06 Dezembro 2011
Num mundo que se move não se sabe para onde, nem como ou quando, a primeira cúpula da Comunidade de Estados da América Latina e Caribe (Celac) é uma boa notícia para a América do Sul.
A reportagem é de Martín Granovsky e publicada pelo Página/12, 04-12-2011. A tradução é do Cepat.
A criação da Celac, em 2010, foi uma proposta do Brasil, quando era presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que a Argentina apoiu com entusiasmo e levada a cabo pela habilidade do venezuelano Hugo Chavez em meio a um câncer e a 10 meses das eleições presidenciais de 07 de outubro.
O sistema planetário e a futurologia são más companhias. Antes de definir como será a Celac daqui 20 ou 30 anos, parece mais útil mostrar algumas chaves do seu debute em Caracas.
Chave Um. A Celac não substitui a Unasul, a União Sul-americana de Nações criada em 2004, relançada em 2007 e consagrada por sua eficácia regional com a secretaria executiva de Néstor Kirchner em 2010. Em termos políticos a Unasul continua sendo o núcleo homogêneo e, como tal, foi o motor da Celac. Ao criar o novo organismo, brasileiros e argentinos cuidaram de não diluir a Unasul, assim como a Unasul não diluiu ao pré-existente Mercosul.
Chave dois. A Celac inclui o México - o presidente Felipe Calderón abriu a sessão -, mas a Argentina não repete os velhos esquemas segundo os quais o México é um contrapeso a ser utilizado ao vigor internacional brasileiro.
Chave três. A prova dos dois primeiros pontos é que Cristina Fernández de Kirchner e Dilma Rousseff utilizaram o marco da cúpula de Caracas para anunciar a criação de um Mecanismo de Integração Produtiva entre a Argentina e o Brasil. "Quando cresce o Brasil, cresce a Argentina", disse o ministro das Relações Exteriores Héctor Timerman, em uma síntese que aponta para uma visão para além das disputas comerciais que não excedem 10% do volume total do comércio entre os dois países. A Argentina aposta no aumento dessa relação com o Brasil. E aqui não há espaço para a nostalgia sobre o PIB de cada país de 100 ou 50 anos atrás. O Brasil está prestes a ultrapassar o Reino Unido no ranking das economias mais poderosas do mundo, o que significa que é o grande vizinho que se tem do lado de cá. Pragmática, a Argentina age sobre essa realidade e se beneficia dela tanto econômica como politicamente. Um exemplo deste último aspecto é o respaldo da Celac à reivindicação nacional de abrir negociações diplomáticas com o Reino Unido para recuperar as Malvinas.
Chave quatro. Brasil e a Argentina não abandonaram a Venezuela nem como aposta regional (centrada no potencial energético dos venezuelanos e no seu papel crescente de ponte entre a América do Sul e do caribe), nem como aposta política (Cristina e Dilma sobejaram em gestos de carinho pessoal à Chávez que luta com a biologia e contra o tempo para uma eventual disputa frente às eleições).
Chave cinco. A euforia do presidente cubano Raul Castro, que qualificou a Celac como a iniciativa mais importante dos últimos 200 anos, mostra o outro lado do novo organismo. Ele não substitui a Organização dos Estados Americanos, que inclui os Estados Unidos que tem isolado Cuba, mas continua esvaziando de conteúdo a OEA . E, oferece ainda, um guarda-chuva de amplo espectro político para que Cuba possa empreender uma transição, a mais ordenada possível na sua revolução de construir um capitalismo misto que não termine um belo dia com uma invasão de imobiliárias de Miami.
Chave seis. A Celac é mais uma maneira de se reunir e discutir num mundo multipolar que se encontra em profunda reformulação. Os Estados Unidos, que ainda são a única superpotência militar, nestes dias respiram aliviados diante da queda do desemprego de 9% para 8,6%, algo que parecia impossível. A Comunidade Europeia já discute medidas em que cada um dos seus países terá que abrir mão da sua soberania, subordinando-se à Alemanha, deixando assim a condição de sócios para se tornarem pupilos. Pequim, desacelera o crescimento, enquanto avança em uma surda disputa naval, típica da Guerra Fria, para ver quem predominará no Pacífico e no Mar da China. A Rússia faz o mesmo com sua marinha no Báltico. Em ambas as regiões está em jogo não apenas o acesso a mercados, mas o controle de riquezas submarinas a serem exploradas no futuro, desde o petróleo e gás, até jazidas de ouro.
Chave sete. Na multipolaridade há instâncias de construção de poder regional, como a Unasul ou o Nafta, e também organismos mais fracos com objetivos menos permanentes, de composição mais heterogênea ou de conversão em fóruns de debates. Um exemplo são os Brics, composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Eles não têm um objetivo militar comum, mas juntos disputam quotas maior de poder no Fundo Monetário Internacional e tentam mediar a crise européia para evitar uma queda acentuada da UE. Outro exemplo, onde hoje se concentra a tensão da discussão sobre os modelos de desenvolvimento internacional, é o G-20, com a presença de dois latino-americanos em sintonia (Argentina e Brasil) e outro alinhado com Washington, no caso o México.
Chave oito. O México já escolheu o Nafta (fruto de uma decisão política de integração com os Estados Unidos e, por sua vez, a consagração de uma dependência comercial e econômica com o mercado dos EUA), mas um futuro governo do Partido Revolucionário Institucional decorrente de uma eventual vitória em 1 º de julho, pode resultar na criação de um fórum para retomar certa dimensão simbólica de autonomia cultural em relação ao seu grande vizinho. Essa perspectiva seria ainda mais aguda caso o presidente que venha substituir Calderon, do conservador PAN, decida mudar a estratégia atual de se concentrar na luta contra o narcotráfico. O foco não é só intelectual, no México já morreram mais de 40 mil pessoas nos últimos quatro anos, o narcotráfico não se reduziu e o contrabando de armas entre o sul dos Estados Unidos e o norte do México é tão fluido como dos imigrantes.
Chave nove. A Celac não surge como um organismo anti-Estados Unidos, e não poderia fazê-lo pela pluralidade de seus membros, mas a mera ausência de Washington é uma indicação de que, se os latinoamericanos evitarem o delírio e se absterem de desejarem extinto o poder do Estados Unidos, têm um espaço autônomo para construir instituições como a Unasul ou o Conselho Sul-americano de Defesa.
Chave dez. Chávez não foi apenas hábil para utilizar a Celac como uma forma de legitimidade interna. Não teria chegado a isso se não tivésse impulsionado no Caribe, onde nem todos os países são Cuba, Nicarágua ou El Salvador, ainda que com todas diferenças entre os três, uma diplomacia baseada no ativismo que o México deixou faz já vinte anos com o fornecimento de petróleo mais barato.
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A Celac em dez chaves de leitura - Instituto Humanitas Unisinos - IHU