21 Janeiro 2012
Entrevista com Esteban Kriskovich, novo embaixador do Paraguai junto à Santa Sé: "O ex-bispo convertido em presidente sempre é um filho da Igreja".
A reportagem é de Andrés Beltramo Álvarez, publicada no sítio Vatican Insider, 18-01-2012. A tradução de Moisés Sbardelotto.
As relações diplomáticas entre o Vaticano e a República do Paraguai é particular. A nação sul-americana é a primeira do mundo a ser liderada politicamente por um bispo católico, Fernando Lugo. Um presidente eleito pelo povo em 2008 não sem tensões eclesiásticas profundas. Mas esse tempo de desencontro institucional parece ter ficado para trás, porque em Roma uma coisa está bem clara: Lugo será sempre "um filho da Igreja".
No último dia 19 de dezembro, o Papa Bento XVI recebeu as credenciais do primeiro embaixador paraguaio junto da Santa Sé, emitido pelo governo do clérigo-presidente: Esteban Kriskovich. Levou mais de 30 meses todo o processo que levou o diplomata de seu trabalho como fiel leigo, advogado do tribunal eclesiástico metropolitano e professor da Universidade Católica de Assunção a representar seu país na capital do catolicismo.
Desacordos políticos atrasaram muito a ratificação no Senado paraguaio da figura de Kriskovich como embaixador, condição exigida pela lei. Todas as nomeações diplomáticas devem passar Parlamento e podem se converter em "moeda de troca" no contexto político. Isso também ocorreu desta vez, mas as dificuldades surgiram mais de uma oposição ao presidente do que de uma séria tentativa de obstruir as relações diplomáticas com a Sé Apostólica.
Nesse momento, o atraso fomentou a especulação, e muitos personagens aconselharam Fernando Lugo a mudar o candidato a embaixador para obter o apoio do Senado. O presidente se recusou. Manteve seu apoio a Kriskovich, um perfil que agrada à Santa Sé e à Igreja em geral, até que a nomeação foi ratificada.
A persistência de Lugo foi um gesto muito apreciado no Vaticano, especialmente depois do período de tensão institucional que caracterizou a candidatura e a eleição do ex-bispo da diocese de San Pedro, entre as mais pobres do país sul-americano, a presidente. Em Roma, nunca se aprovou a "aventura" pública do clérigo, que, em 2007, foi suspenso a divinis por seu ato de rebeldia contra a lei canônica que veda expressamente a participação política dos consagrados.
Advertências e apelos à ordem não impediram que o bispo seguisse em frente até chegar à presidência. Só nesse momento é que o papa concordou em lhe conceder a demissão do estado clerical, em uma decisão sem precedentes.
Em entrevista com o Vatican Insider, o embaixador Esteban Kriskovich revelou detalhes do seu primeiro encontro com Bento XVI, confirmou que a etapa de tensões bilaterais ficou no passado e deixou aberta a porta para um encontro entre o bispo de Roma e o presidente Lugo.
Eis a entrevista.
Como foi seu encontro com Bento XVI?
Foi um encontro muito cordial no momento da apresentação das credenciais no dia 19 de dezembro. Durou cerca de 20 minutos. Parecia que eu estava me encontrando com alguém muito familiar e com uma comunhão e sintonia perfeitas. O Santo Padre tem a grandeza dos homens humildes e mansos, seu testemunho, por esse motivo, provoca e impacta o mundo atual. É o papa da humildade e da paz em um mundo em que pretendem imperar, muitas vezes, a soberba e a violência.
O Santo Padre perguntou pelo presidente Fernando Lugo?
Perguntou pelo senhor presidente, brevemente, com muita cordialidade e calor humano. Aproveitou a ocasião para lhe comunicar que, no momento de entregar as cópias das credenciais à Secretaria de Estado, também tinha entregue uma nota formal do presidente da República do Paraguai à Sua Santidade, agradecendo pela missa do bicentenário da independência dos países americanos, realizada no dia 12 de dezembro, e convidando-o para visitar o nosso país, se possível, dentro de sua agenda e disponibilidade, proximamente, acontecimento que seria de muita bênção para o nosso povo.
O presidente Lugo era bispo católico. Sua candidatura política provocou tensões com a Igreja e também com a Santa Sé. Como está a relação agora?
Considero que essa etapa está superada, não existe situação atual de crise ou de conflito. No entanto, como todo o tipo de relacionamento humano e institucional, exige uma tarefa de cuidado contínuo para o seu desenvolvimento dinâmico e efetivo. Espero, através de minhas funções como embaixador junto à Santa Sé, contribuir para o aperfeiçoamento desse vínculo.
O senhor apresentou suas credenciais ao Papa no dia 19 de dezembro, exatamente depois que o protocolo vaticano mudou a sua prática de trocar discursos com os novos embaixadores. De todas as formas, o senhor entregou ao pontífice uma mensagem. O que o texto dizia?
Com sua amável e gentil anuência, já que esse gesto foi recentemente modificado no protocolo, pude lhe entregar a mensagem que ele cordialmente agradeceu e manifestou que lhe permitirá aprofundar o diálogo que tivemos. Principalmente, o texto manifestava que o Paraguai é um país com raízes cristãs, nascido da comunhão do sentido religioso e da busca da Terra Sem Males dos guarani e do encontro com o acontecimento cristão da primeira evangelização, há quase 500 anos. Manifestava ainda que, hoje, é um povo com uma Igreja viva e com uma nova evangelização que trabalha por um Paraguai mais humano e cristão. Que o Paraguai é um povo que padeceu muito ao longo de sua história, mas que nos consideramos amados por Deus, no coração da América do Sul, no coração de Deus e de Maria. E que valorizamos o trabalho de Sua Santidade por ser o papa da verdade em um mundo necessitado dela em todos os seus aspectos. Também solicitamos uma bênção especial para o povo do Paraguai, reiterando o convite do senhor presidente e da Igreja no Paraguai para, eventualmente, visitar o nosso país. Mencionamos grandes homens e mulheres que, na história do Paraguai, são testemunho insígne e luminoso do bem, alguns que já são santos, e outros em processo de beatificação.
Uma das grandes questões sobre a relação entre o Paraguai e a Santa Sé é se o presidente Lugo será recebido pelo papa alguma vez. Essa alternativa é possível?
Nunca se deve fechar a possibilidade. Eu não posso lhe dar uma resposta contundente. No entanto, acredito que os caminhos estão abertos para tudo o que possa unir a Igreja e o Estado para a conquista do bem comum do nosso povo.
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Bispo-presidente do Paraguai: ''Um filho da Igreja'' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU