28 Outubro 2011
Não se deve fazer "alimentos ou energia", mas sim "alimentos e energia". Podemos cultivar os oceanos, os desertos e também outros planetas, mas sem mudar o nosso modo de pensar continuaremos sempre resolvendo um problema criando outro.
A opinião é de Carlo Petrini, chef italiano fundador do movimento Slow Food, em artigo para o jornal La Repubblica, 23-10-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Assumindo que qualquer previsão sobre como será o mundo daqui a 200 anos é um exercício que se deixa com prazer aos prêmios Nobel, a visão do novo livro de Robert B. Laughlin oferece intuições interessantes. O tema é a energia, mas sobretudo a agricultura. A agricultura tão maltratada, considerada por muitos como um setor marginal, dada tão por óbvio a ponto de ser negligenciada, deixada por muito tempo e com menos poder nas mãos de um sistema agroindustrial global que acabou colocando-a de joelhos, antes nos países pobres e agora também nos ricos. E sempre com efeitos nefastos para o ambiente, agricultores e consumidores.
Laughlin defende que, em dois séculos, a agricultura será fundamental para continuar garantindo-nos a vida. Ele diz que o setor agrícola será o principal produtor de energia na era pós-fóssil. A ideia de cultivar oceanos e desertos, para não fazer com que alimentos e energia entrem em competição, é muito fascinante e nem tanto de ficção científica. Mas devemos lembrar que o próprio alimento é energia, porque nos alimenta e nos faz mover, e porque cresce graças à fotossíntese da clorofila, portanto, à energia do Sol. A agricultura sempre foi, é hoje e sempre será o que nos garante a vida.
Tendo-se tomado consciência desse pressuposto banal, mas muitas vezes muito esquecido, deve-se fazer um discurso sobre como deveria ser o futuro da agricultura. O fato de se ter que mudar profundamente, que se deve renová-la é um ato necessário, até por causa do evidente fracasso do modelo intensivo-industrial que dominou a última metade do século. Que a interação entre produção de alimentos e produção de energia já está nas coisas é demonstrado, além disso, pela forma como muitas empresas agrícolas já fazem as duas coisas ao mesmo tempo facilmente.
O problema é que, quando prevalecem a concentração, a perseguição de supostas economias de escala, a ideia pela qual a agricultura é como qualquer um dos setores industriais – e responde às mesmas leis econômico-produtivas –, alimentos e energia sempre estarão em competição entre si.
Não se deve fazer "alimentos ou energia", mas sim "alimentos e energia". Podemos cultivar os oceanos, os desertos e também outros planetas, mas sem mudar o nosso modo de pensar continuaremos sempre resolvendo um problema criando outro.
Estou certo de que haverá inovações importantes no campo energético e tecnologias cada vez mais limpas para explorar direta ou indiretamente a energia solar (a única central verdadeira, enorme, segura, perene que faz chover sobre nós, a todo o momento, enormes quantidades de energia) com todas as formas que dela derivam. Mas será preciso a consciência de que tudo isso deve ser realizado em um sistema complexo que não deverá mais ser governado de maneira centralizada. Será preciso um sistema capilar, difuso, em que as comunidades e as pessoas se tornem produtoras de alimentos e de energia, acima de tudo para si mesmas e depois para os outros, em rede entre si.
É necessária uma democratização da produção energético-agrícola, com tecnologias acessíveis que se deem como objetivo primário a sustentabilidade dos processos e não a possibilidade de realizar especulações. Já vemos agora como o biogás e a energia fotovoltaica, que poderiam ser modos perfeitos para integrar a produção agrícola em nível empresarial, em nome do lucro e dos grandes números, podem se tornar altamente insustentáveis, pondo-se como alternativas e não complementares a uma agricultura que, assim como é, se tornará sempre perdedora, já que não consegue mais gerar uma renda digna para os agricultores.
Garantir o futuro não será tanto uma questão de quais tecnologias inventamos para nós, mas sim em qual paradigma queremos que elas caiam.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"No fim, é sempre a velha e querida agricultura que nos salva". Artigo de Carlo Petrini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU