"Os descaminhos dos EUA jogaram um importante papel no desencadeamento dos problemas europeus", avalia
Joseph E. Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, em artigo publicado no jornal
O Estado de S. Paulo, 06-08-2011.
Eis o artigo.
A Grande Recessão de 2008 se transformou na recessão do Atlântico Norte. São principalmente a
Europa e os
Estados Unidos que ficaram atolados em crescimento lento e alto desemprego. E são a Europa e os Estados Unidos que estão marchando para o desenlace de uma grande débâcle. Uma bolha estourada acarretou um grande estímulo keynesiano que evitou uma recessão muito mais profunda, mas que também alimentou déficits orçamentários substanciais. A resposta - cortes maciços de gastos - assegura que níveis inaceitavelmente altos de desemprego continuarão por anos.
A
União Europeia se comprometeu a ajudar seus membros financeiramente abalados. Ela não tinha escolha. Com o turbilhão financeiro ameaçando se espalhar de pequenos países - como
Grécia e
Irlanda - para grandes - como
Itália e
Espanha -, a sobrevivência do euro estava cada vez mais ameaçada. Os líderes da Europa reconheceram que as dívidas dos países encrencados se tornariam intratáveis a menos que suas economias pudessem crescer.
Mas, ao mesmo tempo em que os líderes europeus prometiam que essa ajuda estava a caminho, eles insistiam na crença de que os países que não estavam em crise precisavam cortar gastos. A austeridade resultante obstruirá o crescimento da Europa, e com isso o das economias abaladas.
As discussões antes da crise ilustraram o quão pouco foi feito para corrigir fundamentais econômicos. A veemente oposição do
Banco Central Europeu (BCE) ao que é essencial a todas as economias capitalistas é a evidência da fragilidade do sistema bancário ocidental.
O
BCE argumentou que os contribuintes deviam pagar a conta toda da dívida soberana ruim da Grécia, temendo que algum envolvimento do setor privado (
PSI, na sigla em inglês) desencadearia um "evento de crédito", que obrigaria grandes pagamentos de credit default swaps (CDSs), possivelmente alimentando um novo turbilhão financeiro. Mas, se esse é um medo real para o
BCE, ele devia pedir que os bancos tenham mais capital. Da mesma forma, o
BCE devia ter barrado os bancos do arriscado mercado de CDS, no qual eles ficam reféns das decisões de agências de classificação de crédito.
E as coisas estão pouco melhores no outro lado do Atlântico. Aqui, a extrema direita ameaçou fechar o governo americano, confirmando o que a teoria dos jogos sugere: quando os que estão irracionalmente comprometidos com a destruição não se confrontarem em seu caminho com indivíduos racionais, os primeiros prevalecem. Por conseguinte, o presidente
Barack Obama aquiesceu numa estratégia desequilibrada de redução da dívida, sem nenhum aumento de impostos.
Os otimistas dizem que no curto prazo o impacto do acordo para aumentar o teto da dívida americana e impedir o default será limitado. Mas a redução dos impostos retidos na fonte (que colocará mais de US$ 100 bilhões nos bolsos dos americanos comuns) não foi renovada, e com certeza as empresas, antecipando os efeitos contrativos futuros, ficarão ainda mais relutantes em emprestar.
O fim do estímulo em si é contrativo. E com os preços dos imóveis ainda em queda, o crescimento do Produto Interno Bruto vacilando, e o desemprego permanecendo teimosamente alto, é preciso mais estímulo, e não austeridade. O motor isolado mais importante do aumento do déficit é a arrecadação fiscal fraca em virtude do fraco desempenho da economia; o melhor remédio isolado seria colocar a América para trabalhar de novo. O recente acordo da dívida vai na direção errada.
Os descaminhos financeiros dos
Estados Unidos jogaram um importante papel no desencadeamento dos problemas europeus, e o tumulto financeiro na Europa não seria bom para os Estados Unidos. Mas o problema real deriva de outra forma de contágio: ideias ruins cruzam facilmente as fronteiras, e noções econômicas equivocadas em ambos os lados do Atlântico vêm se reforçando mutuamente
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Um contágio de ideias ruins - Instituto Humanitas Unisinos - IHU