Por: Cesar Sanson | 04 Agosto 2012
“Diante das crises ambientais, sociais, climáticas e econômicas que a humanidade vem enfrentando, parece claro que é hora de começar a ouvir as propostas para um desenvolvimento diferente”. O comentário é de Fernanda B. Muller, geógrafa, em artigo publicado no sítio do Instituto CarbonoBrasil, 03-08-2012.
Eis o artigo.
Em um mundo onde a taxa de extinção de espécies pode chegar a mil vezes o que seria natural, onde usamos 50 por cento mais recursos do que a Terra pode produzir de forma sustentável, onde 20% das pessoas consomem 85% dos recursos naturais, onde dois bilhões de seres humanos vivem com menos de US$ 2 por dia e 11% da população mundial não tem acesso à água potável, percebemos que há algo de errado.
Assim, encarando todos esses dados, a grande certeza que parece permear cada nova conferência ou fórum internacional é a necessidade de alterar o sistema vigente que está exaurindo o planeta. Porém, quando tentamos encontrar uma solução para esta demanda, a resposta está longe de ser tão óbvia.
Os mais diversos setores da sociedade pedem por um novo paradigma, um que envolva maior equidade entre os diversos setores da sociedade e de gênero, redução no consumismo de bens desnecessários, produção baseada no uso cada vez menor de recursos naturais e que gere menos resíduos reaproveitando-os ao máximo, comércio justo, inclusão social, educação e saúde de qualidade...enfim, a lista de reivindicações é enorme.
“Mesmo utilizando novas tecnologias, dificilmente poderemos levar avante o projeto do crescimento sem limites. A Terra não aguenta mais e somos forçados a trocar de rumo”, comentou o teólogo Leonardo Boff.
Um planeta finito não suporta um projeto que pressupõe o uso infinito dos bens e serviços, critica Boff se referindo àqueles que propõem como saída para a crise atual um maior gasto público no pressuposto de que este produzirá crescimento econômico e maior consumo com os quais se pagarão mais à frente as astronômicas dívidas privadas e públicas.
Tim Jackson, autor do livro Prosperidade sem crescimento defende que o crescimento econômico tem distribuído seus benefícios de maneira desigual, piorando a situação de boa parte da população mundial e favorecendo uma minoria. Ele se pergunta, “será que as economias mais ricas não poderiam aspirar a um tipo diferente de prosperidade - uma prosperidade sem crescimento?”
É difícil imaginar um mundo em que as taxas de crescimento não sejam mais os determinantes do quão bem vai a economia, porque estes conceitos estão muito profundamente arraigados em nossas mentes. Porém, há séculos pensadores vêm alertando que, em algum momento, o capitalismo chegaria ao seu limite e cairia em crise.
Há aqueles que defendem a chamada 'economia verde' para revitalizar o capitalismo e torná-lo ambientalmente amigável ao invés do vilão da história, como tem sido visto.
O PNUMA coloca que a 'economia verde' resulta em melhoria do bem-estar humano e da igualdade social, enquanto reduz os riscos ambientais e a escassez ecológica. Mas, a maioria dos pensadores modernos, como Ignacy Sachs, alerta para que não se procure novas formas, mas sim novos conteúdos e é nesta linha que surgem debates profundos de mudanças estruturais em nossas formas de sobrevivência.
Grande parte dos movimentos sociais não acredita na ‘economia verde’ como um novo paradigma verdadeiro, socialmente inclusivo e ambientalmente sustentável.
A Rede Brasileira pelo Decrescimento Sustentável, lançada durante a Cúpula dos Povos, propõe a superação da ideia que fora do sistema de crescimento não há saída, não sendo entendido como uma simples inversão do crescimento (o que no sistema atual seria sinônimo de recessão).
“É uma alternativa civilizatória ao desenvolvimento e tem como fundamento o viver bem dentro da nossa sociedade; é fundado, entre outros, sobre valores da equidade social e do cuidado ecológico”, explica a Rede. Neste sistema, o consumo seria mais equilibrado, com os mais ricos diminuindo e aos pobres melhorando a forma de consumir.
“Se investíssemos em transporte coletivo, saúde, educação, aumento dos meses de licença-maternidade, etc, talvez o PIB não aumentasse, mas teríamos mais emprego e nossa vida certamente melhoraria”, defende o grupo.
Criado na Europa na década de 1970 por pensadores como o filósofo austro-francês André Gorz, o Decrescimento não é focado em um único ponto, como o ambientalismo, mas é na verdade composto por uma diversidade de pautas discutidas ao redor do globo por ativistas e pesquisadores.
“Sua meta é uma sociedade em que se viverá melhor trabalhando e consumindo menos," comentou Serge Latouche, professor de economia da Universidade de Orsay (França) no Pequeno Tratado do Decrescimento Sereno.
"A sociedade do decrescimento é radicalmente diferente de um crescimento negativo. A primeira pode ser comparada com uma terapia austera, que é voluntariamente feita para melhorar o bem estar quando estamos ameaçados pela obesidade através do sobreconsumo. A segunda é uma dieta forçada, que pode levar à morte através da fome... O decrescimento apenas pode ser considerado em uma sociedade decrescimentista, ou seja, como parte de um sistema baseado em outra lógica", reafirmou Latouche.
Levando a discussão para dentro do Congresso através do Senador Cristovam Buarque, João Luis Homem de Carvalho, da Universidade de Brasília e facilitador da Rede Brasileira pelo Decrescimento Sustentável, elencou quatro pontos sobre os quais a mudança poderia acontecer: carros, aclimatação, produção e distribuição de alimentos e a obsolescência dos produtos.
Um novo olhar sobre Marx
Outra iniciativa apresentada durante a Cúpula dos Povos, o chamado 'Movimento Sair do Capitalismo' , resultou de discussões realizadas durante o Fórum Transnacional da Emancipação Humana em agosto de 2010 em Fortaleza, e tem a ideia de transformar a relação social existente e construir uma sociedade pós capitalista, uma “saída para a vida plena de sentido, diz o seu manifesto.
O movimento baseia suas propostas nas análises de Marx sobre a crise dos limites do capitalismo, contida no 'Os Grundrisse', com anotações e estudos que Marx fez entre 1857 e 1858 trazendo várias indicações, muitas das quais não incluídas depois em O Capital, sua maior obra.
Segundo Rosa Fonseca, uma das coordenadoras do movimento, este se diferencia dos movimentos de esquerda que analisam a crise como mais uma do sistema que pode ser recuperado. “O socialismo apenas modernizou o capitalismo, mas tem a mesma lógica”, comentou. Além de defender um distanciamento dos fundamentos do capitalismo, o grupo também segue a linha do Decrescimento no sentido de combater o consumismo, “é preciso produzir bens necessários à vida”, enfatizou Fonseca.
"Todos os faróis estão no vermelho: é evidente que a corrida louca atrás do lucro, a lógica produtivista e mercantil da civilização capitalista/industrial nos leva a um desastre ecológico de proporções incalculáveis. Não se trata de ceder ao “catastrofismo” constatar que a dinâmica do “crescimento” infinito induzido pela expansão capitalista ameaça destruir os fundamentos naturais da vida humana no Planeta", enfatiza Michael Löwy, pensador brasileiro radicado na França e pesquisador do Centre National des Recherches Scientifiques (CNRS) em Paris.
Neste sentido, explica Lowy, surgiu outro conceito, o do Eco-socialismo, que se fundamenta no marxismo, porém, afastando-o de suas bases produtivistas.
“Para os eco-socialistas a lógica do mercado e do lucro – assim como a do autoritarismo burocrático de ferro e do “socialismo real” – são incompatíveis com as exigências de preservação do meio ambiente natural...eles sabem que os trabalhadores e as suas organizações são uma força essencial para qualquer transformação radical do sistema e para o estabelecimento de uma nova sociedade”, complementa Lowy.
Assim como nos outros movimentos citados anteriormente, o eco-socialimo critica a racionalidade do mercado capitalista, que não leva em conta a temporalidade dos ciclos naturais.
“Não se trata de opor os “maus” capitalistas ecocidas aos “bons” capitalistas verdes: é o próprio sistema, fundado na impiedosa competição, nas exigências da rentabilidade, na corrida atrás do lucro rápido, que é o destruidor dos equilíbrios naturais”, nota Lowy. Ele explica que reformas parciais são insuficientes, que é preciso uma profunda reorientação tecnológica, a substituição das atuais fontes de energia por outras, não poluentes e renováveis e que não se trate apenas da “limitação” geral do consumismo, notadamente nos países capitalistas avançados, mas que se questione o tipo atual de consumo, ostentador e baseado no desperdício.
“Um socialismo ecológico, seria uma sociedade ecologicamente racional fundada no controle democrático, na igualdade social e na predominância do valor de uso”, explica Lowy sobre este movimento.
As discussões para o alcance de uma sociedade ideal são indispensáveis para que a transformação possa acontecer e o ideal é que sejam fundadas nas contradições de fato existentes. Os diversos movimentos sociais que ousam ir além do conformismo com a situação crítica que vivemos são elementares nesta busca, cujo objetivo parece convergir, ao menos conceitualmente.
A Cúpula dos Povos, assim como no Fórum Social Mundial, são fóruns excelentes de discussão, porém enquanto os movimentos continuarem a discutir apenas neste ambientes 'favoráveis' as idéias continuarão a ser vistas pela maioria da população, que não tem o privilégio de perceber as crises atuais, como uma utopia ou algo saído de 'radicais'.
Assim, fica a interrogação, como trilhar este caminho de transformação e de alguma forma 'traduzir'’ esta problemática para convergirmos não apenas em idéias de poucos, mas em ações de muitos.
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Outros modelos socioeconômicos precisam ser debatidos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU