27 Fevereiro 2012
"Talvez pela primeira vez na história, ao menos de forma tão explícita, o papa que convocou o Concílio, João XXIII, não apresentou uma ideia ou um modelo predeterminados. Afirmou-se, ao contrário, a ideia do Concílio como novo Pentecostes, ou, melhor, como uma tentativa de tornar possível na Igreja Católica algo semelhante a um novo Pentecostes".
A reportagem é de Daniele Zappalà, publicada no jornal Avvenire, dos bispos italianos, 24-02-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Para o teólogo francês Christoph Theobald, esse aspecto esteve intimamente ligado ao "estado de graça" respirado pelos protagonistas do Vaticano II. E, a 50 anos da abertura dos trabalhos, esse "desejo de um Pentecostes", segundo o padre jesuíta, também representa uma das chaves para reler os textos conciliares como "bússola" para o século XXI, segundo a célebre metáfora de João Paulo II.
De Theobald, acaba de ser traduzido na Itália o primeiro tomo do monumental La recezione del Vaticano II (Ed. EDB, 728 p.).
[Theobald é uma das presenças confirmadas no XIII Simpósio Internacional IHU – Igreja, cultura e sociedade: A semântica do Mistério da Igreja no contexto das novas gramáticas da civilização tecnocientífica, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU entre os dias 2 e 5 outubro de 2012. Saiba mais aqui.]
Eis a entrevista.
Padre Theobald, como é possível resumir e compreender esses 50 anos de recepção do Concílio?
Houve diversas fases de recepção, e explicitá-las também é o modo mais simples para abordar a questão. A primeira fase, logo depois de 1965, é sobretudo institucional, com a reforma de instituições como o Santo Ofício e a aplicação do princípio sinodal no mundo inteiro. É a fase que provavelmente suscitou as impressões mais vivas e muitas vezes um entusiasmo real.
Uma segunda fase começa em 1985, ano do Sínodo convocado para celebrar o Concílio e verificar seus efeitos. Foi um evento extremamente importante, que propôs uma interpretação global, certas regras de interpretação, introduzindo também a ideia do corpus do Concílio, ou seja, das ligações e da intertextualidade entre os documentos conciliares. Podemos definir o período que assim começa como uma fase de síntese, sobretudo em torno do conceito de Igreja-comunhão.
Com o tempo, tornou-se importante também a contribuição do trabalho histórico, baseado no estudo de um conjunto cada vez mais amplo de textos, esboços preparatórios, diários pessoais dos participantes do Concílio.
O senhor defende que, até agora, o debate sobre o Concílio, às vezes movimentado, referiu-se muito à eclesiologia. É preciso ampliar o campo de visão?
Essa focalização era provavelmente inevitável, dado o porte das reformas institucionais. Mas hoje a leitura dos textos conciliares pode nos ajudar a reequilibrar essa percepção. Uma dimensão fundamental do Concílio gira em torno do princípio de pastoralidade, com a ideia de que a fé cristã é muito histórica e ligada desde o início a uma pluralidade de culturas. Expressar a historicidade do cristianismo significa expressar de novo, no fundo, o princípio da Encarnação. Essa dimensão nos interroga continuamente sobre a receptibilidade da tradição cristã. A pastoralidade está enraizada diretamente na Revelação, que é dirigida a todos. O caráter missionário da Igreja continua sendo, portanto, me parece, uma grande questão em aberto no rastro do Concílio.
Dentro do vasto corpus conciliar, há textos que mereceriam uma redescoberta particular?
Até agora, tem sido muito aprofundado o sentido de três textos: Lumen gentium, Gaudium et spes, Sacrosanctum concilium. Mas um texto fundamental pouco estudado e interpretado é o Dei verbum. O Sínodo de 2008 representou um primeiro forte ato oficial de recepção da Dei verbum, mas esse documento absolutamente central certamente poderá desempenhar um papel cada vez mais ativo. Pode-se pensar o mesmo do Ad gentes, sobre a atividade missionária da Igreja.
O senhor argumenta que é no próprio Concílio que se podem encontrar as chaves para superar todos os conflitos sobre a sua interpretação...
Na minha opinião, é preciso sair hoje da concepção binária segundo a qual, de um lado, há um Concílio perfeitamente concluído e, de outro, há boas ou más interpretações do Concílio. O Concílio foi um prodigioso processo de aprendizagem, e, também por isso, são inevitáveis certas justaposições que animaram do debate depois. Pensemos, por exemplo, no princípio de colegialidade episcopal que, evidentemente, é afirmando ao lado da confirmação do primado do ministério petrino romano. O Concílio nos ofereceu, acima de tudo, um modo para deliberar na Igreja, lembrando-nos implicitamente que algumas questões jamais podem se dizer definitivamente resolvidas, já que fazem parte da própria estrutura paradoxal do Mistério cristão.
Além do debate teológico, o Concílio poderá continuar sendo uma referência absoluta para a unidade da Igreja?
Sim, se soubermos insistirmos e refletir não tanto sobre os detalhes, mas sim sobre a visão global que o Concílio delineou – a de um cristianismo universal e, ao mesmo tempo, perfeitamente inculturado e diferenciado. Sim, se soubermos acolher a pedagogia e a coragem do Concílio, na escuta ao outro, na capacidade de nos convertermos, ao deliberarmos juntos pelo futuro. Há um modo de proceder que o Concílio nos deixa como herança. Em particular, um certo modo de escutar a Palavra, de discernir os sinais dos tempos, de ter acesso à interioridade. Graças a esse tripé, por assim dizer, o Concílio poderá continuar sendo uma graça e uma bússola para os novos tempos.
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A urgência de recuperar o método do Vaticano II. Entrevista com Cristoph Theobald - Instituto Humanitas Unisinos - IHU