O Brasil já vive sua "doença holandesa". O governo sabe disso e terá de pensar em taxar as exportações de soja, minérios e outras commodities. Quem alerta é
Luiz Carlos Bresser-Pereira. Em entrevista, o ex-ministro da Fazenda no governo de José Sarney e de Reforma do Estado e Ciência e Tecnologia no governo de Fernando Henrique Cardoso, alerta que a alta no preço das commodities gerou uma situação à qual o Brasil terá de se adaptar.
A entrevista é de
Jamil Chade e publicada pelo jornal
O Estado de S. Paulo, 26-06-2011.
Se a alta dos preços é positiva para exportadores de recursos naturais, está na hora de o governo pensar em seu impacto para a economia e principalmente para a indústria nacional. Em Genebra para reuniões na ONU,
Bresser-Pereira diz que o governo está "empurrando com a barriga" o problema.
A "doença holandesa" é um termo cunhado por economistas após a experiência da Holanda com a exportação de gás natural nos anos 60. A receita que entrava acabou gerando uma valorização cambial que prejudicou o setor manufatureiro e o tornou menos competitivo no exterior. Para
Bresser-Pereira, a mesma realidade já ocorre no Brasil com a exportação agrícola.
Eis a entrevista.
Como a alta nos preços de commodities tem impactado a economia brasileira?
O Brasil já vive sua doença holandesa. Não há nenhuma dúvida disso. O governo sabe. Tanto a presidente
Dilma Rousseff quando o ministro da Fazenda,
Guido Mantega, são conscientes disso. Mas não reconhecem.
Por quê?
Porque se reconhecerem terão de tomar medidas para lidar com ela. Por enquanto, o governo tem optado em empurrar esse assunto com a barriga.
Qual seria o remédio?
Hoje, o Brasil poderia tranquilamente aplicar uma taxa sobre exportações de commodities. De uma forma disfarçada, Delfim Netto já havia feito isso no passado com o café. Na realidade, essa taxa ao café vigorou no Brasil entre 1968 e 1991. Portanto, não é algo novo. Agora, precisamos repetir isso com a soja e com os minérios. Mas, neste momento, o governo parece não estar disposto a brigar nem com a
Vale nem com os produtores de soja. O que o governo precisa fazer é demonstrar para esses grupos que, diante da alta nos preços internacionais, eles não perderão com a taxa e que a economia nacional ganharia.
Há exemplo de país que adotou a taxa de exportação e conseguiu reequilibrar sua economia?
Os
Emirados Árabes taxam a exportação de energia em 98%. E é com isso que conseguem criar internamente um mercado de turismo e garantir a sua indústria tecnologia de ponta.
Qual o risco de demorar para reconhecer o problema?
Existem dois riscos. O primeiro, de uma queda no crescimento, ante o recuo na exportação de industrializados. O segundo é de a economia entrar em crise. Não seria para já. Mas viria de problemas sérios na balança de pagamentos. Em ambos os casos, seriam bolhas na economia brasileira que explodiriam.
A exportação agrícola não é o único motivo da valorização cambial. Há também o ingresso de capital especulativo. O que o governo pode fazer diante disso ?
Só há uma coisa a fazer: taxar a entrada de capital.
Mas o governo já faz isso com o IOF. Ele funciona?
Sim, funciona. Mas precisa ser adotado para todos os capitais. As medidas precisam ser mais drásticas, o governo sabe disso.
Isso não espantaria capital estrangeiro do Brasil?
O Brasil não precisa desse tipo de capital internacional. Hoje, uma multinacional que decide abrir produção no País vai ao
BNDES e pega empréstimo. Não precisamos mais do
Banco Mundial. Há uma alta taxa de substituição da poupança nacional pela poupança externa. Elas não se somam.
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"O Brasil já vive a sua doença holandesa" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU