08 Março 2012
Pedro, autoridade reconhecida, não é como os poderosos deste mundo. Ele não está sozinho, fora do rebanho dos comuns mortais. Ele está "no meio dos irmãos": eles, com dignidade igual à sua responsabilidade, e ele, com responsabilidade de irmão mais velho. Seu único poder é um dever.
A opinião é do jesuíta, biblista e escritor italiano Silvano Fausti, em artigo publicado na revista Popoli, dos jesuítas italianos, 01-03-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
"Pedro levantou-se no meio dos irmãos e falou: 'Era preciso que se cumprisse a Escritura a respeito de Judas" (Atos 1, 15-26)
O modo de agir da Igreja primitiva é fundamental e normativo. Com o tempo, a tradição sofreu traições. Volta-se à origem para re-formar o que foi de-formado. A reforma nunca ocorre por um decreto de cima, mas sim por um humilde movimento de baixo, inspirado pela Palavra transmitida nos Evangelhos. Estes últimos – norma da tradição e não o contrário – sempre nos abrem a uma dupla conversão: ao passado e ao presente, à história de Jesus e a como vivê-la hoje.
Depois da ascensão, a comunidade permanece unida. Os primeiros 120 membros (ou seja, as 12 tribos x 10 = a comunidade) são agregados não pela "diferença" de um líder que domina, mas sim pela adesão ao Filho que lhes torna todos irmãos. Reunidos no Cenáculo, preparam o coração perseverando na oração. Mas também preparam o corpo. Judas traiu: falta um apóstolo. É preciso integrar o número dos patriarcas, as 12 colunas do novo templo, que serão "testemunhas da ressurreição". E isso será feito democraticamente por todos, por sugestão de Pedro. O texto toca em dois pontos fundamentais, sempre atuais: o exercício da autoridade e a compreensão do mistério do mal.
Pedro, autoridade reconhecida, não é como os poderosos deste mundo. Ele não está sozinho, fora do rebanho dos comuns mortais. Ele está "no meio dos irmãos": eles, com dignidade igual à sua responsabilidade, e ele, com responsabilidade de irmão mais velho. Seu único poder é um dever. O do seu Mestre e Senhor, cujo mandato é: "Lavem os pés uns dos outros como eu lavei os seus pés". É uma tradução "pedestre" da nova lei: "Amem-se uns aos outros como eu amei vocês" (Jo 13, 14.34). "Quem quiser ser o primeiro, deverá tornar-se o servo de todos", como o Filho do Homem (Mc 10, 44), que está no nosso meio como aquele que serve (Lc 22, 27).
Outra autoridade na Igreja é causa de idolatrias, defecções e divisões. Nada de vestes pomposas ou de lugares de honra. Que ninguém se chame de Pai, de Mestre ou de Guia. Nós somos todos irmãos, discípulos do Filho. Discípulo é quem dele "aprende" (discere) a ser o filho e irmão de todos. A proliferação de títulos coloridos e de respectivos ornamentos são deturpações cômicas. Pode-se objetar que são símbolos. Mas o homem vive dos símbolos que tem na cabeça. Que a fábula do Rei nu nos ajude a rir das nossas extravagâncias com um pouco de bom senso.
O incenso do poder dá vertigens e confunde fantasia com realidade. Até aqui, pouco mal: é só um pouco de carnaval. O ruim é que o poder violenta a realidade para se impor como verdade. Se contemplamos o nosso Rei coroado de espinhos, talvez acaba nosso jogo estúpido, do qual Ele e os pobres cristos pagam a salgada conta. O homem não age mal por maldade, mas por inconsciência (Lc 23, 34). Ele acredita que a sua obsessão por poder o tornam como Deus. A falsa imagem dele, de si e dos outros – aquela sugerida por Satanás em Gênesis 3, 1ss. – faz com que se use todos os meios para dominar, ao invés de servir. Essa é a raiz dos nossos males!
E aqui chegamos ao segundo tema: o mal. O traidor não é "o" monstro. Judas é "um dos 12", "um de vocês", diz Jesus. Ele representa a nós que, como ele, queremos – obviamente, por amor a Ele... – um Cristo rico e poderoso, que ponha todos sob seus pés. Graças a Judas, o Filho do homem acaba na cruz. E ali nos cura da falsa imagem de Deus e de homem, carregando sobre si o mal dos nossos delírios de ter, de dominar e de aparecer. Por isso, através de Judas, cumprem-se as Escrituras. E o seu lugar é tomado por outro. É o lugar que é tomado por qualquer outro – incluindo eu – para que eu me converta olhando e tocando as feridas do "meu Senhor e meu Deus" (Jo 20, 27s).
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A Igreja e o poder. Artigo de Silvano Fausti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU