05 Julho 2012
Seu Francisco saiu de casa para olhar o movimento. Ficou curioso com tanta gente que desceu de um ônibus, quase todos com câmeras à mão e muitos falando outros idiomas. Perguntou o que estava acontecendo e explicaram a ele que os "turistas" eram pessoas de diversos países e do Brasil, jornalistas, pesquisadores e ativistas que estavam no Rio de Janeiro por ocasião da Rio+20 e foram conhecer de perto os impactos da siderúrgica TKCSA [Thyssenkrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico] no bairro de Santa Cruz, na zona oeste da capital carioca. "É um perigoso isso aqui", comentou Seu Francisco, sobre a presença da empresa no local.
A reportagem é de Raquel Júnia, publicada no sítio da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), 17-06-2012.
Seu Francisco, que mora no bairro há 60 anos, viu o local mudar muito com a chegada da TKCSA. Assim como ele, milhares de pessoas, estima-se que 20 mil, sintam os impactos da empresa na vida cotidiana, sobretudo nos últimos dois anos quando começaram as atividades da siderúrgica e uma "chuva de prata" começou a cair em cima das roupas no varal, das plantas e passou a fazer parte do ar respirado pelas pessoas. A visita à Santa Cruz foi um dos destinos do Rio+Tóxico, atividade organizada durante a Cúpula dos Povos na Rio+20, entre os dias 15 e 17 de junho, para denunciar os prejuízos de grandes empreendimentos ao meio ambiente e às populações, sobretudo as mais pobres, marginalizadas e comunidades tradicionais. Outro destino que recebeu visitantes foi a cidade de Magé, onde pescadores tiveram que deixar o trabalho por conta de empreendimentos da Petrobrás, além de contaminação da Baía de Guanabara e, inclusive, sofrem ameaças de morte por protestarem e denunciarem a ação da empresa pública. Também fizeram parte do tour a região de Duque de Caixas, com a visita à refinaria Reduc, à Área de Proteção Ambiental São Bento, ao aterro de Jardim Gramacho - o maior do mundo e recentemente desativado - e o local conhecido com Cidade dos Meninos, onde há contaminação por resíduos de inseticidas abandonados. Os visitantes ainda puderam conhecer a Baía de Sepetiba - que também banha Santa Cruz, e é impactada pela TKCSA e outros empreendimentos anteriores, que deixaram por lá um grave passivo ambiental.
Na saída para o primeiro dos destinos - Santa Cruz - Carlos Tautz, do Instituto Mais Democracia, explicou que a escolha do local de concentração para saída dos ônibus rumo aos locais impactados não foi feita ao acaso. "Escolhemos nos concentrar em frente ao BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social] para denunciar que este banco público, estatal, financia todos estes projetos. O banco está completando 60 anos, mas hão faz jus a esta idade. Apesar de ter o dobro do orçamento do Banco Mundial, financia os piores projetos no Brasil e também na América Latina e agora, na Rio +20, se apresenta como um dos grandes financiadores do capitalismo verde", afirmou.
TKCSA
A viagem até Santa Cruz demorou cerca de uma hora. Miguel Trentin, do Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul (Pacs), um dos organizadores do Toxic Tour, explicou que este tempo dobra em dias úteis. A fumaça dos alto-fornos da siderúrgica já pôde ser vista assim que o ônibus chegou ao bairro. A comitiva avançou o mais próximo possível da TKCSA, um dos portões de entrada da empresa, onde um carro da segurança particular estava estacionado. Os visitantes fotografaram e filmaram a siderúrgica e também foram fotografados por um dos seguranças. Em seguida, os moradores organizaram uma recepção em um salão de festas para relatarem os impactos sofridos. Nas paredes, cartazes de protesto contra a presença da TKCSA na região e várias fotos das evidências do impacto - como uma criança com problemas de pele e a concentração do pó prateado nas folhas das plantas.
Jacir do Nascimento, ex- pescador, relatou, muito emocionado, o que vem acontecendo desde que a empresa se instalou em Santa Cruz. "Não podemos mais tirar o nosso sustento da Baía de Sepetiba, temos que procurar um outro modo de viver para levar o sustento para dentro de casa, eu estou trabalhando como servente de obra, e fazendo um biscate ali e aqui. A TKCSA acabou com nossos peixes na Baía de Sepetiba. A mesma coisa que nós aqui na terra estamos sentindo na pele com a poluição, o peixe também está sentindo dentro do mar. Os nossos governantes aceitaram essa empresa aqui, tentaram se instalar em vários outros locais e não conseguiram, e vieram se implantar aqui, em cima da gente, disseram que não havia moradores perto de onde a empresa seria implantada, o que não é verdade", contou.
Jacir acrescentou que antes da instalação da empresa foi feita uma reunião com os moradores. Na ocasião, eles se posicionaram contra o empreendimento, entretanto, de acordo com ele, foi levado para a Alemanha, sede da siderúrgica, um posicionamento diferente segundo o qual os moradores de Santa Cruz não estavam apresentando resistência à TKCSA. Ainda segundo Jacir, fotos do bairro foram tiradas de forma a mostrar as partes menos habitadas para tentar referendar o argumento de que não haveria impactos significativos aos moradores. "Isso foi fraude deles. Agora estamos passando esse perrengue aqui, minha vista tem ardência o tempo todo, essa coceira na pele. Eu com um pulmão só, pescador, com 58 anos de idade, não estou agüentando isso aqui não. E as crianças, como ficam? Quem já tem bronquite não agüenta", protestou.
Moradores de Santa Cruz fundaram recentemente a Articulação da População Atingida pela Companhia Siderúrgica do Atlântico e, junto a pesquisadores e entidades que os apóiam, têm feito diversas ações de denúncia. Os participantes do tour receberam uma lembrancinha: um pequeno vidro com uma amostra do pó emitido pela siderúrgica. E também foi distribuído o primeiro informativo feito pelos moradores chamado "Alô TKCSA!".
Para Fernando Costa, da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, também presente no Toxic Tour, a instalação da TKCSA em Santa Cruz é um típico caso dos negócios fechados entre as empresas e os governos sem levar em conta os direitos básicos das populações. "Aqui nós vemos um caso típico de injustiça ambiental que acontece em vários locais do mundo, uma comunidade que não foi consultada, que está sofrendo os impactos. Eles estão resistindo, mas a empresa tem muito mais força, está junto com o governo. Existe uma captura corporativa, uma relação promíscua das grandes corporações com os governos e é isso que estamos vendo aqui. As opções do governo não são mais para defender o povo, mas entregá-los para essas iniciativas".
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