07 Novembro 2011
Cristianofobia, islamofobia, blasfêmia. Essas palavras, novas ou retomadas do passado, parecem encontrar novamente um efeito raramente igualável. Desejo das religiões de estabelecer "fronteiras "intransponíveis" e de responder golpe contra golpe", como sugere o antropólogo das religiões Malek Chebel? Sintoma do estado de ânimo de grupos minoritários? Discriminações reais, ou percebidas, dos crentes? Enrijecimento vitimista ou visualização identitária diante de uma secularização inédita? Hipóteses não faltam para explicar as atitudes, mais ou menos espetaculares, assumidas pelos crentes há algum tempo.
A reportagem é de Stéphanie le Bars, publicada no jornal Le Monde, 4-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Por julgarem-na "blasfema", às vezes até mesmo sem tê-la visto, integristas católicos perturbam há semanas a representação de um espetáculo teatral em Paris. Por ter anunciado a publicação de um número com a imagem do profeta Maomé, o jornal Charlie Hebdo viu o seu site ser hackeado em nome de Alá, e as suas instalações serem incendiadas, na quarta-feira, 2 de novembro. A investigação vai esclarecer as motivações dos incendiários, mas a nova provocação da revista satírica foi a oportunidade para que os muçulmanos lembrassem que a representação do profeta do Islã é considerada pela maioria deles como uma ofensa a Deus, uma blasfêmia.
"Para a maior parte dos crentes, o profeta, mensageiro de Deus, se beneficia por derivação da sacralização outorgada a Deus. Mas não está escrito em nenhum lugar do Alcorão que a sua representação é proibida", lembra Chebel, tradutor do Alcorão. Em sua opinião, o grito de blasfêmia também é "um grito de adesão das pessoas que se sentem minoritárias ou anatematizadas". Mas ele aposta na "maturidade dos muçulmanos" franceses "para encontrar o justo equilíbrio entre o ridículo e a blasfêmia".
"A reabilitação da noção de blasfêmia pode parecer anacrônica para os não crentes, cada vez mais numerosos, enquanto historicamente o blasfemo era necessariamente um fiel", explica o sociólogo das religiões Olivier Bobineau. "Hoje, denunciar uma blasfêmia é um meio para que os crentes recordem, aos olhos, a importância do sagrado. Isso também pode ser interpretado como um sobressalto de fé em uma sociedade desconfessionalizada".
As violências provocadas por obras ou por palavras julgadas blasfemas por crentes não são uma novidade. Em 1988, integristas católicos tinham incendiado o cinema Saint-Michel, em Paris, que projetava A Última Tentação de Cristo, de Martin Scorsese, ferindo 13 pessoas. Mas esses modos de ação violentos, executados por grupos ultraminoritários, são geralmente rejeitados pelos seus correligionários.
Em compensação, o que parece ser mais novo é que o sentimento de difamação da religião denunciado por esses militantes exaltados é amplamente compartilhado pelo resto dos crentes. "Tendo se tornado uma minoria na sociedade francesa, os católicos não aceitam mais sofrer diante de um denegrimento que era suportável quando eles eram uma maioria mais sólida", analisa Herve-Pierre Grosjean. Este jovem padre provocou um debate na blogosfera católica, distanciando-se dos integristas que se manifestam contra a peça de Romeo Castellucci.
Diante da percepção de serem "os malvistos" de uma sociedade em grande parte indiferente, os católicos buscam novas formas para se fazerem ouvir. Sinal dessa preocupação é o colóquio previsto para o dia 9 de novembro em Paris, intitulado "O cristianismo ainda terá lugar na Europa?". Organizado pelo movimento Aide à l"Eglise en Détresse (AED) [Ajuda à Igreja que Sofre, em português], reconhecido pelo Vaticano e fundado para apoiar os cristãos perseguidos, especialmente nos países de maioria muçulmana, esse dia de reflexão pretende denunciar "as discriminações contra os cristãos e a rejeição do cristianismo na Europa, onde a fé cristã e a Igreja são regularmente ridicularizadas ou ostracizadas".
"Trata-se de promover a liberdade religiosa", afirma Marc Fromager, diretor nacional da AED, que constata "um movimento de fundo de renegação da nossa cultura". "A cristianofobia também toca ao Ocidente", considera, citando o exemplo da "cultura ou do ambiente da saúde em que as equipes encontram cada vez mais dificuldades para afirmar a objeção de consciência".
Denunciado pelo papa, cujos colaboradores falam abertamente de "cristianofobia", o risco de "marginalização do cristianismo" na Europa tem suscitado a criação de um Observatório Europeu da Intolerância e da Discriminação contra os Cristãos, apoiado pelo Vaticano. Ele pretende chamar a atenção para a "retirada dos símbolos religiosos do espaço público, os estereótipos negativos na mídia" ou as profanações de igrejas e de cemitérios, que os católicos consideram ser insuficientemente denunciados pelos poderes públicos e pela mídia com relação aos mesmos atos cometidos contra lugares judeus ou muçulmanos.
Empenhada na denúncia das discriminações que se presumem estar relacionadas à religião, a comunidade muçulmana também elevou o tom nos últimos anos. Organizado pelo Coletivo contra a Islamofobia na França (CCIF), um congresso também reuniu centenas de pessoas no dia 30 de outubro, com o objetivo de "decretar o estado de emergência perante atos islamofóbicos".
O Conselho Francês do Culto Muçulmano (CFCM) promete para dezembro um balanço desses atos e denuncia regularmente um "clima antimuçulmano".
Por capilaridade, uma mesma evolução parece se delinear dentro dos grupos religiosos para defender a visibilidade das religiões no espaço público, revivificar a noção de "sagrado" e (re) estabelecer seus "valores inegociáveis".
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Crentes em luta contra a "rejeição" das religiões - Instituto Humanitas Unisinos - IHU