"O filósofo Alain de Botton é um autor de livros de autoajuda chique", escreve
Luiz Felipe Pondé, professor de Filosofia, em artigo publicado no jornal
Folha de S. Paulo, 15-10-2011.
Eis o artigo.
O circuito autoajuda está se sofisticando e, como tudo que se sofistica, fica de alguma forma "melhor".
Auto-ajuda sempre reúne algo da filosofia, ciência e religião, áreas essenciais.
O filósofo
Alain de Botton é um autor de livros de autoajuda chique. E é um autor que escreve bem, observa de modo preciso o cotidiano contemporâneo e domina o repertório cultural de modo bastante competente.
Autoajuda funciona, caso contrário, não vendia tanto. Podemos perguntar por que funciona. A resposta é simples como uma soma de 2 + 2= 4. Autoajuda funciona porque fala para as agonias e expectativas mais básicas do ser humano.
Logo, "seu mercado" é a própria condição insustentável do ser humano: nosso sofrimento e os modos de enfrentá-lo.
O novo livro de
Alain de Botton lançado entre nós, "
Religião para Ateus", é um caso típico da sofisticação do mercado autoajuda. É um bom livro, uma bela edição, recheado de arte e erudição filosófica em equilíbrio generoso. Merece o sucesso que vai fazer.
Há trabalho intelectual na obra, mesmo que muitos possam por em dúvida o princípio que o norteia.
Ele, em si, não é nada revolucionário: as religiões são produtos culturais poderosos para formar o ser humano em várias das suas faces e não devem ser negligenciadas pelos não crentes e a sociedade secular ocidental, mas sim usadas naquilo que elas têm de melhor, porque nós, seculares, não vamos muito bem numa série de coisas.
De Botton pensa que é um erro dos ateus não verem no "saber" da religião uma aliada cultural da vida não religiosa. Claro, o diálogo é "pragmático": há usos da religião que somam, e não subtraem, se quisermos ter uma vida mais feliz.
Tudo isso pode ser resumido na ideia de que a religião tem também seu lado "mais", mesmo para não crentes. Devemos ler a Bíblia como lemos
Shakespeare.
Santos podem ser na realidade gente legal que ensina coisas legais.
A ideia é básica, mas o aparato de erudição teológica e filosófica que o autor põe em ação é que faz a diferença no produto final, assim como os tópicos (os capítulos) que ele escolhe trabalhar para comprovar sua tese: sabedoria sem doutrina, comunidade, gentileza, educação, ternura, pessimismo, perspectiva, arte, arquitetura e instituição.
O tratamento dado a cada um não é homogêneo na sua qualidade final porque
De Botton dá mais atenção a alguns temas do que a outros, mas isso não chega a comprometer a soma final.
Com as religiões aprendemos muito sobre natureza humana, sobre a necessidade de vivermos acima da "pequenez" dos bens materiais, o valor da tristeza, da beleza de sermos tomados por sensações estéticas diante de imagens dentro de espaços arquitetônicos feitos "para nos emocionar".
Enfim, aprendemos com milhares de pessoas sábias que pensaram na teoria e na prática os dramas humanos.
A questão é saber se tudo isso funciona sem fé.
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