18 Mai 2011
Antes mesmo da autorização definitiva para a construção da usina no Rio Xingu (PA), áreas da hidrelétrica viram palco de disputas entre posseiros e indígenas, segundo relatório da Associação Brasileira de Antropologia.
A reportagem é de Vinicius Sassine e publicada pelo jornal Correio Braziliense, 18-05-2011.
A pressão do Ministério de Minas e Energia (MME) e da Norte Energia pela concessão da licença de instalação da usina hidrelétrica Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará, esconde as tensões, o acirramento dos conflitos entre índios e posseiros, e os casos de expropriação de comunidades tradicionais decorrentes de uma outra licença já concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Em janeiro deste ano, a Norte Energia — consórcio de empresas responsável pelo empreendimento hidrelétrico — recebeu do Ibama a autorização para instalar o canteiro de obras e os alojamentos dos operários que vão erguer a Belo Monte. Somente essa permissão, antes mesmo da expedição da licença definitiva para o início das obras, já provocou “graves conflitos fundiários” na região, como mostra um relatório da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) concluído no último dia 8.
Pesquisadores da ABA compõem um grupo de 40 estudiosos, de diferentes centros de pesquisa, integrantes do chamado Painel de Especialistas, que identifica, desde 2009, uma série de equívocos no estudo de impacto ambiental elaborado pela Norte Energia para fundamentar a construção da usina. Até agora, o empreendimento recebeu a licença prévia — em fevereiro do ano passado — e a licença de instalação para o canteiro de obras. O próximo passo é o aval de instalação para as obras. Tanto o MME quanto a Norte Energia pressionam o Ibama para essa concessão. O argumento é que as obras devem ser iniciadas no período seco, de baixa vazão do Rio Xingu, entre maio e novembro. Caso contrário, as obras só teriam início em maio de 2012, o que pode atrasar o cronograma de fornecimento de energia a partir de 2015.
Cada uma dessas licenças implica dezenas de condicionantes. Para a ABA e o Painel de Especialistas, a Norte Energia não vem cumprindo as condições acertadas com o Ibama. O resultado é o agravamento dos conflitos na área chamada Volta Grande, onde fica o canteiro de obras. “Os primeiros efeitos são um processo de expropriação de povos tradicionais e agricultores familiares, e o acirramento de tensões e conflitos preexistentes, notadamente no que diz respeito aos povos indígenas e suas terras”, cita o relatório da ABA.
A associação detalha dois casos de ameaça de morte a lideranças indígenas da região. Uma delas é José Carlos, líder dos índios de Arara da Volta Grande que teria sido ameaçado por posseiros da reserva. Cerca de 200 agricultores que estão na terra indígena chegaram a ocupar a sede da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Altamira (PA). No último dia 5, um índio da reserva de Apyterewa foi “procurado por um pistoleiro” quando estava hospedado na Casa do Índio em Altamira.
As comunidades tradicionais também estariam enfrentando “pressão e intimidação” da Norte Energia nos processos de compra das terras para a instalação do canteiro de obras, de acordo com o relatório. “A existência da licença de instalação transforma a expropriação numa situação inexorável”, cita o texto.
Os mais prejudicados
O último estudo do Painel de Especialistas, divulgado em fevereiro deste ano, aponta autorizações para desmatamentos dentro das terras indígenas mais impactadas pelas obras de Belo Monte, entre elas Trincheira Bacajá e Paquiçamba. “O Painel de Especialistas alerta as autoridades máximas do governo brasileiro para os riscos de uma situação social explosiva.” Foi justamente a situação dos índios do Rio Xingu que motivou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) a solicitar a suspensão imediata do processo de licenciamento de Belo Monte. O Ministério Público Federal (MPF) do Pará já moveu 10 ações civis públicas contra as licenças, todas derrubadas na segunda instância da Justiça Federal.
Um levantamento da Funai aponta 10 terras indígenas que vivem em Altamira como prejudicadas pelas obras de Belo Monte, o que envolve mais de 1,7 mil índios. Nenhuma dessas terras será alagada pelo reservatório da usina, mas a diminuição da vazão do rio pode afetar a vida dessas pessoas. O presidente da Funai, Márcio Freitas de Meira, não sabe estipular o prazo para o cumprimento das 26 condicionantes relacionadas às populações indígenas. “Temos uma preocupação com a vazão do rio, e essa é uma condicionante clara.”
Curt Trennepohl, presidente do Ibama, também não estipula um tempo para cumprir as condicionantes necessárias para a emissão da autorização definitiva às obras. Segundo ele, uma equipe técnica do órgão elabora o último relatório para a concessão da licença. “Se todas estiverem cumpridas, o Ibama emitirá a licença.” O diretor socioambiental da Norte Energia, Antônio Coimbra, garante que o consórcio cumpriu as condicionantes e está pronto para receber a licença de instalação. Mais de 16,4 mil pessoas precisarão ser removidas de suas casas em razão das obras. “Todos os recursos gastos até agora, R$ 50 milhões, são suficientes para lidar com a chegada de migrantes nesse início de obras.” Coimbra acredita que a construção vai atrair entre 40 mil e 50 mil pessoas à região.
Mais polêmica
A construção da usina hidrelétrica Belo Monte, o maior projeto do país e um dos três maiores do mundo, vem despertando uma série de críticas, principalmente em razão dos impactos ambientais e das consequências para as populações indígenas ao longo do Rio Xingu. Cerca de 100 índios, entre eles o cacique Raoni, conhecido internacionalmente, fizeram um protesto em Brasília contra Belo Monte em fevereiro deste ano. A usina é considerada crucial pelo governo para a ampliação de geração de energia no Brasil. Serão 11 mil megawatts de energia a mais, o equivalente a 27% da energia hidrelétrica prevista para os próximos 10 anos.
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Belo Monte, um canteiro de tensões - Instituto Humanitas Unisinos - IHU