30 Julho 2012
Uma campanha de absorventes na Austrália levanta a discussão: estamos vendo a próxima fase da normalização da menstruação?
A análise é da advogada e escritora australiana Moira Rayner, ex-membro da Victorian Equal Opportunity Commission, do governo australiano, em artigo publicado no sítio Eureka Street, revista eletrônica dos jesuítas da Austrália, 24-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Algumas coisas não podem ser ditas com um sorriso sugestivo ou com impunidade. Piadas sobre o Holocausto, por exemplo, ou a competição da revista Zoo Weekly do "refugiado mais sexy" claramente ultrapassam a linha do "mordaz" ao puro mau gosto.
O comediante de stand-up norte-americano que fez uma piada sobre estupro e que depois sugeriu que um espectador intrometido que gritou "Nenhum estupro é engraçado" estava impedindo a liberdade de expressão e deveria ser estuprado em grupo descobriu que há consequências à liberdade de expressão – ou seja, uma resposta negativa livre e robusta.
Mas, ao que parece, também não podemos usar os termos apropriados para a genitália dos mamíferos. Recentemente, a Johnson & Johnson lançou propagandas do absorvente Carefree que falavam despudoradamente sobre vaginas, corrimentos inter-períodos e odores cotidianos (nós todos somos um pouco sensíveis a odores íntimos, do mau hálito ao suor e às secreções).
De acordo com alguns dos denunciantes, não deveríamos falar sobre tais coisas. Ou não dessa forma. Ou não na minha televisão. Ao que parece, preferimos ser reservados com relação às nossas "perseguidas", ou com relação "àqueles dias", ou com os assuntos secretos das mulheres.
A propaganda chegou ao clímax no Reino Unido, na Nova Zelândia e na Austrália, porque ele chamou uma vagina exatamente do que ela é e falou sobre o que os seus produtos se destinam a fazer, em uma linguagem clara e simples. Será que realmente estamos ofendidos por causa dessa franca terminologia? Ou deveríamos estar?
Congressistas republicanos na Câmara dos Deputados de Michigan disseram isso quando uma congressista mulher (casada e com três filhos, Lisa Brown), ao seu opor ao seu projeto de lei para limitar o acesso ao aborto, concluiu o seu discurso no dia 13 de junho dizendo: "Estou lisonjeada pelo fato de que todos vocês estejam tão interessados na minha vagina, mas 'não' é 'não'".
O presidente da Câmara prontamente proibiu-a de votar não apenas no projeto em questão, mas também em um projeto de lei não relacionado, referente a benefícios de aposentadoria a empregados escolares, por causa da sua "violação ao decoro da casa". Um dos congressistas republicanos ofendidos exclamou que o que ela tinha dito era tão ofensivo que "eu não quero nem falar isso na frente das mulheres. Eu não diria isso na companhia de mulheres".
Assim, até mesmo as mulheres não devem dizer ou ouvir a palavra "vagina". Que palavra ruim, vagina.
As vaginas têm diversas finalidades, desde o ato sexual ao parto. Elas podem ter várias formas, cores e configurações. Suas imagens artísticas (desenhadas) foram removidas de uma página do Facebook criada pela editora feminista Spinifex Press há mais ou menos uma semana. Elas não ficam aparecendo nas mulheres, independentemente se os seus jeans ou suas roupas de banho sejam apertados. Uma delas é o verdadeiro e velado tema da comédia Muito barulho por nada, de Shakespeare.
Elas são objetos de fetichismo, de objetificação sexual, de obsessão, de prazer e de repulsa. Algumas são mutiladas ou desfiguradas por culturas que buscam, dessa forma, controlar a percebida "luxúria" ou sujeira das mulheres: ou proibidas em templos e igrejas, por mancharem a plena humanidade das suas possuidoras, que podem tradicionalmente ser obrigadas a se isolar durante o sangramento menstrual, o corrimento ou depois do parto.
Aqui está a questão.
Embora eu tenha ficado surpresa quando vi essa propaganda, eu não fiquei ofendida. Ele é manipulador, porque é projetado para e efetivamente atrai a atenção.
Eu estou acostumada a sentir o meu espaço sendo invadido por anúncios de embalagens de preservativos que se parecem com desodorantes roll-ons, que se parecem com vibradores; pelo marketing indireto de remédios para despertar o desejo, como ervas estimulantes sexuais ou pílulas como o Viagra; por grandes cartazes gritando "Faça com que o amor dure mais"; e por visões de sorvetes de forma fálica, ou de bebidas brancas de espuma e transbordantes, durante os programas infantis.
Até muito recentemente, os produtos comerciais para absorver o sangue menstrual simplesmente não existiam. Isso tinha um efeito terrível sobre a participação das mulheres na vida comunitária e pública, assim como em sua opressão religiosa.
Um magnífico indiano que viu e compreendeu esse embaraço em torno dos prejuízos da menstruação aos direitos das mulheres encontrou uma forma de produzir protetores e tampões para a menstruação de baixo custo e altamente eficazes. Eles permitem que adolescentes das comunidades do interior continuem indo à escola depois da menarca e que mulheres adultas se movimentem, se comuniquem e participem livremente da vida social e cultural da sua comunidade, durante todo o mês.
Esse grande homem perdeu a sua casa, a sua família e o seu casamento, mas a sua fábrica e o seu marketing junto aos mais pobres dos pobres são, em todos os sentidos, um ministério divinamente benevolente.
Aqui no Ocidente estamos vendo a próxima fase da normalização da menstruação. Levou um longo tempo. A primeira pessoa a dizer "menstruação" em um comercial foi Courtney Cox (agora Arquette) em 1985. Antes disso, as propagandas apenas davam a entender que a Johnson & Johnson fizera algo que criava mulheres mais femininas e desejáveis. Seus anúncios para a absorção superior dos absorventes com asas para os "dias pesados" pareciam provar que o sangue menstrual é azul.
Como todas as mulheres sangram, todas as mulheres tem que gerir a menstruação durante anos. Como existe pouca concorrência no imenso mercado para mulheres, os produtos para a menstruação deixam de ser comercializados de acordo com a sensibilidade das mulheres. Como os produtos para a menstruação são caros, e nós ainda somos afetados pelo condicionamento cultural a não discutir a menstruação, a Johnson & Johnson não tem nada a perder com essa mensagem. Mesmo a crítica faz o seu trabalho promocional.
As mulheres são mais do que as suas vaginas, que têm funções cotidianas compatíveis com a vida pública. Menstruação e odores são todos eufemismos normais e pudicos (em oposição a familiares, jocosos) que incentivam a negação, a ocultação, a ignorância, os mitos e a humilhação para todas as mulheres.
É tudo, menos uma tempestade em um diva cup.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Diálogos da vagina - Instituto Humanitas Unisinos - IHU