Por: Jonas | 26 Junho 2012
“Não foi Fernando Lugo que recebeu um golpe, mas, novamente, a história paraguaia. Sua democracia é que foi profundamente ferida”. A opinião é da historiadora argentina Liliana M. Brezzo, em artigo publicado no jornal Página/12, 25-06-2012. A tradução é do Cepat.
Quando foi divulgado o iminente julgamento político do presidente Fernando Lugo, liguei para um dos intelectuais mais reconhecidos no Paraguai para perguntar sua opinião sobre o desenlace da crise política. Ele me disse: “Em minha opinião, Lugo deixará de ser presidente amanhã pela tarde, não exatamente por mau (mas, é), mas porque nunca teve maioria no congresso... Entendo que já faz tempo que existe maioria parlamentar necessária para o julgamento, contudo os parlamentares não queriam assumir a responsabilidade política. É uma lástima, porque quem vem não será melhor”. Conhecendo a sua inclinação ao ceticismo, não me convenci de tudo. Na sexta-feira, no período da tarde, o presidente Fernando Lugo foi destituído pelo Congresso por 39 votos contra 6.
Enquanto lia as mensagens que me chegavam de colegas e amigos paraguaios, vieram à minha memória duas ocasiões que pude presenciar no país vizinho. A primeira foi quando, no dia 15 de agosto de 2008, tomou posse o presidente. Lugo, bispo católico, líder da Aliança Patriótica para a Mudança, tinha sido democraticamente eleito em 20 de abril daquele ano. Descontava-se que fazer do Paraguai um país mais justo e menos desigual não seria uma tarefa nada fácil. Entre mil prioridades, tinha que realizar uma reforma agrária e enfrentar os poderosos latifundiários, consolidar o regime democrático que, definitivamente, deixou para trás a hegemonia política do Partido Colorado, associada ao regime ditatorial encabeçado por Alfredo Stroessner (1954-1989) e renegociar os acordos sobre a usina hidrelétrica de Itaipu, para conquistar a soberania energética. Somente mediante avanços efetivos nesses eixos, o Paraguai poderia entrar numa nova era.
A segunda ocasião, que veio à minha memória, foi a recente fanfarra que, em 2011, rodeou os festejos do bicentenário da Independência do Paraguai. Exatamente no ato inaugural das comemorações, o presidente Lugo tornou explícito o compromisso do governo, com o aniversário, por meio de um discurso em que o Bicentenário aparecia como um momento crucial para a “construção de um novo Paraguai”, um “projeto de país que pretende reconquistar sua dignidade” e delinear o futuro comum, acabando com os sintomas de “submissão, pobreza, miséria e ausência de consciência crítica”. Neste pacto, colocava-se o ano de 2011 não como uma comemoração ritualista, centrada na exaltação dos fatos e dos protagonistas considerados nucleares para o nascimento de uma nova nação, mas, como em outros casos latino-americanos, como um espaço para legitimar um projeto político. Hoje, tudo isso aparece diluído.
Ainda que, na semana passada, ao se conhecer os dolorosos acontecimentos de Curuguaty, como resultado da batalha entre os camponeses e a polícia, fosse previsto um cenário político delicado, nada pressagiava que com tanta rapidez fosse produzido a destituição de um presidente, pela primeira vez na história paraguaia. O Paraguai enfrenta um momento histórico que violenta sua institucionalidade democrática. Um país no qual prevaleceu, desde os inícios do século XIX até finais do século XX, sistemas políticos autoritários. Não foi Fernando Lugo que recebeu um golpe, mas, novamente, a história paraguaia. Sua democracia é que foi profundamente ferida.