Por: Cesar Sanson | 08 Mai 2012
Homicídios e trânsito são os maiores responsáveis por morte de jovens entre 15 e 24 anos no país.
A reportagem é de Patrícia Lauretti e publicada pelo jornal da Unicamp - 07 de maio a 13 de maio de 2012.
Os anos 1990 foram marcados pela explosão da violência nas grandes cidades do Brasil. Os números de homicídios em algumas regiões foram comparados aos registrados em países com histórico de guerra civil ou com altos índices de criminalidade à época, entre os quais Porto Rico e Colômbia. Morria-se muito pelas chamadas “causas externas”, que se contrapõem às demais que levam o indivíduo a adoecer e morrer, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS).
Nesta guerra sem nome próprio, foram aproximadamente 400 mil pessoas mortas em uma década no país. Morria-se muito em razão da violência e, pior, morria-se muito jovem. Na faixa entre 15 e 24 anos, o número de homicídios para cada cem mil habitantes saltou de 35,2 para 52,1 ao longo dos anos 1990. Em meados desta década, a pesquisadora Tirza Aidar, com formação em estatística, ingressou no doutorado em Demografia, interessada em estudar as interfaces entre a saúde, a população e a mortalidade.
Uma das indagações de Aidar era como a população estava morrendo e de que maneira as mudanças sociais e demográficas impactavam no perfil da mortalidade entre as crianças, os jovens, os adultos e os idosos. Foi quando deparou com as altas taxas de mortalidade de jovens por causas violentas, objeto de extenso trabalho de investigação que continua até hoje e que envolve especialmente a Região Metropolitana de Campinas, (RMC).
De lá para cá, Tirza constatou que após a explosão de homicídios, na mesma região, houve uma queda na década seguinte, até 2010, e uma reaproximação dos patamares de antes de 1990, muito embora no restante do país se verifique ainda o aumento de homicídios. Pesquisa coordenada por Tirza, revela, por exemplo, que no Paraná algumas cidades como Cascavel e Foz do Iguaçu vivem agora situação semelhante à registrada na RMC nos anos 1990 em relação aos homicídios. No Brasil como um todo, houve um acréscimo de 14,5% no número de mortes por homicídios no País, que passou de 45 mil em 2000, para 52 mil em 2010. Por outro lado, os registros mais recentes da RMC revelam que, se uma parcela dos jovens tem conseguido “escapar” dos homicídios, outra, não menos significativa, tem morrido sobre duas, ou quatro rodas.
Desde o doutorado, Tirza, que hoje é pesquisadora do Núcleo de Estudos de População (Nepo) Unicamp e também coordenadora do curso de pós-graduação em Demografia, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), se preocupa com as relações entre as questões de desigualdade, vulnerabilidade social e mortalidade. O trabalho envolve alunos da graduação, pós-graduação e pesquisadores do Nepo e de outras instituições, entre as quais a Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados) e Universidade Nacional de Córdoba. A RMC, com seus 19 municípios e mais de 2,6 milhões de habitantes, foi constituída como unidade regional somente em 2000.
Porém, desde a década de 1970 seus problemas de moradia, desemprego e empobrecimento da população vêm se agravando em razão do avanço na posição de pólo econômico. A exemplo do verificado no país, os jovens pagaram o alto preço do desenvolvimento: entre 1991 e 2000, a variação da taxa de mortalidade por homicídios entre 15 e 24 anos foi de impressionantes 174%, passando de 56,9 para 156,3 mortes para cada 100 mil.
Uma constatação curiosa de um dos estudos realizados pela equipe coordenada por Tirza: a avaliação dos dados socioeconômicos e demográficos do Censo 2000 (IBGE), do Sistema de Informação de Mortalidade (SIM-Datasus), do Ministério da Saúde, e do Banco de Óbitos de Campinas (Secretaria Municipal de Saúde) contrariou o senso comum quando se trata de associar diretamente desigualdade social, pobreza e violência urbana. Para a RMC, os municípios com maior desigualdade não eram necessariamente os mais violentos no início dos anos 2000.
No período investigado, os números variaram de algo em torno de 100, (em 1980) 300 (em 1990) a 900 homicídios (em 2000). Na virada do milênio, os municípios com as maiores taxas dessa modalidade de crime por habitantes eram Hortolândia, Sumaré, Campinas e Monte Mor, sendo os dois primeiros aqueles que apresentavam, na época, os menores índices de desigualdade socioeconômica, mas os piores indicadores relativos à pobreza e oportunidade educacional para os jovens. “É importante ressaltar que tais problemas sociais devem ser tratados em sua complexidade, considerando o dinamismo e sinergia entre os municípios e dos diversos setores das políticas públicas, seja no âmbito municipal, regional, estadual ou federal”, afirma Tirza.
A demógrafa adverte que pesam nesta relação as escalas utilizadas nas análises, se comparando municípios dentro de uma mesma região, ou bairros dentro de um mesmo município, ou ainda comparações entre regiões de um mesmo país, ou entre países. “Desigualdade social já denota, antes de mais nada, uma sociedade violenta em vários aspectos”, ressalta.
“Nos contextos de marcada desigualdade em termos econômicos e materiais, e em relação ao acesso à moradia, aos cuidados à saúde, à educação de qualidade, circulação e lazer, somados à facilidade da instalação e consolidação de redes de criminalidade ligadas ao narcotráfico e distribuição de armas de fogo, são criadas condições para o crescimento da violência urbana que vitimiza principalmente os homens jovens, negros, e residentes em áreas mais segregadas, espacial e socialmente”, enfatiza a docente.
Os espaços urbanos nos quais a população mais sofre com perdas fatais são aqueles com concentração de população de baixa renda, adultos com menor escolaridade, e jovens com menor chance de frequentar uma escola de qualidade.
Trânsito
A primeira década deste século foi marcada pela reversão da tendência de mortes violentas causadas por armas no estado de São Paulo e na região de Campinas. No Estado, houve redução de 58%, de acordo com o Datasus. Foram 15.591 registros em 2000 para 6.557 em 2009. Na RMC, em 2010, ocorreram cerca de 400 homicídios, 14,2 para cada 100 mil habitantes (70% das vítimas são homens entre 15 e 44 anos). As maiores taxas foram observadas em Monte Mor (56,5 por 100 mil habitantes), Santo Antônio da Posse (24,4 para cada 100 mil habitantes), seguidas de Sumaré, Cosmópolis, Santa Bárbara d’Oeste e Paulínia, estas com cerca de 20 homicídios para cada 100 mil moradores. “Alguns fatores contribuíram para esta diminuição, entre os quais a ampliação da cobertura do sistema escolar com mais jovens matriculados, e também um maior investimento em segurança pública. Mas ainda há muito que melhorar”, afirma.
Este refluxo no número de homicídios, cujo pico deu-se nos 1990, teve, no entanto, uma contrapartida: o aumento de mortes no trânsito em São Paulo e no restante do país. Eis os números: no Estado, de 5.975 em 2000 para 7.331 em 2009 (aumento de 23%) e, no país, de 29.645 para 42.043 (elevação de 30%).
Motivo para acender a luz de alerta e dar continuidade aos estudos demográficos. Não por acaso, a atualização dos dados também tem o foco nos jovens, por serem eles também as maiores vítimas. Da mesma forma que os homicídios, os acidentes fatais atingem jovens – agora motociclistas – que vivem em regiões menos favorecidas e que utilizam o veículo para trabalhar.
Um estudo realizado pela orientanda Ana Carolina Bertho, por exemplo, que incorpora dados de boletins de ocorrência dos acidentes de trânsito com vítimas fatais e não fatais no município de Campinas, revela os mesmos diferenciais quanto à vitimização de jovens motociclistas e pedestres menores de 14 anos e adultos com 60 anos ou mais. Segundo a pesquisa, aqueles que residem nas áreas com maior concentração de carências de infraestrutura urbana, apresentam índices de vitimização de 1,5 a 2,5 vezes maiores que o observado entre a população residente nas melhores áreas do município, como nas regiões centrais e de bairros como o Taquaral, por exemplo.
Na defesa de um olhar mais apurado para a condição de vulnerabilidade do jovem brasileiro, a pesquisadora alerta para um equívoco gerado por análises estreitas sobre os indicadores de saúde, que invariavelmente colocam maior foco nos problemas relacionados à saúde infantil ou da população com 60 ou 65 anos ou mais. “Por um lado, porque a mortalidade infantil é muito sensível a ações pontuais, como vacinação, saneamento e cobertura do sistema básico de saúde em suas ações preventivas e enfrentamento dos problemas de baixa complexidade e, no outro extremo, por conta do contínuo aumento do contingente e da longevidade da população idosa, uma das consequências da transição demográfica”.
Para Tirza, o erro está em manter uma estrutura que avança somente no controle da mortalidade infantil e saúde dos idosos, sem prestar a atenção devida e urgente aos jovens e jovens adultos. “Estes são os sobreviventes da primeira infância muitas vezes em condições precárias, que irão continuar acumulando experiências e exposições a riscos, ou situações de proteção, responsáveis diretamente às possibilidades de enfrentamento das condições adversas que encontrarão na maturidade” complementa. Estudos mais recentes, que aguardam o censo de 2010 para atualizações, mostram que, na Região Metropolitana de Campinas, os diferenciais da mortalidade são ainda muito significativos entre os jovens, quando comparados às crianças e idosos. São os jovens residentes nos espaços urbanos mais precários que apresentam os piores indicadores quanto à saúde reprodutiva e à vitimização frente à violência urbana, seja no trânsito seja nas vivências cotidianas.
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