30 Abril 2012
Se tem algo que pode realmente estragar os planos de alcançar uma economia verde e erradicar a pobreza no mundo - as metas da Rio+20 - são as mudanças climáticas. A opinião de Connie Hedegaard, comissária europeia para a ação pelo clima, é dita em tom quase de alívio depois que o tema foi incluído no rascunho do documento da conferência, que está sendo discutido na sede da ONU em Nova York.
A reportagem e a entrevista são de Giovana Girardi e publicadas pelo jornal O Estado de S. Paulo, 29-04-2012.
No chamado rascunho zero, a primeira versão do texto, divulgada no início do ano, as mudanças climáticas não foram mencionadas, gerando uma série de críticas de que o principal problema ambiental desta e das próximas gerações estava sendo deixado de fora em uma discussão que pressupõe um desenvolvimento que equilibre os aspectos econômicos, sociais e ambientais.
Por telefone de seu escritório em Bruxelas, Connie fala sobre as expectativas europeias para a reunião, explica por que é fundamental manter o alerta para o aquecimento global e clama para que nos próximos 54 dias os negociadores consigam colocar metas mais objetivas no documento final da Conferência das Nações Unidas que ocorre em junho no Rio.
Eis a entrevista.
A menos de dois meses da Rio+20, a sra. acha que as negociações estão caminhando no sentido de a conferência realmente marcar uma mudança de paradigma para a economia verde, como vem pedindo a Europa?
Nos últimos meses, tem havido alguns progressos, especialmente nas discussões de ter uma medida de crescimento que vá além do PIB - de medir o crescimento apenas da forma tradicional, na qual, se produzimos mais, crescemos mesmo se estivermos prejudicando o ambiente ou esgotando os recursos naturais. Isso é interessante porque se tivermos uma forma de medir o crescimento real mais orientada para o futuro, levando em conta os danos ao ambiente, isso vai contribuir com a mudança de paradigma. Mas não podemos nos enganar. Para fazer da Rio+20 um sucesso, o resultado da conferência tem de ser algo voltado para as pessoas nas favelas brasileiras, em uma vila na África ou para quem esteja lutando contra a pobreza em um país asiático. Tem de ser algo que leve a um progresso tangível para as pessoas. Temos muito trabalho pela frente para que a Rio+20 não termine com um monte de declarações que soem bem, mas que não levem a isso.
Mas por enquanto as coisas ainda parecem muito vagas.
O rascunho do documento já cresceu para mais de 250 páginas e está com quase 2 mil colchetes, em que o que está neles precisa ser negociado. Claramente os negociadores estarão muito ocupados nos próximos dois meses para que o texto seja significativamente reduzido e melhorado no sentido de orientar mais ações. Mas espero que haja progresso no que se relaciona ao acesso à energia sustentável, como dobrar a parcela de renováveis na matriz mundial e a eficiência energética, e no processo para a definição dos objetivos do desenvolvimento sustentável.
Só que na discussão do "rascunho um" em Nova York tem havido uma certa resistência em estabelecer o mapa do caminho para a economia verde, como pedem os ministros europeus.
Sim, queremos coisas tangíveis, metas. Um erro é imaginar que a economia verde só é interessante para países desenvolvidos. A economia verde significa que os desenvolvidos têm de fazer muito, mais do que temos feito hoje. E os países em desenvolvimento têm de perseguir uma estratégia de crescimento para não cometer os mesmos erros que cometemos. Para todos alcançarem um crescimento mais verde.
A Europa está preocupada que a Rio+20 não tenha um bom resultado?
Acho que todos deveríamos estar preocupados quando temos esta grande conferência internacional e na qual os cidadãos em todo mundo esperam que sejam tomadas decisões na direção certa. Todos temos de estar preocupados e preparados para o que vamos realmente entregar. Para a Europa, é sobre isso que tem de ser os próximos dois meses. E, mais importante, se decidirmos que vamos dizer na Rio+20, por exemplo, que energia sustentável tem de ser para todos, qual será exatamente o processo de acompanhamento?
O secretário-geral da Rio+20, Sha Zukang, disse recentemente que estaria razoavelmente feliz se a Rio+20 alcançar um acordo sobre os objetivos do desenvolvimento sustentável. A senhora acha que isso seria suficiente?
Achamos que é importante discutir os objetos do desenvolvimento sustentável, mas é difícil ver que daqui dois meses teremos todos os detalhes definidos. Será um processo que vai continuar depois. Mas apoiamos qualquer tentativa que tente especificar os objetivos e exatamente como levá-los adiante. É um desafio estabelecer a interação entre os objetivos do milênio que expiram em 2015 e os objetivos do desenvolvimento sustentável.
E a sra. tem dito que alguns dos objetivos do desenvolvimento sustentável poderiam entrar em ação imediatamente após a Rio+20.
Sim, o da energia sustentável para todos. Porque já vem sendo preparado com muito cuidado em um painel das Nações Unidas com alguns dos principais especialistas em energia do mundo. O painel já disse que não somente é possível ter esses objetivos, mas exatamente como poderíamos fazer isso. Apesar da crise econômica, definitivamente é factível ter mais energia renovável. Na Europa, os investimentos têm crescido a cada ano, o setor tem criado novos empregos mesmo no meio da crise. E isso não é possível dizer de muitos outros setores.
Uma das principais críticas ao rascunho zero era a ausência de menções às mudanças climáticas. Agora foram incluídas, reforçando os compromissos acordos na Conferência do Clima em Durban, em 2011. Isso pode ser considerado um avanço?
Eu argumentei sobre isso fortemente quando estive no Brasil (em fevereiro) e também na sede da ONU. Todos sabemos que a Rio+20 não é uma conferência de negociações climáticas. Ninguém quer que seja. Mas estou feliz de ver que agora está claramente relatado que as mudanças climáticas são um dos mais abrangentes desafios que o mundo enfrenta e quais são as implicações disso. É importante mencionar porque as pessoas têm a tendência a esquecer o que não é mencionado. Quando as pessoas só estão comentando sobre a crise econômica, é importante lembrar: gente, a crise climática não se resolveu sozinha enquanto estamos ocupados lidando com a crise financeira. Ainda está lá e é mais urgente que nunca. Deveriam estar mencionadas na Rio+20 porque se há algo que pode afetar a erradicação da pobreza e os planos de crescimento nos próximos anos são as consequências das mudanças climáticas. Quanto menos fizermos a respeito disso, mais severas serão as consequências para os mais vulneráveis nos países mais pobres. É por isso que realmente é um tema que deve estar no documento de uma conferência que fala de crescimento econômico, valores sociais e erradicação da pobreza.
Também estão ocorrendo alguns avanços relacionados a redução de subsídios para os combustíveis.
Sim. Eu estive no Painel de Alto Nível sobre Sustentabilidade Global da ONU e recomendei que a Rio+20 adotasse como política global uma gradual eliminação aos subsídios aos combustíveis fósseis até 2020. Todo mundo entende que isso não é possível de um dia para o outro, ou de um ano para o outro, mas pode ser uma redução gradual, porque evidentemente não faz o menor sentido em um mundo em que as mudanças climáticas são um dos maiores desafios continuar subsidiando combustíveis fósseis. No ano passado foi investido globalmente US$ 400 bilhões nisso. O subsídio para energias renováveis foi de no máximo US$ 70 bilhões. Em outras palavras, toda vez que subsidiamos renováveis com US$ 1, subsidiamos os combustíveis fósseis com US$ 6. Quão sábio é isso? É por isso que acho que esse aspecto também deveria estar entre as conclusões da Rio+20. E também espero que essa questão seja colocada na reunião de cúpula do G-20 que ocorre no México, pouco antes da Rio+20.
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'Mudança do clima abala economia verde e extinção da pobreza' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU