O sentimento é de medo, vergonha e discriminação. É o que relatam à Folha quatro jovens índias da etnia mura, que dizem ter sido vítimas de abuso sexual praticado por turistas norte-americanos em excursões de pesca esportiva em rios da Amazônia.
A reportagem é de
Kátia Brasil e publicada pelo jornal
Folha de S. Paulo, 17-07-2011.
Segundo elas, os estupros aconteceram há, no mínimo, seis anos. As vítimas afirmam que nunca conseguiram esquecer. Os turistas eram brancos, tinham mais de 40 anos, bebiam e tiravam fotos pornográficas.
Envergonhadas e com medo de serem discriminadas, as quatro deixaram a aldeia, na zona rural de Autazes, cidade ribeirinha a 118 km de Manaus. No local, o tema abuso sexual é tabu.
O caso veio à tona após a publicação de uma reportagem do jornal "
The New York Times", no último dia 9.
Segundo o jornal, a empresa de turismo norte-americana
Wet-A-Line Tours é investigada pela Justiça do Estado da Geórgia (EUA) sob suspeita de explorar o turismo sexual no Brasil.
As jovens aceitaram falar sob a condição de manterem o anonimato. "Minha família não sabe que aconteceu isso comigo. Por isso saí da aldeia e vim morar aqui na cidade. Eles não sabem de uma coisa dessa, não permitem", disse
E. Na época, ela tinha 16 anos. Hoje, está com 22.
Elas vivem em extrema pobreza, em palafitas na periferia da cidade. Sobrevivem graças a programas sociais.
"As pessoas da cidade nos olham incomodadas com a situação. Até para conseguir trabalho é difícil. Não saio de casa por isso", disse
U., hoje com 28 anos.
O principal investigado nos EUA é o norte-americano
Richard Schair, dono da agência Wet-A-Line Tours.
No Brasil, ele e mais cinco brasileiros são processados na Justiça Federal no Amazonas sob a acusação de dez crimes, entre eles, estupro, favorecimento a prostituição infantil e formação de quadrilha. Em depoimento à polícia, eles negaram.
Segundo a Polícia Federal, mais de 15 meninas de aldeias de Autazes foram aliciadas com a promessa de trabalho e salário em dólar. A maioria delas tinha menos de 18 anos na época.
Segundo relatos das vítimas, os abusos ocorreram entre 2000 e 2009.
Hoje com 19 anos, a jovem
I. conta que tinha 15 anos quando foi chamada para ser ajudante de cozinha em um dos barcos da
Santana Turismo Ecológico, do brasileiro
José Lauro Rocha da Silva, parceiro de
Schair.
"Estava na cozinha quando eles me chamaram para o quarto. Fiquei nervosa, com medo. Voltei quatro vezes para o quarto, cada vez com um homem diferente. Era contra a minha vontade. Meu sentimento foi de nojo."
Uma das jovens afirmou que foi procurada em junho por um homem que disse trabalhar nos barcos de
Lauro e
Richard. Ele teria oferecido dinheiro caso elas retirassem o depoimento.
E., 22:
Tenho receio do que possam fazer comigo
Quando eu tinha uns 15, 16 anos, gostava de sair e me divertir numa casa de forró daqui do porto de
Autazes. Foi lá que eu conheci o
Richard [Schair, suspeito de liderar o esquema de turismo sexual].
Ele estava com outros americanos. Quem apresentou foi um homem chamado
Adilson, o tradutor.
Richard falava a nossa língua e dizia que tinha trabalho dentro do barco. De camareira, cozinheira... Me ofereceram quase uns US$ 200, e eu fui.
Quando entrei no barco, tinha mais quatro meninas, todas menores. Me deram muita bebida, acabei ficando de porre. Daí um americano me pegou.
Ele era alto, meio careca, olho azul e queria fazer coisas que eu não queria.
Fiquei com medo de reclamar porque eles podiam fazer alguma coisa.
Eles me deixaram no porto. Recebi R$ 50.
Já apareceram aqui uns policiais americanos. Contei tudo pra eles, mas tenho muito medo do que possam fazer comigo.
Hoje, cortei e pintei o meu cabelo para mudar geral. Os americanos queriam a gente por causa do cabelo comprido e preto.
R., 25:
O que ocorreu quebrou todos os meus sonhos
Eu tinha uns 16 anos quando tudo aconteceu. Conheci o
Richard [Schair, principal suspeito de liderar o esquema de turismo sexual] quando ele me chamou para pescar.
Quando a gente já tinha se afastado um pouco da beira do rio, veio um rapaz alto e moreno, que não falava português.
O rapaz moreno me pediu para ir para o quarto com outra menina de uns 15 anos. Lá, ele disse que era para a gente tirar a roupa porque ia fotografar a gente se esfregando.
Ele veio com violência e arrancou a minha roupa. Eu chorei muito na hora, fiquei desesperada, com medo de ele me matar.
Ele manteve relação sexual com a gente. Quando terminou, ele me deu uma nota de US$ 1 dizendo que o dinheiro valia muito.
Minha mãe soube do que aconteceu e me tirou daqui por um tempo. Não consegui mais estudar depois. Hoje, tenho um namorado e estou grávida de quatro meses. Nós vamos nos casar.
O que aconteceu naquele barco quebrou meus sonhos. Tem coisas que a gente guarda que é impossível tirar de dentro.
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Só restou o medo, Envergonhadas, índias relatam terem sofrido abuso sexual - Instituto Humanitas Unisinos - IHU