14 Mai 2011
Um relatório interno recém-divulgado indica que o Vaticano estava tentando, desde o final de 2006, que o bispo australiano William Morris corrigisse seus abusos na doutrina e na liturgia da Igreja, antes de finalmente removê-lo como chefe da diocese de Toowoomba no início deste mês.
A reportagem é do sítio Catholic News Agency, 10-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O documento foi preparado por dois padres fiéis a Dom Morris, Pe. Peter Schultz, vigário-judicial da diocese, e o Pe. Peter Dorfield, ex-vigário geral da diocese. Os dois fazem parte de um órgão de oito sacerdotes membros que compõem o "colégio de consultores" do bispo.
O Vaticano anunciou a remoção de Dom Morris no dia 2 de maio.
O novo documento confirma que o Vaticano removeu o bispo devido a abusos flagrantes na celebração do Sacramento da Penitência e por defender a ordenação de mulheres ao sacerdócio.
Tendo vazado para a imprensa australiana, o documento confidencial oferece uma visão singular sobre as ações do processo disciplinar do Vaticano.
Ele também revela que a demissão do bispo foi a conclusão de uma longa e às vezes negociação com o Vaticano – e não uma consequência de uma decisão súbita, como o bispo australiano sugeriu em uma carta divulgada na semana passada.
O documento, intitulado Resumo Histórico da Disputa de Dom Morris com os Dicastérios Romanos é um adendo a uma defesa de sete páginas de Dom Morris, que foi enviada no dia 29 de abril aos sacerdotes, líderes e ao chefe das denominações cristãs da região de Toowoomba.
Os dois documentos fazem parte de uma campanha deliberada descrita no resumo para desacreditar a investigação do Vaticano e apresentar Dom Morris como vítima de injustiça nesse caso.
Em sua carta de sete páginas, eles apelam que os líderes pastorais usem esses documentos para fornecer "explicações apropriadas e acuradas" aos paroquianos. Eles expressam uma "tristeza considerável" e dizem ter sido "profundamente afetados" pela expulsão de Dom Morris.
Eles também prometem que um "cuidado profissional" será dispensado a todos aqueles que se encontram "sofrendo profundamente com a remoção de Dom Morris".
O documento de síntese estabelece um cronograma detalhado. Ele indica que, contrariamente às alegações de Dom Morris, ele estava plenamente informado sobre as acusações contra ele e teve mais de quatro anos para corrigir os abusos citados.
De fato, o cronograma oferece provas consideráveis de que altas autoridades do Vaticano, incluindo o Papa Bento XVI, dedicaram uma grande quantidade de tempo e energia para tentar convencer Dom Morris sobre seus erros e para mantê-lo no cargo.
Tanto a história resumida quanto a carta preparada em apoio a Dom Morris revelam o seguinte cronograma, que vai desde a sua instalação à sua remoção como bispo de Toowoomba:
Fevereiro de 1993: No dia 10 de fevereiro, Dom Morris é instalado na Catedral de St. Patrick de Toowoomba. Ele imediatamente introduziu mudanças drásticas na liturgia e no governo da Igreja. De acordo com o documento dos consultores, ele também "rompeu com a tradição e vestia uma gravata, bordada com o seu brasão de armas, ao invés do colarinho romano". Os consultores acrescentaram: "O Bispo ofereceu a cada padre uma gravata preta com o brasão de armas diocesano e indicou que o uso da gravata seria considerado veste clerical, junto com o colarinho e a camisa branca com cruzes, cuja escolha era deixada nas mãos do clérigo individual".
1993-2005: Um grupo de católicos preocupados, descrito no relatório como "uma pequena mas barulhenta minoria" lançou "uma crescente campanha de cartas de reclamação" enviadas aos escritórios do Vaticano, em Roma. As queixas se centravam na promoção por parte de Dom Morris da "absolvição geral" como uma alternativa à confissão pessoal dos pecados. Sua promoção dessa prática continuou apesar dos vários apelos do Vaticano para parar. De acordo com os consultores, "a questão do uso da absolvição geral levou a uma disputa entre o Bispo e o Cardeal (Francis) Arinze, prefeito da Congregação (do Vaticano) para os Sacramentos e o Culto Divino. Alguns aspectos dessa disputa assumiram um aspecto pessoal".
Novembro de 2006: Dom Morris divulga sua agora infame carta pastoral do Advento. Nela, ele propõe a necessidade de explorar a ordenação de homens casados e de mulheres, e o reconhecimento dos ministérios ordenados de outras Igrejas cristãs. Sua carta foi amplamente percebida nos círculos da Igreja como uma flagrante rejeição da declaração oficial do Papa João Paulo II de 1994 (Ordinatio Sacerdotalis) de que a Igreja não pode ordenar mulheres e do seu decreto de 1998 (Ad Tuendam Fidem) de que a discussão da ordenação feminina pode ser punida nos termos do direito canônico.
Dezembro de 2006: Dom Morris recebe um fax solicitando que ele vá a Roma em fevereiro 2007 para encontros com os cardeais Giovanni Battista Re, então chefe da Congregação dos Bispos, William Levada, chefe da Congregação para a Doutrina da Fé, e o cardeal Arinze. Dom Morris recusou a reunião, alegando "razões pastorais" que ele se recusou a especificar. Ele disse que tinha planos de ir a Roma em maio de 2007 e manifestou sua vontade de se encontrar com os cardeais nessa época.
Janeiro de 2007: O cardeal Arinze envia uma carta insistindo que o assunto é urgente e que Dom Morris deve se apresentar em Roma em fevereiro. Dom Morris novamente recusou o pedido, insistindo que ele estaria disponível em maio, mas não antes.
Março de 2007: Dom Morris recebe uma notificação de que a Congregação dos Bispos havia começado uma investigação, conhecida como "visitação apostólica". O visitador apostólico é o arcebispo norte-americano Charles J. Chaput, OFM, de Denver.
Abril de 2007: Chaput chega a Toowoomba para a visitação apostólica no dia 23 de abril. O relatório dos consultores afirma: "O Visitador chegou a Toowoomba, reuniu-se informalmente com Dom Morris, depois se reuniu com o Conselho de Presbíteros. Ele então começou uma série de reuniões com vários órgãos, autoridades, sacerdotes, diretores de agências diocesanos e com o povo da diocese... Havia uma grande diversidade de pessoas e de clérigos da diocese que representavam todos os níveis de apoio e de oposição ao Bispo. Na quarta e quinta-feira (25 e 26 de abril), ele viajou por toda a diocese e realizou entrevistas. As entrevistas encerraram em Toowoomba na sexta-feira e no sábado pela manhã (27 e 28 de abril). Depois de uma entrevista final com o bispo ao meio-dia de sábado, o visitador partiu e preparou seu relatório".
Maio de 2007: Os líderes diocesanos se reuniram para discutir a Visitação e como deveriam responder. Segundo o relatório, "o clero e os líderes pastorais da diocese" decidiram enviar uma carta ao Vaticano em apoio a Dom Morris. Três padres se recusaram a assinar a carta. Enquanto isso, Dom Morris estava em Roma, conforme havia anunciado anteriormente. O relatório afirma: "Não ocorreu nenhuma reunião com os cardeais".
Setembro de 2007: A Congregação dos Bispo do Vaticano envia a Dom Morris um memorando datado de 28 de junho solicitando que ele renuncie. O bispo responde indicando que ele irá responder depois de suas férias em outubro.
Outubro de 2007: A Congregação dos Bispos envia outra carta, desta vez informando Dom Morris que o pedido de sua renúncia está sendo feito em nome do Papa Bento XVI.
Novembro de 2007: Dom Morris envia uma carta ao cardeal Re, chefe da Congregação dos Bispos, oferecendo "colaboração e diálogo". Ele solicitou uma reunião em Roma para janeiro de 2008. O cardeal Re responde estabelecendo o dia 19 de janeiro de 2008 como a data para a reunião.
Dezembro de 2007: Dom Morris reúne um grupo consultivo para recolher sugestões sobre como lidar com o Vaticano. Segundo o relatório dos consultores, "o grupo consultivo consultou canonistas internacionais".
Janeiro de 2008: No dia 19 de janeiro, como previsto, Dom Morris se reúne em Roma com os três cardeais, representando os escritórios do Vaticano para os bispos, para a doutrina e para o culto. Eles salientam que o próprio papa pediu que Dom Morris renuncie. No dia 24 de janeiro, Dom Morris escreve aos cardeais, dizendo-lhes que ele se sente incapaz de renunciar.
Fevereiro de 2008: O cardeal Re responde à carta do dia 24 de janeiro de Dom Morris. Ele pede mais uma vez que Dom Morris renuncie. Dom Morris responde convocando seu grupo consultivo. Eles ajudam o bispo a preparar uma Declaração de Posicionamento para às a críticas do Vaticano e ao pedido de sua renúncia.
Março de 2008: Dom Morris envia sua Declaração de Posicionamento aos cardeais Re, Arinze e Levada. Ele envia uma carta ao Supremo Tribunal da Signatura Apostólica do Vaticano, a mais alta autoridade judicial da Igreja além do Papa. Dom Morris pede que a Signatura Apostólica lhe dê o direito de se defender das acusações contra ele. Ele escreve uma nova carta para ao Pontifício Conselho para os Textos Legislativos pedindo uma definição do que constitui uma "causa grave" para a remoção de um bispo sob a lei da Igreja (cânon 401, seg. 2).
Abril de 2008: A Signatura Apostólica responde informando a Dom Morris que o seu caso não é de sua competência, porque nenhum processo legal Igreja havia sido iniciado.
Setembro de 2008: O Pontifício Conselho para os Textos Legislativos responde dizendo que a interpretação da "causa grave" cabe à determinação da Congregação dos Bispos.
Outubro de 2008: O cardeal Re envia uma carta exigindo que Dom Morris renuncie em novembro de 2008 ou enfrentará uma remoção.
Dezembro de 2008 - Março de 2009: No dia 19 de dezembro, Dom Morris escreve ao cardeal Re declarando que não irá renunciar. No dia 24 de dezembro, ele escreve separadamente ao Papa Bento XVI solicitando uma audiência. O bispo recebe depois a confirmação de que será recebido pelo Papa no dia 4 de junho de 2009.
Junho de 2009: No dia 4 de junho, Dom Morris encontra o papa. Ele vai acompanhado pelo arcebispo Phillip Wilson, chefe da Conferência dos Bispos da Austrália. O papa reitera sua exigência de que o bispo renuncie. O bispo não responde. De acordo com o relatório dos consultores, "o bispo deixou a reunião dizendo ao arcebispo Wilson que não tinha a intenção de renunciar como bispo de Toowoomba".
Julho de 2009: O cardeal Re envia outra carta pedindo que o bispo submeta a sua renúncia.
Novembro de 2009: Dom Morris escreve ao papa dizendo que, por uma questão de consciência, ele não irá renunciar.
Dezembro de 2009: Em uma carta datada de 22 de dezembro, o Papa Bento responde a Dom Morris. Ele lembra o bispo que não há apelo para as decisões papais. O relatório dos consultores afirma: "O Papa repetiu as sérias preocupações que ele tinha acerca da posição de Dom Morris com relação à ordenação de mulheres e do reconhecimento das ordens (clericais) dos anglicanos e de outras Igrejas".
Janeiro de 2010: O arcebispo Wilson leva a Roma uma proposta de Morris se retirar ao completar 70 anos, em outubro de 2013.
Fevereiro de 2010: O cardeal Re escreve a Dom Morris dizendo que o papa aceitou esperar até maio de 2011 para a sua renúncia.
Dezembro de 2010: Dom Morris escreve ao papa. Ele pede para permanecer no cargo além da data acordada de maio de 2011, a fim de lidar com um caso de suposto abuso sexual por parte de um ex-professor em uma escola católica de Toowoomba.
Fevereiro de 2011: O arcebispo Giuseppe Lazzarotto, Núncio Apostólico e representante papal na Austrália, escreve a Dom Morris pedindo sua renúncia imediata. O núncio informa Dom Morris que o Vaticano irá anunciar sua demissão no dia 2 de maio.
Março de 2011: Dom Morris escreve ao Núncio Apostólico. Ele afirma que não vai renunciar, mas que irá aceitar o anúncio do Vaticano no dia 2 de maio da sua "aposentadoria precoce".
Abril de 2011: Dom Morris convoca seu colégio de consultores. O grupo, unanimemente, apoia sua decisão de emitir uma carta pastoral para que "a diocese seja a primeira a ouvir as notícias do bispo e não da mídia", segundo o relatório. Alegando sua inocência e execrando o Vaticano por negar-lhe a "justiça natural", no dia 27 de abril, Dom Morris envia o seu anúncio aos sacerdotes da diocese. Ele inclui uma carta pastoral a ser lida em todas as missas do final de semana dos dias 30 de abril e 1º de maio.
Maio de 2011: O Vaticano anuncia a remoção de Dom Morris do seu ofício. Segundo uma declaração emitida no dia 2 de maio por meio do Serviço de Informação do Vaticano, "o Santo Padre removeu Dom William M. Morris do cuidado pastoral da diocese de Toowoomba, Austrália".
No dia 5 de maio, os padres e líderes pastorais são convocados para uma reunião só para convidados na Catedral de St. Patrick para decidir como expressar um apoio adicional a Dom Morris. Decide-se que as paróquias iriam contar as pessoas em todas as missas para registrar qualquer possível declínio. Além disso, seriam colocados livros para que as pessoas escrevessem mensagens de apoio a Dom Morris.
Além disso, "cuidado e apoio profissionais" são oferecidos "para padres e pessoas que possam estar profundamente atribulados com esses desdobramentos e que possam estar sofrendo profundamente com a remoção de Dom Morris".
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Novo documento revela anos de esforços do Vaticano para demitir bispo australiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU