16 Mai 2011
O cardeal canadense Marc Ouellet é o principal assessor do papa para a escolha de bispos e preside a Pontifícia Comissão para a América Latina, um dos maiores territórios de católicos. É considerado o terceiro na linha hierárquica da Igreja Católica depois do papa Bento XVI. Em entrevista ao jornal uruguaio El País, 16-05-2011, afirma que o continente latino-americano assiste a uma "nova evangelização" e que as "ideologias caíram". Diz ainda que a Igreja adotou a "tolerância zero com a pedofilia" e que a religião muçulmana cresce mais porque os muçulmanos têm mais filhos, diferente do que ocorre no ocidente.
Eis a entrevista. A tradução é do Cepat.
Qual é hoje o principal inimigo da Igreja?
O papa disse recentemente que o inimigo está dentro da Igreja. É o pecado, a falta de fé, a incoerência dos seus membros. A Igreja propõe o evangelho que não é aceito em todas as partes, há necessidade de uma nova evangelização no continente europeu e na América, mas há entusiasmo porque a Igreja leva uma mensagem de otimismo ao mundo. Na América Latina, particularmente, nunca se viu um impulso tão vivo desde a Assembleia dos bispos de Aparecida (Brasil), em 2007.
É a mesma coisa ser católico na América Latina e no Oriente Médio?
No Oriente Médio é muito difícil. As condições de guerra fazem muito mal aos cristãos do Oriente Médio. E isso não é bom inclusive para a cultura local, o cristianismo é uma força de paz e esperança.
Há uma perseguição contra os cristãos?
Nunca houve tantos mártires cristãos no mundo. É assombrosa a quantidade de religiosos, bispos, sacerdotes que são assassinados no curso de seus ministérios, isso é muito preocupante.
Quais foram os efeitos positivos e negativos da globalização para a Igreja?
A Igreja é globalizada desde o princípio. Jesus Cristo é o maior globalizador, é o que dá à humanidade a sua unidade. Mas se nos referimos ao processo que envolve os mercados e tudo mais, o que se tem de positivo é a comunicação rápida – um progresso extraordinário. A reorganização das empresas em grupos cada vez maiores promove a pobreza e a miséria, isso é negativo.
A produção de conhecimento afasta-se da experiência cristã?
Entre a fé e a ciência, do ponto de vista cristão, não há contradição. Todo descobrimento da verdade em um campo do saber é bem vindo e isso não faz recuar a fé. No campo da teologia, se pode desenvolver o conhecimento, mas se ao mesmo tempo não se cultiva uma relação pessoal com Deus através da oração, o conhecimento não faz a pessoa se desenvolver.
Como a Igreja vê o conflito entre o Ocidente o extremismo islâmico?
Pensando no Iraque e no Afeganistão, a guerra não ajuda as relações geopolíticas e a relação entre o ocidente e o mundo islâmico. Qualquer guerra faz com que o mundo islâmico demonize o ocidente como se fosse o seu inimigo. As ações que levam muitos a identificar a religião com o terrorismo precisam ser evitadas, são por demais simplistas. A religião muçulmana não é terrorista em si mesmo, é uma crença que implica numa relação positiva com Deus. Evidentemente que existem fanáticos que se aproveitam da religião e fazem terrorismo em seu nome, mas isso não é religião, é ao contrário, blafesmatório.
O fim de Bin Laden e a guerra na Líbia. O que pensa sobre esses acontecimentos?
Faz dez anos que o estavam buscando, isso acabou, mas sou cético. Não penso que isso termine com a situação, penso que continua. É uma organização terrorista que deve ter outros chefes, receio, contudo pela violência. Há lutas para controlar as riquezas no mundo, é preciso buscar a justiça, o equilíbrio. Os chefes de Estado devem estar mais atentos à miséria. Temo o crescimento das tensões dentro do mundo islâmico, isso é grave e não é bom para nós. Se estoura uma crise no mundo islâmico, isso é ruim para o planeta.
A corrente da Teologia da Libertação na América Latina fez uma autocrítica na sua relação com o marxismo?
Nisso a Igreja interviu com documentos muito acertados para marcar a diferença entre uma teologia e uma ideologia de tipo marxista. Houve uma purificação interna nessa corrente e também na Igreja aconteceu uma transformação. O que agora se observa na orientação da Igreja latino-americana é a preocupação com a evangelização. Isso é muito positivo. Há uma nova consciência de que o cristianismo tem algo a dizer para a sociedade latino-americana e ainda não demos o que podemos dar. Continua a preocupação com a miséria, mas isso se resolve apenas com um cristianismo profundo e não uma ideologia política.
No Uruguai, o partido do governo propõe a descriminalização do aborto. O que pensa a respeito?
A Igreja sempre protege a vida e defende a dignidade das pessoas, desde o começo até o último sopro da vida, porque a vida é sagrada. O homem não pode tomar a vida do seu irmão. O respeito à vida humana é um princípio fundamental.
Também se defende uma lei do matrimônio homossexual.
Isso não ajuda à família que se funda na relação de um homem com uma mulher na qual há conjugalidade, fecundidade e isso é a base da sociedade. O Estado deve reconhecer que a família fundada por um homem e uma mulher é a base da sociedade.
A oposição da Igreja ao uso de preservativo é um assunto repetitivo. Há planos de revisão?
Sobre isso prefiro não fazer comentários. Já houve muito mal entendidos sobre isso para que se acrescentem outros.
As mulheres poderão exercer o sacerdócio?
A Igreja já definiu isso, a tradição católica exclui essa possibilidade. Houve na história de alguns grupos, a veleidade do sacerdócio feminino. A Igreja Católica tem a sua visão baseada nas sagradas escrituras e na tradição. Sobre isso existe muita clareza, essas idéias vêm e passam.
O senhor ocupa um lugar chave no Vaticano na nomeação de bispos no mundo. Como tem assumido os problemas de pedofilia que tem incriminado padres?
Levamos alguns anos para fazer uma purificação. A Igreja leva muito a sério esses problemas. A política é de tolerância zero. Talvez no passado não tenha existido uma consciência aguda desses fenômenos de abuso sexual, agora com os corretivos realizados e a disciplina há uma tomada de consciência e um processo de purificação.
A Igreja está num período de crise?
Falamos muito de nova evangelização. A Igreja se encontra em uma fase muito positiva. Está numa atitude de propor o evangelho, a figura de Cristo. Cairam as ideologias. O cristianismo volta a emergir nesse momento da história como a grande esperança da humanidade.
Mas o que cresce é a religião muçulmana?
Eles têm muitos filhos. O mundo ocidental não tem filhos porque lhes falta uma relação de abertura com Deus que lhe retira a segurança na vida. Num mundo violento quem vai trazer pessoas para o mundo?
Perfil:
Nome: Marc Ouellet
Nascimento: Lamotte Amos, Canadá (1944)
Idade: 66 anos
Outros dados: Docente de Teologia