mercados financeiros. Por outro lado, a Rússia, que garante 40% das exportações do trigo no mundo, produzirá 6 milhões de toneladas a menos do que o previsto para 2012-2013, por falta de chuva, provocando, em julho, aumento do preço do trigo em 19%. O disparo dos preços no mercado dos cereais induz custos mais elevados para os países pobres, com muita gente passando por uma crise alimentar.
No ano 2011, foi instaurado pelos países do G-20 o Sistema de Informação sobre os Mercados Agrícolas (AMIS, em inglês) para que os chefes de Estados se informassem mutuamente sobre os níveis de estoques alimentícios existentes, afim de evitar restrições de exportações que no passado provocaram revoltas populares. Pois, além das condições meteorológicas, os jogos especulativos exercem papel nefasto. Na crise de 2007-20008, os estoques de arroz eram amplamente suficientes, mas o contágio veio por outros cereais que estavam sob pressão dos mercados.
Para amenizar a crise e a pressão consequente dos mercados, seria necessário reduzir ou mesmo suspender a produção de agrocombustíveis afim de acalmar o mercado, uma vez que 40% da colheita americana de milho têm como destino a produção de etanol. Mas o “laissez-faire” domina e a própria crise, inclusive a do petróleo, está reforçando o valor do etanol.
Em tese, o G-20 poderia convocar, a partir de setembro, o seu “Fórum de reação rápida” se, na reunião do fim de agosto, houver consenso dos responsáveis políticos para lutar contra a volatilidade dos preços. A missão do AMIS consiste em oferecer uma visão sintética dos mercados de alimentos com maior transparência das produções de arroz, trigo, milho e soja. Essa instância ainda não foi experimentada até hoje.
América Latina e Caribe
Modelo de desenvolvimento, Venezuela e asilo a Assange pelo Equador
De modo geral podemos destacar o caráter desenvolvimentista nos países da América Latina, ou “crescimentista”, como preferem alguns analistas, visto que, mais que desenvolvimento de forma geral, inclusive com respeito à sustentabilidade ambiental desses países, o foco de seus governos está, sobretudo, no crescimento econômico.
Pressionados pela necessidade de gerar emprego e renda para camadas populares, que por décadas foram excluídas da repartição econômica, a maioria dos países sul-americanos aposta no desenvolvimento econômico como motor das transformações necessárias. O grande questionamento que movimentos sociais fazem diz respeito ao modelo de desenvolvimento, que precisaria ser mais includente e sustentável a médio e longo prazo. Uma parcela significativa da economia desses países depende, como no caso do Brasil, da exportação de commodities, cuja regulação de mercado mundial está sujeita à demanda mundial.
Como destaques específicos da conjuntura em alguns países podemos citar as eleições na Venezuela, o asilo diplomático de Assange na embaixada do Equador e o Mercosul.
As eleições na Venezuela, que ocorrem no próximo dia 7 de outubro, continuam com indicações indefinidas quando se olham as diferenças de projeções em diferentes institutos de pesquisa. As pesquisas vão desde as que apontam liderança de Chávez até as que mostram empate técnico com o candidato da oposição. Esse período próximo revela uma disputa bastante acirrada. O grande desafio da Venezuela, independente de quem ganhar a eleição, é dar continuidade ao conjunto de políticas sociais que garantiram ao país avanços significativos de inclusão social e econômica na última década, tendo inclusive, segundo a CEPAL, atingido a taxa de menor desigualdade social da América Latina.
Um dos fatos que mais marcaram os últimos dias na imprensa internacional foi a situação de asilo diplomático concedido pelo Equador a Julio Assange, o criador do Wikileaks. Situação extremamente constrangedora para a Inglaterra e para os Estados Unidos, pois a não autorização do governo inglês para que Assange seja conduzido da embaixada do Equador em Londres ao aeroporto de onde partiria para o Equador, revela cada vez mais o caráter político que envolve o pedido de extradição para a Suécia. Teme-se que, posteriormente, ocorra a extradição aos Estados Unidos, onde responderia pela revelação de documentos considerados pelo governo daquele país como secretos.
A ação do Wikileaks e, portanto, de Assange, foi fundamental para desmascarar parte da ação norte-americana no Afeganistão e no Iraque, dentre outras informações importantes sobre a política internacional da Casa Branca. Vários meios de comunicação informaram que o governo equatoriano concedeu asilo pelo risco dessa possibilidade de Assange ser extraditado para os Estados Unidos e não à Suécia onde responde a processo por agressão sexual. Lá ele ainda não é condenado, mas deveria responder pelo processo em território sueco, conforme as regras na União Europeia. Vários países da América Latina manifestaram apoio ao Equador no episódio.
Continuam intensas as manifestações e negociações que envolvem o futuro do Mercosul. Desde que ocorreu o golpe no Paraguai, que resultou no afastamento do presidente Lugo, e sua consequente suspensão do Mercosul, muito se discute sobre a legitimidade de tal medida e sobre a decisão do Brasil, Argentina e Uruguai de aceitarem a entrada da Venezuela, mesmo sem a aprovação do parlamento paraguaio. Parece não haver dúvidas sobre os benefícios econômicos para o Bloco com a entrada da Venezuela. A questão discutida por alguns setores tem sido a legitimidade do processo. A inclusão da Venezuela no Mercosul foi muito mais política que jurídica, pois a sua entrada promove uma alteração importante no contorno geopolítico do bloco, até então centrado no Cone Sul, criando um potencial de irradiar sua influência pelo Caribe e América Central. Tal decisão não converge com a política dos Estados Unidos para a América Latina.
Nacional
O difícil diálogo do Governo Federal com os Movimentos Sociais
A Presidente Dilma Rousseff estabeleceu no início de seu governo uma meta ousada: superação da extrema pobreza no Brasil. Todavia, a construção do Plano Brasil sem Miséria, após elaborado por sua equipe técnica de governo, foi apresentado “pronto” aos movimentos sociais e sociedade civil organizada para consulta.
Este padrão de relacionamento parece se repetir em outras áreas do governo federal. Há dificuldade de se construir junto com os movimentos sociais. Quando muito se constrói “para” os setores excluídos da sociedade, não se reconhecendo o protagonismo dos sujeitos coletivos, historicamente construídos nas lutas populares e manifestações, na melhor concepção de Paulo Freire.
Esta dinâmica também esteve presente nos últimos anos do segundo mandato do governo Lula. Notório foi o conflito na Transposição do Rio São Francisco. Também nos conflitos pela não implantação da Reforma Agrária, com a valorização do modelo agroexportador do agronegócio, e na lentidão para enfrentar conflitos em ocupação por não-índios em terras indígenas.
A forma de se tratar os movimentos grevistas dos servidores públicos federais é realizada com pouco diálogo, levando a CUT a retornar às ruas para reforçar as demandas por rejustes que reponham a inflação real sobre os salários.
O anúncio feito pela presidente Dilma de um modelo de concessões públicas de aeroportos, rodovias e ferrovias, só difere da privatização praticada (e condenada!) anteriormente porque o Estado, por meio do BNDS, ainda vai financiar o investimento de capital para que o “negócio” seja gerido depois pela iniciativa privada, retomando o modelo das PPP (Parcerias Público-privadas). Enquanto antes as empresas públicas que foram privatizadas já estavam constituídas. Destarte, as diferenças entre governo e oposição ficam cada vez menos nítidas.
A concepção neodesenvolvimentista que o Governo Federal empreende, tendo como justificativa o enfrentamento da crise econômica mundial, revela a concepção de que o país precisa crescer para incluir, não sendo promovida uma distribuição de renda a partir da riqueza já existente e disponível no território nacional. Não se conflita com os interesses das elites econômicas nacionais e multinacionais que exploram o país. Neste modelo de crescimento, os ricos continuam cada vez mais ricos e os pobres, um pouco menos mais pobres, mas pobres; deixando o país ainda nas primeiras posições das maiores desigualdades mundiais.
No contexto pós-Rio+20, esta concepção significa a exploração dos recursos naturais ainda existentes (leia-se Amazônia), ao invés de repensar a demanda por energia e o modelo de consumo que grassa no país. O luxo cobiçado e promovido nos grandes centros urbanos é insustentável.
A opção pela manutenção do modelo de governança com o Congresso Nacional como principal ator da democracia arrefeceu a possibilidade de mudanças mais estruturais na política e na economia brasileiras, ainda dependente das elites políticas regionais (vide políticas de alianças para as eleições municipais) e o equilíbrio na balança comercial.
Toda a perspectiva de se promover distribuição de renda por meio de uma reforma tributária progressiva não prospera, enquanto se vai internalizando, sob a justificativa da crise internacional, a desoneração da folha de pagamento (para reduzir o “Custo Brasil”), deixando a previdência social sem o necessário ingresso de receitas para suportar com equilíbrio a ampliação da esperança de vida dos brasileiros.
Faz-se necessário e urgente ampliar as possibilidades de canais efetivos de diálogo entre os movimentos sociais e os poderes do Estado nacional, em suas várias esferas, para que se construa um projeto popular para o Brasil.
O voto limpo nas eleições 2012
Enquanto a reforma política não sai do papel, a sociedade vai buscando alternativas para tornar cada vez mais transparente o processo das eleições e bloquear canais que favoreçam a corrupção eleitoral. A Lei da Ficha Limpa (135/2010), uma vitória da população brasileira, é um exemplo disso. Aplicada em várias instâncias, seus efeitos têm alcançado inúmeros órgãos públicos com excelentes resultados. Veio dela a inspiração do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de concentrar todos os seus esforços publicitários na Campanha pelo Voto Limpo. A campanha incentiva a participação consciente do eleitor e destaca sua liberdade na escolha de candidato ficha limpa.
A Lei de Acesso a Informação (Lei nº 12.527/2011), que entrou em vigor em maio deste ano, também já está produzindo seus efeitos nestas eleições. Juízes Eleitorais de três estados – Maranhão, Mato Grosso e Paraná - baixaram portaria, com base nesta nova lei, determinando que os candidatos a prefeitos e vereadores divulguem, durante a campanha eleitoral, a lista com os nomes dos doadores de sua campanha com os respectivos valores. Enquanto não se tem o financiamento público de campanha, procura-se, pelo menos, tornar público o financiamento dos candidatos no decorrer da campanha. Um avanço extraordinário que deve servir de base para o discernimento do eleitor.
O TSE, baseado na mesma lei, pela primeira vez, coloca à disposição do eleitor a lista com a identificação dos doadores e fornecedores contratados durante o curso da campanha eleitoral. No último dia 24, foi divulgada a lista da primeira parcial tendo como base a declaração feita até 2 de agosto. A segunda parcial deverá ser entregue pelos candidatos até 2 de setembro.
Os chamados “Comitês 9840”, que fiscalizam e incentivam a aplicação da Lei 9840, que combate a compra de votos, multiplicam-se pelo país revelando que, a despeito do desencanto de grande parte da população com os políticos, ainda há muitos cidadãos movidos pela esperança de que nem tudo está perdido no mundo da política.
Em meio a tudo isso, os candidatos gastam a sola do sapato e muita saliva para conquistar a confiança e o voto dos eleitores. Com o fim dos showmícios e outras formas condenáveis de seduzir o eleitor, os candidatos apostam suas fichas no corpo a corpo e nos meios de comunicação. Com o início do horário de propaganda política no rádio e TV, os que têm acesso a esses meios, os usarão no intuito de se fazerem conhecer e melhorar nas pesquisas. Entra em cena, então, não o candidato propriamente dito, com seu programa de governo e suas propostas, mas seu marqueteiro, seu publicitário. Este tem sido, a cada eleição, a peça chave de uma campanha. Daí a necessidade de o eleitor, que só toma conhecimento de seu candidato pela TV ou rádio, cuidar para não comprar “gato por lebre”.
O julgamento e suas consequências
Em 2005, um vídeo registra o ex-chefe do Departamento de Contratações dos Correios, supostamente recebendo propina. Com isso, deu-se início ao maior escândalo do governo Lula. A situação se dramatizou ao ponto de muitos afirmarem tratar-se do “maior caso de corrupção da história brasileira”, especulando-se naquele tempo o risco de impedimento do ex-presidente Lula.
Sete anos depois, o STF (Supremo Tribunal Federal) realiza o julgamento da Ação Penal 470 - o rumoroso “Mensalão”. Em sustentação oral, o Procurador Geral da República, Roberto Gurgel, qualificou o caso como “o mais atrevido e escandaloso caso de corrupção e desvio de dinheiro público realizado no Brasil”, ressaltando tratar-se de uma “sofisticada organização criminosa”, destinada a comprar votos de parlamentares no Congresso.
Na sequência, os advogados da defesa, sustentaram que o caso em evidência se restringia ao recebimento de recursos não declarados em campanha eleitoral, prática conhecida como “caixa dois”. Para confirmar a tese, destrincharam as votações de interesse do governo com intento de demonstrar as inconsistências das denúncias.
Conhecidos os argumentos de lado a lado, o ministro relator e o revisor apresentaram os seus votos, que destoam entre si. Sinal que o julgamento terá um grau elevado de debates, de posicionamentos divergentes e acalorados.
Nos bastidores comenta-se que mantido o atual cronograma, o Ministro Cezar Peluso dificilmente participaria integralmente do julgamento, fato que preocupa os defensores da condenação dos réus, pois se especula que o magistrado estaria inclinado a concordar com o a tese do Ministério Público.
O julgamento da Ação Penal 470 (“Mensalão”) ensejou no mundo político a crença de que se reviveria o clima de comoção e interesse público nos moldes do que ocorreu em 2005, quando a denúncia veio a público, podendo inclusive determinar o resultado das eleições municipais. Colabora com esse entendimento, a ampla cobertura que os principais meios de comunicação têm feito. Mas isso contrasta com o vazio da Praça dos Três Poderes e o clima morno que vivem as redes sociais em torno do tema.
O julgamento do “Mensalão”, simbolicamente, põe nos bancos dos réus – para além de pessoas e determinados partidos – o próprio sistema político brasileiro e seu modo de financiamento baseado em “contribuições” privadas. Durante muito tempo acreditou-se que empresas e bancos contribuíam com as campanhas eleitorais movidos unicamente pela valoração da democracia. O caso do “Mensalão”, ao contrário, desvela os seus reais interesses: a relação privilegiada e inescrupulosa com os governos.
O que desponta nessa trama é o envolvimento de dirigentes de um partido que premia pelo combate ao “mal feito” e do qual se esperava um novo padrão político, culminando com a vitória de Lula em 2002. O julgamento, em si, revela uma reprodução de práticas políticas de dirigentes do PT, os quais condenavam com veemência o que, na sua avaliação, faziam e ainda fazem os partidos tradicionais.
O julgamento do “Mensalão” demonstra a vitalidade e os limites das instituições democráticas. Talvez o STF seja o único tribunal no mundo em que os julgamentos são transmitidos em tempo real e sem mediações e “filtragem” pela mídia. Outro fator positivo é a imprevisibilidade dos resultados, apesar de a maioria dos atuais ministros serem nomeados nos últimos 10 anos. De outra parte, infelizmente outros casos de corrupção, alguns anteriores ao atual, como o chamado “Mensalão do PSDB” de Minas Gerais, ainda está longe do desfecho.
O julgamento ora em evidência já produz seus frutos, visto as dificuldades que os partidos políticos têm encontrado para arrecadar recursos para a campanha eleitoral, o que leva crer que muitos financiadores encontram-se temerosos com as possíveis consequências a que estão sujeito.
Já entre os políticos, muitos começam a colocar as “barbas de molho”, receosos de que o julgamento signifique o rompimento da cultura da impunidade que permeia as relações políticas no Brasil, criando o efeito “orloff” (eu sou você amanhã!). Ou seja, os que hoje se deleitam pela condenação dos que são julgados pelo “Mensalão”, amanhã poderão responder por situações similares. Assim, independentemente do resultado do julgamento, cresce na sociedade e nas instituições a repulsa à forma privada de financiamento de campanha eleitoral.
Movimentos Sociais
Grito dos/as Excluídos/as 2012
Há 18 anos, pastorais sociais, organismos, movimentos sociais, comunidades, dioceses e igrejas realizam o Grito dos/as Excluídos/as no dia 7 de setembro. O Grito dos/as Excluídos/as nasceu na 2ª Semana Social Brasileira, que ocorreu no período de 1993/1994, foi impulsionado pela Campanha da Fraternidade de 1995, sobre os excluídos, e foi aprovado pela CNBB em sua Assembleia Geral de 1996. A 18º Edição tem como lema: “Queremos um Estado a serviço da nação, que garanta direitos a toda população”.
Ao contrário do que muitos pensam e apesar da pouca cobertura que recebe da grande mídia, o Grito continua reunindo muita gente por todo o país. Neste ano, convida a população a discutir o Estado. “Queremos um Estado a serviço das necessidades básicas da população e não movido pela ganância do lucro e acumulação do capital. Não podemos ficar calados diante de um modelo que dispõe de tantos recursos e dinheiro para grandes obras, para o agronegócio, empreiteiras, indústrias e para pagamento de juros de dívidas públicas, enquanto para o povo restam políticas assistenciais”, explicam os organizadores. Para eles “é preciso reagir contra tanta corrupção, impunidade e falta de transparência”.
Neste contexto, o Grito dos/as Excluídos/as se constitui como um acontecimento nacional, que se realiza de forma descentralizada desde o município de Porto Grande, no Amapá, até Coqueiro Baixo, no Rio Grande do Sul, desde pequenas comunidades até grandes centros urbanos. Em todos estes locais repercutem os gritos, já de forma tradicional e esperada pela população, sempre com muita criatividade popular e ousadia na forma de apresentar seus protestos e suas propostas.
O Grito dos/as Excluídos/as de 2012 se soma à 5ª Semana Social Brasileira, para questionar e animar a discussão sobre o “Estado que queremos”, a democracia participativa e os direitos sociais. Os animadores do Grito, que se contam aos milhares em todo o país, lutam para construir um Projeto Popular de Nação, onde a dignidade e a integralidade da Vida estejam em primeiro lugar.
Encontro Nacional Unitário dos Povos do Campo
Entre os dias 20 e 22 de agosto aconteceu em Brasília, no Parque da Cidade, o Encontro Unitário dos Trabalhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas. Participaram cerca de sete mil pessoas, entre sem-terra, indígenas, quilombolas, mulheres, atingidos por barragens, povos tradicionais, pescadores, ribeirinhos, agricultores familiares, quebradeiras de coco babaçu, entre outros.
Este encontro se colocou como a continuidade histórica de um grande evento ocorrido em 1961, em Belo Horizonte, que foi o “I Congresso Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas sobre o Caráter da Reforma Agrária”, que levou o então governo de João Goulart a incorporar a reforma agrária como parte das suas Reformas de Base.
O encontro de 2012 defendeu a reforma agrária como política essencial de desenvolvimento justo, popular, solidário e sustentável; a soberania territorial dos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais; a soberania alimentar; a agroecologia; a agricultura familiar; os direitos das mulheres do campo; a soberania energética; a educação do campo; a democratização dos meios de comunicação e o direito das populações atingidas pelos grandes projetos de serem consultadas de maneira livre, prévia e informada.
Além disso, neste encontro os participantes se comprometeram a fortalecer suas organizações e intensificar seu processo de unidade; a construir pautas e processos unitários de luta; a lutar pela transição agroecológica massiva, contra os agrotóxicos, pela produção de alimentos saudáveis, em defesa da biodiversidade e das sementes; a fortalecer as lutas das mulheres e da juventude; a mudar o modelo energético; a combater e denunciar a violência, a impunidade e a criminalização das lideranças e movimentos no campo; a lutar pelo reconhecimento da responsabilidade do Estado sobre a morte e desaparecimento forçado de camponeses.
Os povos do campo, presentes neste evento nacional, exigiram, enfim, o redirecionamento das políticas e ações do Estado brasileiro, na construção de um país e de uma sociedade justa, solidária e sustentável. No dia 22 de agosto foi realizada uma marcha na Esplanada dos Ministérios e, no seu final, uma comissão de 15 mulheres, representando todos os povos e organizações participantes entregaram à Presidência da República a Declaração unitária deste evento, cuja realização se reveste de grande importância histórica.
Os Jogos Olímpicos de Londres e a preparação para a Copa em 2014 e das Olimpíadas em 2016
A organização dos jogos olímpicos em Londres não requereu grandes obras na cidade. Ela já dispunha de uma rede de boas instalações de transporte, saúde, hotelaria, parques e praças esportivas. Tudo isso pesou a favor de Londres para que fosse escolhida em 2004 como sede dos jogos em 2012. Sem boa infraestrutura prévia, é quase impossível acolher os jogos. Na África do Sul, em 2008, os jogos foram caríssimos para o país com números ainda não publicados. Em 2016, o Brasil é que enfrentará esse grande desafio.
Os jogos pan-americanos de 2007 deixaram uma triste imagem que pode se repetir em 2016: superfaturamento, desvios de recursos, falta de transparência, de licenciamento; os custos foram elevados para os cofres públicos e uma chance para enriquecer os cofres privados. Um exemplo entre outros: o Maracanã foi totalmente refeito em 2007 e agora o será novamente para a Copa em 2014, com dinheiro privado.
Em 2009, na primeira apresentação dos orçamentos oficiais, o montante era de R$ 29 bilhões. No encerramento dos jogos em Londres, Jacques Rogge, presidente do COI (Comitê olímpico Internacional), lamentou a falta de publicação de orçamento oficial. No final dos jogos, o ministério de esporte estima que o orçamento inicial de R$ 29 bilhões será respeitado, enquanto a articulação nacional de comitês populares da copa e dos jogos considera que o orçamento global pode alcançar R$ 60 bilhões ou mais.
Em Londres, poucas famílias foram removidas; no Rio aproximadamente 170 mil famílias serão removidas. O orçamento inicial (no fim de 2009) de R$ 10 bilhões já tinha triplicado em 2010, passando de R$ 10 bilhões para R$ 33 bilhões. Já em meados de 2012, as estimativas alcançavam R$ 90 bilhões.
Numa política de “higienização” da cidade maravilhosa, várias categorias de cidadãos serão removidas, devolvidas à suas “cidades de origem”: prostitutas/os, ambulantes, informais; moradores de rua e outros.
Notícias do Congresso Nacional
1. Código Penal
A Comissão Temporária do Senado, responsável pela análise do Projeto de Lei do Senado 236/2012 (novo Código Penal), realizou duas audiências públicas, em agosto, para discutir a proposta do novo Código Penal. Na primeira, dia 14/08, compareceram três integrantes da Comissão de Juristas que elaborou o anteprojeto do novo Código. Já na segunda, dia 21/08, foram ouvidos os presidentes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), além de uma representante do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
A primeira audiência exaltou a importância do projeto, especialmente seu esforço de concentrar as mais de cem leis penais do país num único Código. Ficou evidente, no entanto, que nem todos os temas tiveram o consenso da Comissão de Juristas que elaborou o anteprojeto. As divergências aparecem, por exemplo, nos temas: aborto, descriminalização das drogas, eutanásia, por exemplo.
Os convidados da segunda audiência seguiram outro caminho. Reclamaram muito do curto prazo definido pela Presidência do Senado para a entrega de emendas (5 de setembro). O pedido da prorrogação foi unânime. Nos bastidores, os comentários que correm dão conta de que o cronograma estabelecido tem uma cor política, visando à aprovação do Projeto no Senado ainda sob a gestão do atual presidente da Casa, que termina no final do ano.
Os especialistas apontaram também algumas desproporcionalidades de penas quando se comparam determinados crimes e concordaram que o aumento das penas, como prevê o projeto, poderá levar a um encarceramento em massa. A população carcerária atual do país é de 514 mil. Grande parte destes está presa por crimes contra o patrimônio e não contra a pessoa. Os convidados da audiência são de opinião que é possível adotar mais penas alternativas ao invés da prisão.
A CNBB acompanha os debates do novo Código Penal por meio de uma Comissão constituída especialmente para esse fim.
2. Código Florestal
A comissão mista responsável pela revisão da Medida Provisória 571/2012, sobre o novo Código Florestal, retoma esta semana a votação das emendas ao relatório do senador Luiz Henrique (PMDB-SC). O texto base do relator já foi aprovado, mas ainda precisam ser analisados 38 destaques.
Uma das alterações aprovadas pela Comissão – a que acaba com a necessidade de preservação permanente nos rios não perenes – tem gerado muita polêmica. Além desta, foram aprovadas outras três alterações: a que suprime o conceito de área abandonada; a que retira a limitação para aplicação de pousio nas propriedades rurais; e a que acrescenta uma definição de crédito de carbono ao novo Código Florestal.
O governo tem se mostrado preocupado com as emendas apresentadas pela base governista, temendo retrocesso em relação aos acordos anteriormente costurados. Os ruralistas defendem outras mudanças na MP, como a construção de reservatórios em APPs, para irrigação e aquicultura; a exclusão de várzeas do conceito de áreas úmidas; e a edição de decreto específico para tratar das multas cobradas de proprietários rurais que descumpriram a legislação ambiental.
3. Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura
Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2442/2011, que Institui o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, cria o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT) e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura. O projeto, previsto no Protocolo Facultativo à Convenção da ONU, do qual o Brasil é signatário, é de autoria do Executivo e foi enviado à Câmara em outubro do ano passado.
O projeto é a esperança de entidades de defesa dos direitos humanos para colocar fim à prática de tortura em locais de privação de liberdade no país como prisões, estabelecimentos para adolescentes, carceragens da polícia, hospitais psiquiátricos, comunidades terapêuticas. Há, porém, um artigo no projeto que desagrada às entidades. Trata-se do artigo 7º que confere ao Presidente da República a escolha e designação dos 23 membros que deverão compor o CNPCT, incluídos aí os 12 representantes de conselhos de classes profissionais e de organizações da sociedade civil.
4. Adiamento dos feriados
Tramitam no Senado dois projetos de lei (108/2009 e 296/2009), originários na Câmara, propondo alteração na comemoração de feriados que ocorrerem durante a semana. Ambos tramitavam em conjunto. No início de agosto, dia 9, o relator dos projetos na Comissão de Educação, Cultura e Esportes, Senador Cássio Cunha Lima, entregou seu relatório concluindo pela rejeição projeto 296/2009 e pela aprovação do PL 108/2009, acatando a emenda oferecida pelo Senador Antonio Carlos Valadares, que tramita em conjunto.
O projeto propõe que sejam comemorados por adiamento, nas sextas-feiras, os feriados que caírem nos demais dias da semana, com exceção dos que ocorrerem nos sábados e domingos e dos feriados dos dias 1° de janeiro (Confraternização Universal), 7 de setembro (Independência) e 25 de dezembro (Natal). Ressalva, ainda, os feriados estaduais e municipais.
A emenda do senador Antônio Carlos Valadares, acolhida pelo relator, acrescenta às exceções as datas de Corpus Christi e 12 de outubro (Nossa Senhora Aparecida).
5. União civil de casal homossexual
Já está pronto para ser votado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, em decisão terminativa, projeto 612/2011 (PLS 612/2011), de autoria da senadora Marta Suplicy (PT-SP), que altera os artigos 1.723 e 1.726 do Código Civil, para permitir o reconhecimento legal da união estável entre pessoas do mesmo sexo e para possibilitar a conversão dessa união em casamento.
O projeto reconhece como entidade familiar “a união estável entre duas pessoas, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. A proposta determina ainda que a união estável “poderá converter-se em casamento, mediante requerimento formulado pelos companheiros ao oficial do Registro Civil, no qual declarem que não têm impedimentos para casar e indiquem o regime de bens que passam a adotar, dispensada a celebração”.
O relator na CCJ, senador Roberto Requião (PMDB-PR), entregou seu parecer no mês de junto com voto favorável ao projeto e duas emendas da Comissão de Direitos Humanos.
6. Regulamentação do direito de greve
A onda de greves do funcionalismo público que tomou conta do país ressuscitou a discussão sobre a regulamentação do direito de greve no serviço público. Um projeto de lei do senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) tramita no Senado desde novembro do ano passado, visando disciplinar o direito de greve dos servidores públicos, conforme previsto no inciso VII do artigo 37 da Constituição.
O projeto (PLS 710/2011) define as atividades essenciais em que não serão admitidas paralisações de servidores, como o serviço de controle de trafego aéreo, a segurança pública, a assistência médico-hospitalar e ambulatorial, a captação e o tratamento de esgoto e lixo, o transporte coletivo e os serviços vinculados ao pagamento de benefícios previdenciários.
7. Profissão de Teólogo
Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4293/2012, do deputado Professor Victorio Galli, que dispõe sobre a regulamentação da profissão de Teólogo. O PL encontra-se na Comissão de Trabalho, de Administração Pública e Serviço Público (CTASP), aguardando a designação do relator.
Contribuíram para esta análise:
Pe. Bernard Lestiene SJ, Pe. Thierry Linard SJ (Ibrades), Daniel Seidel, Pe. Geraldo Martins, Gilberto Sousa, Pe. José Ernanne Pinheiro, Paulo Maldos e Pedro Gontijo.
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Análise de conjuntura apresentada na CNBB - Instituto Humanitas Unisinos - IHU