11 Mai 2012
A situação de "milhares de famílias pobres residentes no Morro Santa Tereza, fronteiro ao estádio Beira-Rio, em área privilegiada de localização e vista aqui de Porto Alegre" que "vem sofrendo progressiva ameaça de ter desrespeitado o seu direito humano fundamental à moradia", é o tema do artigo de Jacques Távora Alfonsin, advogado do MST e procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul e membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – CDES.
Eis o artigo.
Milhares de famílias pobres residentes no Morro Santa Tereza, fronteiro ao estádio Beira-Rio, em área privilegiada de localização e vista aqui de Porto Alegre, vem sofrendo progressiva ameaça de ter desrespeitado o seu direito humano fundamental à moradia.
Como parte extensa desse morro (mais de 75 hectares) pertence à Fase (Fundação de Assistência Sócio-Educativa), cujo patrimônio é público, sujeito à disposição do Estado do Rio Grande do Sul, as associações de moradoras/es das Vilas ali situadas (Gaúcha, Ecológica, União-Prisma, Padre Cacique), encaminharam à proprietária dessa fração, no dia 09 de abril passado, um pedido de reconhecimento do seu direito à moradia, ali exercido há décadas, pelas famílias que essas associações representam, na forma da concessão de uso.
O direito a essa concessão encontra base legal expressa na Medida Provisória 2220 de 2001 cujo art. 1º, determina expressamente: “Aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinqüenta metros quadrados de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural.”
Ao requerimento, as referidas associações juntaram cópia das disposições que a Constituição Federal (arts. 182/183) a do Estado (arts. 176/177), e em outras leis relacionadas com o solo urbano (Estatuto da Cidade, válido para o país todo, a Lei Orgânica do município de Porto Alegre, arts. 230/235-A) entre outras, e de um decreto do Governador Tarso Genro (nº 48029/2011). Todas disposições de lei que garantem direta ou indiretamente o pedido feito à FASE pelas associações de moradores/ras do morro.
A direção da Fase, na oportunidade, se comprometeu a enviar o dito requerimento às secretarias de governo mais ligadas à questão. É de se imaginar tenha ela se referido à Casa Civil, Habitação, Justiça e direitos humanos, de modo especial. As famílias representadas por essas associações, evidentemente, esperam ser ouvidas em muito breve tempo, levando-se em conta as pressões externas que começam a recrudescer para dar outros destinos ao dito imóvel, como se ali não morasse ninguém.
No meio da boataria que tem encontrado curso na mídia local, circulam rumores os mais variados sobre a existência de propostas direcionadas à FASE e ao governo do Estado, exigindo outros destinos ao uso e aproveitamento do espaço físico urbano morro Santa Tereza. Naquilo que interessa apenas à área de domínio da FASE, vale lembrar alguns desses destinos propostos:
- uma tentativa de venda ou permuta do imóvel, feita pela gestão administrativa do governo passado, através de um projeto de lei encaminhado à Assembléia Legislativa, solicitando autorização legal para venda ou permuta do imóvel, visando obtenção de recursos financeiros para descentralizar a FASE. O texto nem fazia ressalva, em sua primeira redação, ao direito de moradia das famílias organizadas em sua defesa. Essa tentativa felizmente fracassou frente à forte oposição das/os moradoras/es do morro, suas associações e muitas entidades e ONGs solidárias com elas/es.
- uma proposta de destinação da área a um parque ecológico. A mídia vem noticiando ultimamente, uma remodelação da área para ali ser instalado um parque, nisso valorizando-se a opinião de um urbanista (Jaime Lerner), como se, aqui no Estado, não existisse ninguém com qualificação igual ou até muito superior ao do técnico escolhido. Nenhuma das famílias residentes no morro, ao que se saiba, é contrária a esse destino, desde que, evidentemente, o tal parque não seja instalado em prejuízo do seu direito à moradia. Aliás, a Carta de intenções do Movimento “O morro é nosso”, datada ainda de 2010, defende a compatibilidade desses dois destinos, mais a regularização fundiária somada à reestruturação da Fase. Jamais se esquecendo, igualmente, a riqueza natural presente neste imóvel, já comprovada inclusive por um laudo da Fundação Zoobotânica, datado de 2009, onde se detectou até espécies vegetais sob risco de extinção. Esses objetivos, inclusive, fizeram parte do Plano de Governo da atual administração pública.
- Ocupação da área com novas construções, objetivando ampliação dos prédios da Fase, novas instalações sócio-educativas ou até novos presídios, assim facilitando, por exemplo, a transferência de parte de quem cumpre pena, atualmente, no presídio central.
- Remoção das famílias que, em frações dessa área, residem em área de risco, sobre essa pretensão já tramitando, inclusive, uma ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público. Nada contra, como acontece com a proposta do parque, desde que se garanta indenização a quem ali corre tal risco ou se abra a conhecida possiblidade de negociação “chave por chave”, na qual a família removida já saiba para onde ir e onde vai morar.
O Estatuto da Cidade, é oportuno lembrar-se, sobre todos esses outros destinos, nem permite política pública que afete população sem audiência dessa mesma gente: Lei 10.257/2001, art. 2º, incisos XIII e XIV.
São muitas as ONGs. solidárias com as famílias atualmente residentes no Morro Santa Tereza, vítimas dessas pressões, bem como deputadas/os, vereadoras/es e integrantes dos Poderes Executivo estaduais e municipais trabalhando em favor de uma solução socialmente respeitosa dos direitos que, ali, estão em causa. O Movimento popular “O morro é nosso”, o FERU (Forum Estadual da Reforma Urbana), o MNLU (Movimento nacional de Luta pela Moradia), a ONG “Cidade”, o Instituto dos Arquitetos Brasileiros, a “Acesso Cidadania e Direitos Humanos”, o SEMAPI, a Comissão de Direitos Humanos da Procuradoria Geral do Estado, entre outras organizações, têm realizado estudos, encontros e seminários visando conhecer em detalhe a realidade social, ambiental e fundiária do Morro, apontar as responsabilidades públicas e privadas que estejam encarregadas de defender o direito à moradia lá ameaçado, tudo em conjunto com as associações de moradoras/es que assinaram o pedido de concessão de uso das frações de terra onde estão residindo.
O Sindicato dos Engenheiros já encaminhou, também, à Casa Civil do Governo do Estado, nos primeiros dias de março, um requerimento sustentando a conveniência e a oportunidade de se realizar neste bem público uma efetiva regularização fundiária, que respeitasse rigorosamente os três objetivos, constantes no plano de governo e acima lembrados.
Assim garantir-se-ia o exercício simultâneo da competência comum que os Poderes Públicos do Município, do Estado e da União têm, nessa matéria (art. 23, incisos IX e X especialmente, da Constituição Federal) como, principalmente, constituir um grupo de trabalho capaz de unificar todas as ações de governo relacionadas com o referido imóvel.
Seria de todo oportuna, igualmente, a participação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do Estado no estudo de uma questão de tal gravidade e urgência. Mais de uma das suas Câmaras Temáticas têm por objetivo debater e oferecer sugestões ao governo do Estado sobre providências administrativas capazes de solucionar problemas que afetam de forma tão significativa a satisfação de uma necessidade vital como a do direito de moradia.
Reconhecida uma necessidade vital, como é a de uma pessoa ter um teto, garantir a sua efetiva satisfação é um direito e um direito humano fundamental previsto no art. 6º da Constituição Federal. Espera-se que, no caso do Morro Santa Tereza, como, aliás, em outros locais da cidade, na Vila Floresta (cercanias do aeroporto), no alargamento da Av. Tronco com os efeitos que ele trará para a Divisa-Cristal e Barracão, nenhum argumento, nenhuma providência, seja pública ou privada, testemunhe nossa democracia ser de fachada, o Estado negar suas obrigações emancipatórias e as multidões aí residentes sofrerem prejuízos maiores dos que a sua pobreza e, em alguns casos, miséria, já lhes impôs no passado.
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O destino fundiário do Morro Santa Tereza não pode violar o direito à moradia de quem lá reside - Instituto Humanitas Unisinos - IHU