02 Agosto 2012
Há motivos para festejar: na futurista Brasília, os sonhos integracionistas de Bolívar, Artigas e e San Martín deram um grande passo à frente.
A opinião é do sociólogo e cientista político argentino Atilio A. Boron, em artigo publicado em seu blog, 31-07-2012.
Eis o texto.
No dia 30 de julho, ratificou-se em Brasília o ingresso da Venezuela no Mercosul. Desse modo, o bloco comercial sul-americano se reforça tanto quantitativa quanto qualitativamente. Primeiro, porque agrega um novo sócio com um PIB estimado – pelo World Economic Outlook do FMI em paridade de poder aquisitivo – em 397 bilhões de dólares. Isto é, agrega-se uma economia de um tamanho ligeiramente superior ao da Suécia. O Mercosul engrandecido conta agora com um PIB total de 3,635 trilhões de dólares, o que o converte na quinta economia do mundo, superado apenas pelos Estados Unidos, China, Índia e Japão, e claramente acima da locomotiva europeia, a Alemanha [1].
Qualitativamente falando, a incorporação da Venezuela significa integrar um país que, segundo o último anuário da OPEP, dispõe das maiores reservas certificadas de petróleo do mundo, tendo substituído desse posto a quem o ocupara por várias décadas: a Arábia Saudita [2]. Além disso, do ponto de vista da complementação econômica de suas partes, o Mercosul desponta como um espaço econômico muito mais harmônico e equilibrado do que a União Europeia, cuja fragilidade energética constitui seu irremediável calcanhar de Aquiles e uma fonte permanente de dependência externa permanente.
Começa, portanto, uma nova e decisiva etapa, em que, a um conjunto de países sul-americanos grandes produtores de alimentos – e, nos casos da Argentina e do Brasil, possuidores de uma importante base industrial e significativas riquezas minerais –, agrega-se a maior potência petrolífera do planeta. Em um contexto de crise mundial como o atual e perante as políticas protecionistas que cada vez com mais força são adotadas pelos governos do centro capitalista, a integração dos países do Mercosul é a única salvaguarda que lhes permitirá resistir aos embates da crise mundial do capitalismo ou ao menos amortizar o seu impacto.
Não é preciso muito esforço para comprovar as projeções que esse Mercosul "recarregado" pode chegar a ter. Se os governos da região projetam mecanismos flexíveis e eficazes para tirar partido dessa enorme potencialidade econômica e se, ao mesmo tempo, forem resolvidas as assinaturas pendentes dos acordos que originaram o Mercosul – a Declaração de Foz do Iguaçu, assinada por Raúl Alfonsín e José Sarney, em 1985 e, anos depois, o Tratado de Assunção, datado de 1991 – e que refletiram a hegemonia ideológica do neoliberalismo naqueles anos, o futuro econômico dos nossos países pode ser muito promissor.
Um componente fundamental dessa nova fase deve ser, sem dúvida, o fortalecimento dos "outros mercosuis": o social, o laboral, o educativo, para mencionar apenas aqueles que suscitaram, precisamente por sua ausência, as maiores e mais sustentadas reclamações. Isso outorgará aos movimentos sociais e às forças políticas populares uma oportunidade excelente para fazer ouvir as suas demandas e pressionar efetivamente os governos para que adotem sem mais delongas as políticas necessárias para que o Mercosul deixe de ser um acordo pensado para ampliar os mercados e reduzir os custos operacionais das grandes empresas e se converta em um projeto de integração a serviço dos povos.
Apesar da importância das considerações anteriores, o significado fundamental do ingresso da Venezuela no Mercosul radica em outra parte. O isolamento desse país e a sua conversão em um Estado pária era o objetivo estratégico número um dos Estados Unidos após a derrota da Alca em Mar del Plata. A campanha para assegurar a conquista dessa meta não poupou escrúpulo algum, e toda a artilharia midiática, política e econômica do imperialismo foi descarregada sobre a república bolivariana com o propósito de construir a imagem de um Chávez ditatorial, apesar de que, como assinala Ignacio Ramonet corretamente, ele se submeteu 13 vezes ao veredito das urnas, ganhando em 12 ocasiões com ampla margem e perdendo apenas uma única vez, por menos de 0,5% no referendo de 2 de dezembro de 2007 sobre um complexo projeto de reforma constitucional. Derrota que foi imediatamente reconhecida por Chávez e que, como em todas as demais eleições, contou com a presença de "missões de observadores enviadas pelas instituições internacionais mais exigentes (ONU, União Europeia, Centro Carter etc.)", que avalizaram com a sua presença a legitimidade e a legalidade do processo eleitoral [3]. Como se isso não bastasse, também é preciso dizer que, com Chávez, incorpora-se ao núcleo dos governantes do Mercosul o principal estrategista e "marechal de campo" da luta anti-imperialista na América Latina. O outro, que não pode fazer o mesmo por razões óbvias, é Fidel.
O Senado paraguaio havia se prestado a esse jogo, em troca de uma suculenta recompensa para os seus tribunos, mas o golpe de Estado perpetrado entre galos e à meia-noite contra Fernando Lugo desbaratou, para a estupefação de Washington, os planos do império. A Casa Branca não percebeu que as épocas em que os seus desejos eram ordens havia sido definitivamente superada e jamais pensou que os governantes da Argentina, Brasil e Uruguai iam a ter a ousadia de aproveitar a suspensão do Paraguai ocasionada pela violação da cláusula democrática do Mercosul para pôr fim a uma absurda espera de seis anos.
Do ponto de vista geopolítico, a inclusão da Venezuela no Mercosul é, e convém perceber isso, a maior derrota sofrida pela diplomacia norte-americano desde o colapso da Alca. Como lembrou há alguns dias Samuel Pinheiro Guimarães, que até um mês atrás desempenhava o papel de Alto Representante do Mercosul, as inesperadas consequências do golpe no Paraguai terão efeitos duradouros e importantes [4]. Em primeiro lugar, porque, daqui em diante, será muito mais difícil e custoso orquestrar um golpe de Estado contra Chávez, protegido institucionalmente pela normativa do Mercosul, entre elas a cláusula democrática recentemente violada em Assunção. Também será muito mais complicado para um país como os EUA, insaciável consumidor de petróleo, tentar se apropriar da riqueza hidrocarbonífera venezuelana, ao mesmo tempo em que será muito mais atrativo para os demais países sul-americanos se integrar o quanto antes a um rico espaço econômico que se estende sem descontinuidades desde a Tierra del Fuego até o Mar do Caribe. Por último, será muito mais difícil para Washington tentar rearmar o esquema de "livre comércio" descartado com a derrota da Alca.
Em suma, há motivos fundamentados para o regozijo: no dia 30 de julho, na futurista Brasília, os sonhos integracionistas de Bolívar, Artigas e e San Martín deram um grande passo à frente.
Notas:
1 – FMI. World Economic Outlook, abril de 2012.
2 – OPEP. Annual Statistical Bulletin 2010-2011 (Viena: OPEP), 2011, p. 22.
3 – Ignacio Ramonet. "Chávez en Campaña". Le Monde Diplomatique en Español, agosto de 2012, p. 1.
4 – Samuel Pinheiro Guimarães, "Estados Unidos, Venezuela y Paraguay". América Latina en Movimiento, 17 de julho de 2012. Disponível aqui.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Derrota do império: Venezuela ingressou no Mercosul. Artigo de Atilio A. Boron - Instituto Humanitas Unisinos - IHU