06 Novembro 2011
Há dez dias, o Conselho Pontifício Justiça e Paz, liderado pelo cardeal Peter Appiah Turkson e pelo bispo Mario Toso, publicou um documento dedicado à crise econômico-financeira e às suas possíveis soluções. O documento indicava entre as causas da crise o sistema econômico "impulsionado a uma espiral inflacionária", as "bolsas excessivas de liquidez e de bolhas especulativas, que depois se transformaram em uma série de crises de solvência e de confiança que se propagaram e se seguiram ao longo dos anos".
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 03-11-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Para o dicastério vaticano, a "bolha especulativa sobre os imóveis e a recente crise financeira têm a mesma origem no excessivo acúmulo de moeda e de instrumentos financeiros a nível global".
No documento, afirmava-se que, para sair da crise, é necessária uma autoridade política mundial que garanta a transparência dos mercados e também eram feitas propostas concretas, embora não novas e já discutidas há algum tempo: taxar as transações financeiras, porque quem opera nos mercados financeiros devem contribuir para pagar os custos da crise; recapitalizar os bancos; distinguir entre atividades de crédito comum e de Investment Banking.
No L"Osservatore Romano com a data desta sexta-feira, mas publicado na tarde de quinta-feira, foi publicado um artigo de Ettore Gotti Tedeschi, presidente do IOR, intitulado Diante das perspectivas de deflação. Um novo modelo de liderança, que soa como uma correção de curso ou também como um ponto de vista diferente sobre o tema da crise.
Gotti, que nunca menciona no artigo o documento do Conselho Pontifício Justiça e Paz, afirma que "os erros de interpretação e a subavaliação da atual crise econômica foram graves e perduram". Ele reitera o que ele mesmo afirmou mais de uma vez nas colunas de jornal vaticano, isto é, que as "verdadeiras origens" da crise são "a queda da natalidade e as consequências que levaram ao aumento das taxas sobre o PIB para absorver os custos do envelhecimento da população", temas não mencionados, ao contrário, pelo texto do dicastério liderado pelo cardeal Turkson.
Para Gotti Tedeschi, "foram subestimados os efeitos das decisões tomadas para compensar esses fenômenos, sobretudo com a deslocalização produtiva e com os consumos com dívidas". E "não foram levados em justa consideração a urgência de intervir e os critérios a serem seguidos para deflacionar a dívida produzida. Portanto, não foi previsto o colapso da confiança que levou ao redimensionamento dos valores das Bolsas e à crise da dívida".
Para o presidente do IOR, "neste ponto, as soluções já não são mais muitas" e, para reduzir a dívida total "pública, dos bancos, das empresas, das famílias – e levá-lo novamente para os níveis anteriores à crise, isto é, a cerca de 40% a menos, é concebível, mas não recomendável, cancelar uma parte sua com uma espécie de concordata preventiva com base na qual os credores sejam pagos em 60%".
"É pensável – acrescenta Gotti –, mas se trata de uma hipótese sem perspectivas, inventar alguma nova bolha para compensar a dívida com um crescimento de valores mobiliários ou imobiliários. É estimável – mas esperamos que só seja uma tentação – uma taxação da riqueza das famílias, sacrificando, porém, um recurso necessário ao desenvolvimento e produzindo ao mesmo tempo uma injustiça".
O presidente da IOR não considera convenientes intervenções de marca protecionista, que "produziriam desvantagens para os consumidores e reduziriam os consumos já em declínio", nem a desvalorização da moeda única, porque "levaria ao aumento dos preços de bens importados".
"Alguns, para desinflar a dívida – lê-se no artigo do L"Osservatore –, pensam também na inflação. Mas a inflação não se acende se o crescimento econômico é igual a zero, se os salários estão estacionados, se incumbe a sombra do desemprego e se até diminuem os preços das matérias-primas". Uma passagem que indica que Gotti não compartilha a análise do documento do Conselho Pontifício Justiça e Paz, considerando que, hoje, o problema não é a inflação – como sugerido pelo dicastério vaticano –, mas sim a deflação.
"A inflação não dispara – escreve o presidente do IOR – até porque a liquidez não circula, mas sobretudo porque aquela que foi criada pelos bancos centrais substituiu aquela produzida pelos sistemas bancários para sustentar o crescimento da dívida. O primeiro problema hoje não é, portanto, a inflação, mas sim a deflação. Os mercados, de fato, estão privilegiando a liquidez. Isso porque, sob o regime de deflação, o valor da moeda cresce, enquanto decresce durante a inflação".
Para fazer a economia progredir sem aumentar a dívida pública, o articulista afirma que é necessário "correlacionar as taxas de juro ao PIB". "Nos países com uma dívida superior a 100% do PIB, é evidente que, para obter um crescimento de 1% sem aumentar a dívida, é preciso ter taxas não superiores a 1%, penalizando desse modo as poupanças".
"A solução – conclui Gotti – está nas mãos dos governos e dos bancos centrais que devem realizar uma ação estratégica coordenada de reindustrialização, e de reforço das instituições de crédito e de apoio ao emprego. Isso vai levar tempo, um tempo de austeridade no qual se reconstituirão os fundamentos do crescimento econômico. Mas, acima de tudo, os governos devem recuperar a confiança dos cidadãos e aos mercados através de uma governança adaptada aos tempos, que, além de garantir adequação técnica, também seja um modelo de liderança. Isto é, um instrumento para alcançar o objetivo do bem comum".
Não há nenhuma referência à hipótese de uma autoridade política mundial, nenhuma menção nem à possibilidade de taxar as transações financeiras. Em suma, um outro ponto de vista sobre a crise, posta na página do jornal do papa apenas 10 dias depois da apresentação de um documento sobre a crise, que "nasceu" de um dicastério da Santa Sé.
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A crise: origem e solução. Opiniões divergentes no Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU