O presidente do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),
Luciano Coutinho, prevê um período "difícil", com duração de um 1,5 a dois anos, para a economia brasileira, especialmente a indústria, que está pressionada por uma conjuntura internacional adversa. A Europa, acredita ele, flerta com o desastre e a economia americana, a maior do mundo, ainda patina em seu processo de recuperação.
Para se sair bem desse período de transição, o Brasil, defende
Coutinho, precisa enfrentar os seguintes desafios: moderar o crescimento da economia; controlar as expectativas de inflação; não desarmar o ciclo de investimentos previsto; criar as condições para que o financiamento privado cresça; atrair capitais e ao mesmo tempo estimular o aumento da poupança doméstica; evitar "estragos profundos" na estrutura industrial, pressionada pelo próprio "sucesso" do país e pela conjuntura internacional.
"É um conjunto de desafios muito grandes", disse
Coutinho nesta entrevista ao Valor. Na semana passada, ele participou do
XV Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, que tenta se firmar como principal foro de debate econômico das economias que integram os Brics. Lá, ouviu relatos bastante pessimistas sobre a crise nas economias periféricas da Europa.
Coutinho revelou que, durante o fórum, do qual participaram os presidentes da Rússia,
Dmitri Medvedev, e da China,
Hu Jintao, além do premiê espanhol,
José Luis Zapatero, foi feita uma enquete sobre a probabilidade de "default" no continente. A maioria dos participantes (53%), entre empresários e executivos de grandes empresas, previu que, nos próximos dois anos, pode haver calote na dívida em até três países da região. O restante previu que isso ocorrerá em mais de três.
"Este é um sintoma do grande ceticismo que prevalece lá. A discussão é se a crise pega a Grécia, Irlanda e Portugal ou se pega esses três e a Espanha também, embora a Espanha esteja mais protegida", comentou o presidente do BNDES.
Coutinho informou que o governo brasileiro trabalha na elaboração de uma nova política industrial com um olhar nesse contexto, em que a indústria nacional perde competitividade em função de um menor crescimento dos países ricos, destino original das exportações brasileiras, e também da apreciação do real frente ao dólar. Um dos setores a serem beneficiados pela política é o de produção de bens de capital (máquinas e equipamentos). A ideia é ajudar os setores exportadores em geral.
O presidente do BNDES observou, no entanto, que o espaço fiscal para apoiar a indústria neste momento é reduzido. Disse também que não há espaço para medidas radicais de controle de capital, que possam depreciar a taxa de câmbio. "Na verdade, o raio de manobra não é grande e o governo tem que, dentro do espaço que possui, otimizar, fazer aquilo que possa ser o mais eficiente possível e mais consistente com nossos objetivos macroeconômicos", assinalou.
Depois da Rússia,
Coutinho esteve no Japão, para debater, no
JBIC (Japan Bank for International Cooperation), oportunidades de investimentos no Brasil.
A entrevista é de
Cristiano Romero e publicada pelo jornal
Valor, 24-06-2011.
Eis a entrevista.
Por que o governo prepara uma nova política industrial?
A política industrial anterior foi anunciada em maio de 2008, com um vento a favor, a economia mundial e as exportações crescendo, mas logo em seguida veio a crise internacional, que mudou completamente a agenda.
O que mudou?
A agenda passou a ser a de recuperação do investimento. Em 2009 e 2010, o objetivo foi expandir o crédito, suprindo a forte contração do crédito privado. Isso foi bem-sucedido. A conjuntura atual é totalmente inusitada.
Por quê?
O mundo desenvolvido está em recessão, o que fez com que os preços das nossas exportações sofressem com mercados deprimidos nos países desenvolvidos, e a recuperação mundial está acontecendo só nos países em desenvolvimento, especialmente na Ásia, com a China, mas também com a Índia e outras economias, e aqui na América Latina, com o Brasil, que teve crescimento bastante expressivo no ano passado [7,5%]. Esse é um contexto inusitado também porque as moedas-reserva - o dólar e o euro - estão competindo uma com a outra para ver quem se deprecia mais. O dólar, pela política de super liquidez. E o euro, com as dificuldades das economias da periferia europeia, também está sob pressão. Há uma única exceção.
Qual?
A Alemanha, que está numa situação confortável. É uma grande exportadora de bens de capital (máquinas e equipamentos). É a única das grandes economias desenvolvidas que está bem. Já é uma economia industrialmente competitiva, exporta bens de capital para a China e tem um câmbio favorável. Mas a situação da Europa como um todo é precária.
Por causa da Grécia?
Sim, a crise grega é muito preocupante. Há um ambiente na Europa de total ceticismo com relação à capacidade de a Grécia cumprir o programa de ajuste. Começa a se formar a opinião de que, para cumprir o programa do
Fundo Monetário Internacional (FMI), a Grécia teria que reescalonar de forma bem mais profunda a dívida, e isso bateria nos bancos europeus, que detêm algo como € 200 bilhões em dívida grega, então, há resistência a fazer isso. Por outro lado, não há saída.
Não haveria uma alternativa?
Numa visão mais extrema, há quem acredite que a Grécia teria que sair do euro para poder depreciar a moeda e ter flexibilidade cambial. Lamento ter deixado de ser professor de Economia Internacional porque isso era algo que eu estava antevendo lá atrás...
O quê, exatamente?
Essas economias todas, na hora em que entraram no euro, o fizeram com taxa de câmbio muito apreciada. Isso transmitiu para as sociedades uma sensação ilusória de riqueza. Ao mesmo tempo, ao adotarem a moeda comum, desapareceu o componente de risco de câmbio que sempre está embutido nas taxas de juros locais. Com o euro, o risco de câmbio desapareceu e os juros, automaticamente, passaram a ser mais baixos. Aquelas economias, que, digamos assim, nunca tiveram um juro alemão, passaram a operar com um padrão de juros muito mais baixo. Combinou-se uma falsa sensação de riqueza com uma taxa de juros baixa.
Quais foram as consequências disso?
Isso levou a um ciclo muito pesado de endividamento familiar e das empresas, à formação de bolhas imobiliárias e a déficits externos elevadíssimos. Essa situação da Grécia, de Portugal, da Irlanda, um pouco da Espanha, é preocupante. A Europa está flertando com o desastre. E há resistência a fazer um ajuste mais profundo.
O problema central da economia mundial está, então, na Europa?
Nos Estados Unidos, a economia ainda patina. O [presidente Barack] Obama está debilitado, com baixa popularidade, e os republicanos estão se vingando, de forma injusta, porque eles é que fizeram as guerras e destruíram as contas fiscais. Agora, estão exigindo compromissos fiscais violentos. Além disso, estão brincando com o desastre ao chantagear o governo, dizendo que não aprovarão a elevação do teto da dívida. O governo
Obama tem que corrigir isso até o dia 1º de agosto para não dar um calote na dívida. Nesse contexto, há um contraste com a China e com o resto das economias em desenvolvimento, que produziram e realizaram a recuperação mundial. O problema é que essa recuperação foi muito desequilibrada.
Por quê?
Porque os países em desenvolvimento puxaram o crescimento mundial num contexto de excesso de liquidez. A combinação das duas coisas provocou o aumento dos preços das commodities e, agora, os países em desenvolvimento têm que desacelerar para controlar a inflação. Mas essa desaceleração não pode ser forte demais porque, senão, o mundo vai para uma recessão. É o que o Brasil está tentando fazer, ou seja, moderar o ritmo de crescimento, mas sem pisar no freio porque seria ruim para o mundo inteiro.
Essa moderação pode durar quanto tempo?
Vamos passar por um período difícil nos próximos 1,5 a dois anos, até esse quadro mudar. Até termos uma crescimento mais equilibrado na economia mundial, nossa indústria estará sob pressão muito forte. Exportação prejudicada pelo fraco crescimento dos mercados de destino originais do Brasil, embora o país esteja agora tentando diversificar as exportações cada vez mais para economias em desenvolvimento; e, de outro lado, o próprio sucesso do Brasil apreciou a taxa de câmbio e a gente não tem muita margem para mexer nisso. É um período difícil. A política industrial tem que se voltar para fazer a travessia desse contexto.
O que o governo pretende com a nova política?
O que estamos fazendo é buscar reforçar a competitividade da indústria através de uma série de medidas.
Que medidas?
Infelizmente, não posso adiantar porque estamos ainda numa agenda de discussão.
O FMI concluiu que, além do efeito da política monetária expansionista dos países ricos, o Brasil sofre com o fato de ter uma conta de capital mais aberta que a dos países asiáticos. Isso ajuda a apreciar ainda mais o real. Não há como enfrentar esse problema?
Não há espaço para medidas radicais, para instalar um controle de capital violento, que deprecie o câmbio. Também não dá para fazer medidas de natureza fiscal muito fortes. Na verdade, o raio de manobra não é grande e o governo tem que, dentro do espaço que possui, numa discussão que está em curso, otimizar, fazer aquilo que possa ser o mais eficiente possível e mais consistente com nossos objetivos macroeconômicos. É uma discussão complexa. Devemos focar nos setores onde está havendo mais pressão.
Quais são?
O de bens de capital é um deles, mas não é o único. Os setores de "tradables" (produtos comercializáveis com o exterior) em geral.
São medidas de efeito imediato ou para melhorar a competitividade de longo prazo da indústria?
O problema [da competitividade] está colocado, já está acontecendo, então, as medidas têm que ser endereçadas para a conjuntura. Há, obviamente, medidas de médio prazo. Por exemplo, todo o reforço na questão da inovação tecnológica, que está sendo feito. Estamos conseguindo mudar um pouco o padrão de comportamento das estratégias econômicas do setor privado. Mas isso, de fato, é para o médio e o longo prazo.
O BNDES calcula que o investimento programado nos setores industrial, de infraestrutura e de construção civil deve totalizar R$ 1,6 trilhão entre 2011 e 2014. O cenário internacional adverso não ameaça o levantamento desses recursos?
Apesar da crise, a abundância de capitais continua. Nosso problema é exatamente não cair na tentação de depender exclusivamente de ingressos de capitais para apoiar o nosso esforço de investimento. Senão, vamos repetir o problema dos anos 70 e de outros momentos, em que todo o incremento da taxa de investimento foi financiado por poupança externa. Nós também precisamos fazer um esforço de poupança doméstica. Este é um ponto que eu tenho batido o tempo todo.
De que forma?
As medidas que adotamos há seis meses, para estimular o financiamento privado, se não estiverem funcionando, terão que ser reforçadas, principalmente no sentido de aumentar o estímulo à poupança privada. Aquela agenda é essencial. O Brasil tem um potencial de poupança financeira doméstica que está todo ancorado num estoque de dívida pública altamente líquida. Esse estoque de poupança pode migrar para papéis privados. Acredito que ainda temos chance de avançar nisso.
Como?
À medida que o trabalho do Banco Central começa a ser reconhecido - a discussão agora é quando a inflação converge para a meta de 4,5% -, na hora em que houver a percepção de que o governo não vai dar moleza, que vai fazer o que for necessário para derrubar a inflação. O segredo é não desmontar o ciclo de investimentos e não jogar para escanteio a possibilidade de esse desenvolvimento financeiro acontecer. Obviamente, para esse desenvolvimento acontecer com velocidade, a perspectiva de retomada de queda da taxa Selic tem que vir junto. Isso é algo, talvez, para mais adiante.
Quando?
Ainda temos que dar um pouco mais de tempo para que a expectativa de inflação cadente se consolide. Na hora em que o mercado antecipar lá na frente que a inflação pode cair de novo e que o BC poderá começar a pensar em diminuir os juros, esse movimento [de estímulo à poupança privada] pode ocorrer.
O mercado estima que o Produto Interno Bruto (PIB) crescerá abaixo de 4% este ano. Por outro lado, a expectativa de inflação para 2012 está piorando, o que pode obrigar o BC a estender o ciclo de aperto monetário. Isso pode derrubar novamente o crescimento abaixo de 4%. O senhor não teme que isso desmonte o ciclo de investimentos previsto?
Hoje, o empresariado pensa quatro, cinco anos à frente. Há uma certa compreensão de que, se a economia crescer um pouco menos em 2011 e um pouco mais no próximo ano, e que mesmo não tendo um crescimento espetacular em 2012, haja uma expectativa de que no segundo semestre de 2012 já vai dar para começar a fazer uma afrouxamento, com a economia mundial melhorando em 2013 e 2014, você tem aí uma expectativa de que o Brasil consegue sustentar um ritmo médio de crescimento nos próximos anos.
Crescimento de quanto?
Na média dos quatro anos, alguma coisa variando de 4% a 5,5%, pode ser um pouco mais ou um pouco menos, será suficiente para a sustentação do plano de investimentos. É claro que se, de repente, surgir uma perspectiva um pouco mais otimista, o crescimento médio pode ser mais alto. O relevante é que não está no radar uma expectativa de recessão no Brasil. O que há é uma expectativa de moderação do crescimento por um prazo ainda a discutir. Isso ajuda porque o investimento industrial tem um prazo médio de maturação de no mínimo 18 meses. Então, o empresário está olhando o mercado de 2013.
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Transição "difícil" vai demorar de 1,5 a 2 anos, diz Coutinho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU