Por: Cesar Sanson | 30 Mai 2012
Carta final do III Encontro Popular da Bacia do rio São Francisco defende a preservação dos biomas Cerrado e Caatinga, critica os grandes empreendimentos econômicos que prejudicam a preservação do rio, como o agronegócio e os parques eólicos, questiona a ineficiente revitalização governamental e defende uma revitalização popular, que conte com a participação dos povos da bacia.
Eis a Carta.
Nós, indígenas, quilombolas, comunidades de fundo e fechos de pasto, pescadores, ribeirinhos, geraizeiros, comunicadores populares, pastorais, ONGs, representantes do povo do rio São Francisco, reunidos entre os dias 25 a 27 de maio de 2012, em Januária/MG, constatamos a triste e repetitiva situação de nosso rio e dos povos que lhe pertencem, mas também as resistências, lutas e esperanças populares.
A revitalização do governo não anda. Os investimentos em saneamento existem, mas é impossível ver resultados concretos. Não há controle sobre as obras, não há transparência. Em termos de ação governamental é a única iniciativa da propalada revitalização em toda a bacia. A degradação continua em nível crescente. O despejo incessante de agrotóxicos e esgotos sem tratamento; o desmatamento e o assoreamento do leito dos afluentes e do próprio rio; o uso abusivo de suas águas por empresas ligadas ao ramo do agro e hidro negócio e da mineração; os grandes projetos de irrigação para monoculturas de exportação e a exploração do setor elétrico só vêm a agravar o imenso passivo socioambiental que historicamente se acumulou na bacia.
Há uma resistência heroica de várias comunidades para “resistir e existir” em seu lugar, mas continua a expropriação de terras e territórios dos povos que tradicionalmente ocupam a bacia, contra os quais persistem as ações violentas de despejo, perseguição, criminalização e assassinatos, bem como o descaso e a lentidão nas ações de demarcação e titulação dos territórios. Por outro lado, têm-se a cessão ilegal desses territórios para domínio de grandes empresas e implantação de atividades que exploram os bens naturais de forma criminosa e ainda impedem o acesso à terra, às águas e aos peixes do rio. Todas são práticas que ameaçam a existência físico-cultural de muitas das comunidades do São Francisco.
Persistem a ausência de políticas públicas apropriadas ao semiárido e ao cerrado brasileiros e a recorrência de fenômenos naturais como a seca, onde o governo ainda se vale de ações emergenciais e assistencialistas que acabam por sustentar os interesses político-econômicos da “indústria da seca”, sobretudo em anos eleitorais como esse. No mesmo sentido, a opção equivocada pelas grandes obras hídricas, como a transposição de águas do rio São Francisco, cujo atual estado das obras e superfaturamento dos contratos só vêm a comprovar as denúncias realizadas por tantos que se contrapuseram ao projeto. O que temos de positivo no semiárido são as iniciativas da sociedade civil na lógica da convivência com o semiárido.
O São Francisco é um rio dos cerrados mineiro e baiano, responsáveis pela quase totalidade de suas águas. A expansão do agronegócio, das hidrelétricas e das mineradoras nestas regiões tem acelerado violentamente a depredação dos bens naturais e culturais destes cerrados. Passa da hora a aprovação das Propostas de Emendas Constituicionais - PECs que tornam patrimônios nacionais o cerrado e outros biomas e criam fundos públicos para sua preservação. Não há saída sem restringir e submeter a ação do capital sobre a natureza e os povos.
Repudiamos as políticas de intervenção no Rio São Francisco previstas em planos atuais e futuros do governo federal, como a proposta de implementação de usinas nucleares - a exemplo da usina no município de Itacuruba (PE)-, a implementação de parques eólicos por meios que agridem as comunidades e o ambiente, a expansão das atividades de mineração e dos grandes projetos de irrigação; a proposta de emenda constitucional 215 e a ameaça de revogação do Decreto 4887/03, objeto de manobras da bancada ruralista e que ameaçam a efetivação dos direitos territoriais das comunidades tradicionais, significando imenso retrocesso democrático no nosso país.
Vimos aqui mesmo em Januária e na vizinha São João das Missões experiências significativas de revitalização popular do Rio dos Cochos e do território reconquistado pelo Xacriabás, respectivamente. Nossos povos têm iniciativas que precisam ser consideradas e valorizadas na revitalização do rio São Francisco. Basta que aqueles que governam tenham olhos para ver. São estas experiências as estrelas que guiam nossos passos. Continuamos a fluir com as águas do nosso rio. Parar, jamais. Nosso destino é o oceano da justiça, da solidariedade e da paz.
São Francisco Vivo, terra, água, rio e povo!
Januária 27 de maio de 2012.
Colônia de Pescadores Z-026, Pescadores do Baixio de Irecê, Rizicultores de Sergipe, Comissão Pastoral da Terra BA/MG/Nacional,Conselho Indigenista Missionário PE/MG, Conselho Pastoral dos Pescadores Nacional/ BA, Associação de Fundo e Fecho de Pasto, Povo Pankará, Povo Xacriabá, IRPAA (Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada), AATR (Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia), CETA/BA, SINDSERV/SE, SINTAGRO/BA, STR Porteirinha, STR B. Jesus da Lapa,EFA Guimarães Rosa, Cáritas Diocesana de Januária, Movimento pelas Serras e Águas de Minas, Diocese de Floresta, Diocese de Bom Jesus da Lapa, Comitê da Bacia Hidrográfica do rio Salitre, Associação Quilombola de Brejo dos Crioulos (MG), Associação Quilombola de Brejões dos Negros (SE), Associação Quilombola de Barra do Parateca (BA), CADAESF, Assent. 17 de abril,MPA/SE, Escola de Fé e Política,ACOMA.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
III Encontro Popular da Bacia do rio São Francisco - Carta de Januária - Instituto Humanitas Unisinos - IHU