14 Janeiro 2012
Uma conversa com o padre Antonio Spadaro, desde o dia 1ª de outubro à frente da revista italiana La Civiltà Cattolica. Se hoje a revolução digital modifica o modo de viver e de pensar, isso não acabará se estendendo também à fé?
A reportagem é de Giovanni Maria Vian, publicada no jornal L'Osservatore Romano, 11-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Não é difícil entrevistar o diretor da La Civiltà Cattolica depois dos primeiros 100 dias à frente da histórica publicação. O que simplificou o encontro não é apenas a relação ultracentenária que liga o jornal da Santa Sé à revista mais famosa e influente dos jesuítas italianos, nem o companheirismo, mas acima de tudo a disponibilidade do padre Antonio Spadaro e a sua cordial amizade, na recordação comum de tantas pessoas queridas e no olhar para o futuro in eodem spiritu.
Eis a entrevista.
O que significou a sua nomeação como diretor da La Civiltà Cattolica? E qual é a avaliação depois dos primeiros fatídicos 100 dias?
Eu vivi a nomeação com trepidação. O meu primeiro artigo na revista remonta a 1994, quando eu tinha 27 anos. No entanto, ser o seu diretor significa ver as coisas de uma perspectiva diferente. A revista tem 162 anos de vida e desempenhou um papel muito importante na história cultural e política do nosso país, além da formação dos católicos italianos: a responsabilidade é grande.
Hoje, depois de cem dias de trabalho, eu sinto com força o desejo de dar o máximo, em um momento em que o mundo das revistas e o da comunicação cultural está mudando profundamente. La Civiltà Cattolica é a revista cultural mais antiga da Itália ainda viva. Ela nasceu em 1850, um tempo de grandes mudanças, fazendo propostas inovadoras: era uma revista cultural eclesiástica não em latim, mas em italiano, e fazia uso de uma linguagem simples, mesmo tratando de assuntos especializados. Estava espalhada por toda a Itália quando a Itália não existia.
Os primeiros jesuítas da revista foram inovadores também imaginando o uso da imprensa, que era o mesmo meio do qual se serviam os revolucionários, liberais e anarquistas. Para permanecer fiel a si mesma, a nossa revista foi capaz de se transformar, abrindo espaço em décadas nas quais o próprio significado da comunicação, além das suas modalidades, mudou. É claro, por exemplo, que a revista hoje terá que abordar adequadamente o ambiente digital. Os elementos de inovação da La Civiltà Cattolica já estão dentro da sua história e da sua tradição. É minha tarefa captar esses elementos para mantê-los sempre ativos e dinâmicos.
Quais são hoje as urgências às quais é preciso responder?
Em um recente editorial meu, eu escrevia que hoje precisamos de testemunhas eficazes que não só nos ajudem a esperar que depois da noite virá o dia, mas a ver que na escuridão da noite as estrelas brilham. Do meu ponto de vista, a verdadeira grande emergência do nosso tempo é uma crise generalizada de "generatividade". A nossa sociedade não é capaz de "gerar" as novas gerações para a vida pública: ela ama a juventude como mito, mas não ama os jovens. E hoje vale mais a excelência do que a sabedoria. Está em crise a figura da vida "adulta", aquela que se arrisca no jogo sério da vida. Assim, a sociedade se torna estéril. Bento XVI, na sua recente Exortação Apostólica Africae munus, pediu significativamente que se envolva diretamente os jovens na vida da sociedade e da Igreja, para que eles não se abandonem a sentimentos de frustração e de rejeição diante da impossibilidade de tomar nas mãos o seu futuro. É preciso vencer uma crise de futuro.
Qual é a proposta cultural da revista?
O que a La Civiltà Cattolica pretende oferecer é a partilha de uma experiência intelectual iluminada pela fé cristã e inserida na vida cultural, social, econômica e política de hoje. O leitor, que compartilha ou não as nossas escolhas, poderá contar com o fato de que as nossas opções estão em conformidade com o Magistério da Igreja. Mas queremos compartilhar as nossas reflexões com todas as pessoas comprometidas seriamente e desejosas de ter fontes de formação confiáveis, capazes de fazer pensar e de fazer amadurecer o juízo pessoal.
Está no código genético da revista servir de ponte, interpretando o mundo para a Igreja e a Igreja para o mundo. Acima de tudo, a La Civiltà Cattolica não pretende expressar lamentos pelo presente ou nostalgias pelo passado. O seu escopo é dar chaves de leitura capazes de alimentar o compromisso e não a fuga ou o pessimismo. E pretende fazer isso de maneira incisiva e ao mesmo tempo aberta e serena, evitando todo extremismo e exasperação.
Em que sentido a revista é "católica"?
Antes de assumir o cargo de diretor, passei muito tempo folheando os primeiros volumes da revista. Eles são um tesouro imenso. No editorial do primeiro fascículo de 1850, lê-se esta frase: "Uma Civilização católica não seria católica, isto é, universal, se não pudesse se compôr por qualquer forma de coisa pública". Acredito que seja uma expressão profética. Graças à multiplicidade e à variedade dos assuntos tratados, o nosso leitor, hoje como há 160 anos, pode se familiarizar com uma série de temas debatidos e atuais.
Mas não pretendo simplesmente liderar uma revista que "segue" os eventos. No que for possível, tentaremos intuir o que vai acontecer, antecipar as tendências e os fenômenos, prever seu impacto, manter viva a atenção dos nossos leitores, portanto. Assim, pretendemos responder ao apelo que Bento XVI dirigiu a nós em fevereiro de 2006, recebendo-nos em audiência, quando nos disse que neste nosso tempo não podemos dispensar a busca de novas abordagens para a situação histórica em que vivem hoje os homens e as mulheres, para apresentar a eles, em formas eficazes, o anúncio do Evangelho. Essa será a nossa contribuição específica à nova evangelização.
A La Civiltà Cattolica é uma revista dos jesuítas. Alguns consideram que a Companhia de Jesus hoje não tem mais a cultura entre as suas prioridades. É verdade?
Eu acho que não é verdade. Basta considerar os lugares nos quais os jesuítas no mundo vivem o seu compromisso com o serviço do Evangelho: universidades, revistas, centros culturais, escolas de todos os tipos. Nos EUA, por exemplo, temos 28 universidades, das quais provém a grande maioria das vocações desse país, dentre outras coisas. Um decreto da nossa 34ª Congregação Geral é totalmente dedicado à cultura como campo específico da nossa missão. Mesmo na Itália, os jesuítas estão muito comprometidos nesse setor com revistas, duas faculdades teológicas, um centro de estudos filosóficos, centros culturais e escolas.
Mas, para além das instituições, que também são fundamentais, deve-se considerar que nós, jesuítas, compreendemos que a dimensão intelectual deve moldar todas as nossas atividades e obras (incluindo as paróquias, os centros juvenis e de espiritualidade, as próprias atividades sociais). O nosso ministério pretende ser "culto", seja ele qual for. O objetivo é sobretudo acompanhar aqueles que, em contextos diversos, estão vivendo transições difíceis, oferecendo um olhar atento e evangélico às instâncias mais positivas e emergentes da cultura contemporânea.
O diretor da La Civiltà Cattolica está há muito tempo comprometido com o fronte digital. Por quê?
A Internet é um espaço de experiência que está cada vez mais se tornando parte integrante, de maneira fluida, da vida de cada dia. É um novo contexto existencial. Da sua influência, depende de algum modo a percepção de nós mesmos, dos outros e do mundo que nos rodeia e daquele que ainda não conhecemos. A pergunta neste ponto surge espontaneamente: se hoje a revolução digital modifica o modo de viver e de pensar, isso não acabará se referindo também, de algum modo, à fé? Se a rede entra no processo de formação da identidade pessoal e das relações, ela não terá também um impacto sobre a identidade religiosa e espiritual dos homens do nosso tempo e sobre a própria consciência eclesial?
Bento XVI, na plenária do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais, indicou um caminho de forma clara e decisiva, com algumas interrogações: "Quais desafios o chamado 'pensamento digital' põe à fé e à teologia? Quais perguntas e solicitações?". A rede e a cultura do ciberespaço interrogam a nossa capacidade de formular e escutar uma linguagem simbólica que fale da possibilidade e dos sinais da transcendência na nossa vida. Talvez chegou o momento de considerar também a possibilidade daquela que eu chamo de uma ciberteologia, ou seja, a inteligência da fé no tempo da rede. É o fruto da fé que liberta de si mesma um impulso cognoscitivo em um tempo em que a lógica da rede marca o modo de pensar, conhecer, comunicar e viver.
E quais são as ideias como novo consultor de dois Conselhos Pontifícios: o da Cultura e o das Comunicações Sociais?
Sempre tento lembrar, dia a dia, o que antes Paulo VI e depois Bento XVI disseram claramente para nós, jesuítas: somos chamados a estar "em toda parte na Igreja, mesmo nos campos mais difíceis e de ponta, nas encruzilhadas das ideologias, nas trincheiras sociais, houve e há o confronto entre as exigências ardentes do homem e a perene mensagem do Evangelho".
As duas nomeações recentes me lembraram esse compromisso evangélico hoje tão urgente: são dicastérios de "trincheira". O seu trabalho é, especialmente hoje, central e radicalmente interconectado: a comunicação gera cultura, e não é possível fazer cultura sem comunicar. Eu já colaborei anteriormente com os dois Conselhos Pontifícios e achei a experiência muito estimulante e enriquecedora. Espero ser útil ao seu compromisso, levando comigo a bagagem cultural da La Civiltà Cattolica.
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''Somos chamados a estar nas fronteiras, encruzilhadas e trincheiras''. Entrevista com Antonio Spadaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU