16 Setembro 2011
O prior de Bose reflete sobre a vida da sua comunidade: "Ela se tornou uma realidade maior do que eu pensava". Sobre a vida religiosa: "Hoje, é mais difícil a perseverança do que a vocação". E sobre a Igreja: "Vivi a falsidade na minha pele". Mas continua sereno: "O Senhor me enviou muitas pessoas de valor. Posso voltar à minha solidão".
A reportagem é de Vittoria Prisciandaro, publicada na revista italiana Jesus, setembro de 2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O prior chega a pé por entre os caminhos entre as árvores. Ou de carro, se tem algo para trazer consigo. Reza com os irmãos, encontra-se com alguns hóspedes que subiram até aqui para lhe encontrar, cumprimenta os congressistas da vez, retira o correio e, depois, assim que pode, escapa e retorna ao seu jardim e à sua cela entre as árvores, um pouco mais escondida do que os outros edifícios da Comunidade, "refúgio e possibilidade de quietude" para um homem que, com seus 68 anos, atravessou as mais entusiasmantes e, ao mesmo tempo, as mais tempestuosas estações da história recente da Igreja: Concílio, pós-Concílio, refluxo.
Enzo Bianchi, o monge que muitos não crentes consideram com respeito, que padres e leigos estimam, que alguns monsenhores ainda olham com desconfiança, que os editores cortejam e os amigos apreciam pela sua simpatia e pelo refino da arte culinária ("a cozinha é uma forma de dar algo de si mesmo aos outros"), tornou-se nas últimas décadas uma das raras vozes católicas "significativas" no panorama italiano. Os talk-shows fazem de tudo para recebê-lo em seus estúdios, os pedidos de entrevistas e conferências se estragam.
Mas Enzo tenta saborear a sua presença: "Há alguns anos, decidi fazer um máximo de duas aparições na televisão por ano. Mas gostaria de estar ainda mais escondido. Na rua, já me pararam dizendo: "Eu já lhe vi, o senhor é o padre Bose". Enfim, tenho medo de que, na televisão, o meu rosto conte mais do que o aquilo que eu digo. Eu prefiro o rádio e a mídia impressa".
"Além de alguns compromissos aos quais eu sou fiel – continua –, como Jesus, alguma intervenção no La Stampa, e, na França, no Panorama, eu tento não estar muito presente. Tenho medo do "personagem". Se eu quisesse ter "sucesso", bastaria que eu aceitasse ser ordenado sacerdote e poderia ter feito carreira eclesiástica. Quando eu decidi ser um simples monge, eu escolhi não fazer carreira...".
Ele saiu sozinho, há pouco mais de 40 anos. Hoje, ele se encontra com uma comunidade de 80 monges, à que deu vida a outras fundações e é considerada, sem dúvida, como um ponto de referência na Igreja italiana e no exterior. Como ele vive essa situação? "A reação inicial, quando eu penso nisso, é de estupor, quase de surpresa. Mas também devo dizer que me sinto afortunado, porque se realizou o que eu já entrevia claramente na minha mente há mais do que 40 anos: uma comunidade monástica que tivesse no coração a Palavra de Deus em tudo, na liturgia, na nossa vida com a "lectio divina", na proposta para os hóspedes. Assim como ela é hoje, efetivamente".
E continua: "A surpresa vem, entretanto, do fato de que Bose se tornou uma realidade muito maior do que eu pensava. Eu rezava frequentemente, sobretudo entre 1966 e 1968, para que o Senhor me concedesse algum irmão: "Seis-sete são mais do que o suficiente", eu pensava. Eu usava uma fórmula emprestada do Pe. Colombàs, um monge que tinha escrito um pequeno panfleto intitulado Por um mosteiro simples e atual. Na minha ingenuidade, eu pensava em um mosteiro simples, que fosse fiel à tradição nos conteúdos e que respondesse à novidade do Concílio Vaticano II. Era a nossa vida como nós a fazíamos então, mas eu não supunha a sua dimensão, hoje muito maior do que aquela que eu pensava e queria. De um lado, há, assim, uma confirmação da intuição inicial; de outro lado, a surpresa, mas também o medo. Às vezes, no meu íntimo, quase não reconheço a Comunidade e me pergunto se, no futuro, conseguiremos permanecer fiéis a algumas coisas que escolhemos e que até agora se confirmaram: a vida simples entre nós, a acolhido simples aos hóspedes, uma vida de trabalho que ainda o fazemos... Conhece bastante a história do monaquismo para alimentar esses medos".
Eis a entrevista.
Bose é uma experiência monástica nova, mas profundamente ligada à história da Igreja. Em quais fontes ela se inspirou?
Aos sinais dos tempos e à tradição: com essa vontade, seguimos em frente e, às vezes, também pagamos um preço alto. Poucos se lembram, mas, entre 1965 e os anos 1980, houve uma forte contestação do celibato: "Vocês que podem, por que fazem uma escolha desse tipo?", alguns presbíteros nos diziam. E havia aqueles que queriam jogar fora a oração dos Salmos e que criticavam a nossa fidelidade à Liturgia das Horas. Resistimos, também porque eu tive algumas graças na vida. A primeira delas é a minha formação "tridentina doc", amadurecida na Igreja de antes do Concílio. Ensinaram-me latim aos 7 anos, fiz um percurso clássico: coroinha, paróquia, Ação Católica, das Fiamme Bianche [Chamas Brancas, grupo voluntário de crianças e jovens recrutas] até a FUCI [Federação Universitária Católica Italiana].
O meu pároco era um refinado liturgista: por exemplo, me fazia ler o Evangelho em italiano, quando a missa era em latim, e as pessoas não entendiam nada. Uma outra graça que eu tive durante os anos da universidade foi a proximidade do cardeal Pellegrino, que eu pude conhecer ainda antes de se tornar bispo, como estimado professor universitário de Patrística, o que também me permitiu aprofundar a minha afinidade com os Padres da Igreja e com o monaquismo antigo. Aos 14 anos, comecei a ler as Regras de São Basílio, um livro que marcou a minha juventude, juntamente com a Imitação de Cristo. Eu não conhecia mosteiros reais quando vim para Bose.
O primeiro ao qual eu fui quando ainda estava sozinho, em 1967, foi o mosteiro trapista de Tamié, onde fiquei por três meses. Depois, vivi uma forte proximidade com Pierre-qui-Vire, um grande mosteiro beneditino francês. Senti a necessidade de que a vida da nossa Comunidade fosse enxertada na grande tradição monástica. Não posso esquecer, por exemplo, que o abade do mosteiro de Bellefontaine um dia me deu o hábito trapista, que vestimos ainda hoje no coro. Em suma, eu tive essa gerança, recebi o "manto de Elias" dos monges. É significativo que Bose seja um dos poucos mosteiros do Ocidente onde os monges ortodoxos do Athos vão com prazer. Os reformados se sentem em casa aqui.
Os beneditinos e os trapistas nos veem, a nós de Bose, quase como uma comunidade sua. Mesmo com os monges mais tradicionalistas temos bons contatos. Temos uma grande dívida para com os beneditinos e os trapistas franceses: foram próximos a nós e nos entenderam até quando havia alguma desconfiança contra nós por parte de outros. Tudo isso nos permitiu ser enxertados na tradição monástica com uma grande liberdade: uma vez que você tem os conteúdos, você entende que pode mudar as formas de acordo com os tempos e as exigências das pessoas. Não pode haver apenas uma escuta do passado. Um monge francês, que é um grande teólogo e amigo nosso, Ghislain Lafont, nos disse: "Vocês são o primeiro monaquismo da sociedade secular". Ele repetiu várias vezes: "É como se vocês tivessem aprendido a lição de Bonhoeffer". Eu acho que isso é verdade.
Mas o senhor, em seu último livro intitulado Una lotta per la vita (Ed. San Paolo), escreve que Bose e tudo o resto, talvez, não teriam existido se o senhor tivesse conhecido antes aquela falsidade que, nos últimos anos, lhe feriu muito. Uma afirmação forte...
Sim, isso também foi uma graça: conhecer a falsidade muito tarde. Se eu a tivesse provado antes, não sei se eu teria tido a possibilidade de ter tanta confiança nos outros. Desde pequeno, eu aprendi, graças à minha professora da escola primária, como é importante que alguém tenha confiança em nós. Ao contrário, nos últimos anos, tive a experiência da falsidade, principalmente na Igreja. Para que fique claro: desde o início, eu também tive inimizades e vivi incompreensões, sabe-se que não fomos muito aceitos. Mas, mais recentemente, aconteceu que alguém me sorria e depois espalhava calúnias sobre mim. Isso me fez um mal terrível. Foi um personagem da Igreja que me fez conhecer uma falsidade que eu não esperava.
Depois, também houve falsidade aqui entre nós, não para mim em particular, mas para toda a Comunidade. Eu não pensava que eu poderia viver, passados os 60 anos, uma tal desestabilização interior a ponto de ficar, em alguns momentos, profundamente confuso. Eu nunca tinha provado essa experiência: a maldade sim, é possível entendê-la. Mas a falsidade não está no meu horizonte. Foi a prova mais dura que eu sofri na minha vida na Igreja e na vida monástica.
O que requer a fidelidade do "para sempre" em uma comunidade monástica?
É realmente difícil. E eu me admiro, por enquanto, do percentual de perseverança que ainda há em nossa Comunidade, onde atualmente, de quatro pessoas que iniciam o caminho monástico, perde-se um pouco mais de um, com um percentual de 35-36%. Hoje somos 79 e, no noviciado, passamos para 112-115 pessoas.
A fidelidade tornou-se mais difícil do que as vocações. No passado, o problema era a falta de vocações; agora é a perseverança: ou seja, são muitos mais aqueles que vão embora do que aqueles que entram normalmente em toda a vida religiosa. É uma mudança antropológica e cultural: nessa situação de precariedade, a vida se prolongou, e, ao longo dos anos, com as mudanças, a fidelidade é difícil, no casamento assim como na vida monástica.
Além disso, a nossa Comunidade é aberta, não há clausura, ela faz parte da sociedade, sem isenções. Vejo o esforço também sobre mim. A nossa Comunidade começou com 3-4 pessoas, depois, por um longo tempo, éramos poucos mais que do que uma dezena. De lá para cá, a nossa vida mudou, não nos conteúdos, mas na forma: de uma unidade sociológica primária, 12 pessoas, para 80; de mil hóspedes por ano para mais de 17 mil; de ser praticamente quase desconhecida à notoriedade.
Quanto à minha própria experiência pessoal, tempos atrás eu tinha muitas hostilidades, eu era incompreendido. Agora há alguns que não falam bem de mim, mas muitos outros me dão sinais de reconhecimento. Nessa mudança, a perseverança se torna difícil, a tal ponto que, às vezes, eu seria quase tentado não a retroceder, mas a buscar uma vida mais apropriada para o que eu sentia por dentro. Mas, aqui também, trata-se de prestar obediência à realidade: crescemos, nos tornamos uma família, se começa com dois, depois, em certo ponto, há filhos e a família não é mais aquela de antes. Na vida, você muda de trabalho, de situações de vida... É preciso fazer um verdadeiro exercício e uma disciplina para a perserverança. E, nos momentos de crise – isso eu digo a mim mesmo e também para muitos casais que me encontram em momentos difíceis – é preciso permanecer firmes, não se mover e manter os pés firmes, esperar que o nevoeiro passe. Porque, se nos movemos nesse momento de escuridão interior, ocorrem desastres, são dados passos dos quais não se pode voltar para trás.
Hoje, a lealdade tem um preço alto. A ideologia reinante do efêmero, da mudança, da soma de experiências influencia a todos, não só a sociedade: nós, Igreja, nós também, monges, estamos dentro da sociedade. Não podemos ser aqueles que olham para a cidade como Abraão olhava para Sodoma, do alto. Nós habitamos Sodoma e Gomorra, estamos dentro delas, compartilhamos as fadigas de todos os homens e as mulheres do nosso tempo.
Como é a Igreja vista de Bose?
A Igreja toda vive em um estado de depressão, em que as convicções fortes aparecem só quando são contra os outros, em uma guerra de facções contínua. Por outro lado, parece que ninguém está convencido de nada. O mais grave é que o coração de todo esse conflito é a Eucaristia: os servos da comunhão fazem dela um lugar de divisão. Quanto à Igreja italiana, em particular, vejo dois males. O primeiro é a afonia do laicato: os cristãos na política é como se não existissem mais; frequentemente, houve uma forma de ultrapassamento, pela qual a voz que lhes cabia foi assumida por alguns bispos.
Tudo isso provocou nos últimos 20 anos uma situação um pouco desoladora, não há mais subjetividade laical. Talvez hoje se entreveja um renascimento. Espero que haja um novo começo depois de um tempo de depressão. Outra coisa é que eu gostaria que se entendesse que há urgências muito fortes. É significativo que se tenha escolhido falar sobre a educação nas Orientações Pastorais da década. A meu ver, porém, é inútil pensar em transmitir uma fé às futuras gerações sem lhes fornecer uma gramática humana: elas precisam saber o que a fé lhes diz no cotidiano, na vida, nos afetos, nas histórias de amor, no trabalho, no encontro com os outros.
Dessas duas urgências depende o futuro. Devemos parar de pensar que temos um catolicismo popular que sustenta. A Igreja na Bélgica tinha essa situação 20 anos atrás e é agora é o país mais descristianizado da Europa. Devemos ser menos seguros, menos autogarantidos, menos autorreferenciais.
A comunidade de Bose sempre jogou na aposta evangélica da unidade dos cristãos. Há alguns anos, porém, o ecumenismo está em crise. Mas essa continua sendo a aposta do futuro. Como o senhor vê essa questão neste momento?
Desde o início, eu entendi uma coisa: eu não queria, como alguns sugeriram, que o ecumenismo fosse uma espécie de quarto voto da Comunidade. Nós não celebramos a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, porque sempre dissemos que ou ela é vivida todos os dias, ou não vale a pena. Jesus pediu a unidade: portanto, ou o cristão vive o ecumenismo, ou contradiz Jesus Cristo.
Hoje não há coragem. Todas as igrejas não acreditam muito no ecumenismo. E, na Igreja Católica, há quem trabalhe contra o ecumenismo, atacando o Concílio, propondo o retorno a uma identidade católica fechada, dura, autorreferencial. Quer-se o "retorno dos irmãos separados", como se dizia antes do Concílio. Na Igreja, não se quer a unidade. Quando se continua dizendo que ela vai acontecer "quando o Espírito quiser", então isso significa que não se quer assumir a responsabilidade aqui e agora, e não se quer dar passos de comunhão.
Mudando de assunto: às vezes, parece que o risco de identificação entre Enzo Bianchi e Bose é forte. Hoje, quanto a Comunidade é "sua" e quanto, ao contrário, ela é fruto daquilo que "trouxeram" os outros irmãos e irmãs que vieram depois do senhor?
A Comunidade, na realidade, é muito autônoma de mim. Eu comecei toda a história, mas hoje faço realmente muito pouco. Nos últimos anos, tenho estado sempre fora. Quero que a Comunidade ande por conta própria. Temos um capítulo pela manhã, quando se decidem as coisas, e eu, há cinco ou seis anos, não vou, justamente para que se acostumem a decidir por eles, a medir o seu cotidiano.
O Senhor me mandou tantas pessoas de valor, de grande qualidade intelectual, humano, organizativa. Enquanto a Comunidade estava nas minhas mãos, até 1992-1993, eu nunca organizei um congresso. Eles foram possíveis desde que há um irmão, especialmente, que sabe fazer isso muito bem. E, em nível intelectual, há pessoas mais refinadas do que eu. Muitas coisas vão em frente como se eu não existisse. Eu não determino mais muitas coisas. Nos capítulos, as decisões são tomadas com a votação da maioria, e há pessoas que podem me substituir no priorado. Assim que eu apresentar a renúncia, o vice-prior reunirá o capítulo. Em 40 dias, haverá a eleição do novo prior que guiará a Comunidade por dois anos. Depois disso, se exigirá uma outra votação: se for positiva, o prior continua por 12 anos, caso contrário será escolhido um outro. Enfim, quando eu me for, a Comunidade continuará muito bem. Eu não tenho temores com relação a isso.
Das suas palavras parece transparecer quase uma vontade de ermo...
Não, eu não tenho vocação eremítica. Mas a vontade de voltar para uma certa solidão, isso sim. Além disso, eu já vivo sozinho agora, no meio da floresta.
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Enzo Bianchi: vida fraterna, antídoto a uma Igreja deprimida - Instituto Humanitas Unisinos - IHU