09 Mai 2011
A assembleia geral da Cáritas Internacional do final de maio está se configurando como um momento decisivo para a confederação de 165 organizações de caridade católicas nacionais, em um momento em que o Vaticano está insistindo em um controle maior sobre as operações da Cáritas.
A reportagem é de John Thavis, publicada no sítio Catholic News Service, 06-05-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
A agenda da reunião dos dias 22 a 27 de maio reflete os movimentos do Vaticano para uma colaboração e supervisão mais estreitas: em todo o primeiro dia de trabalho, quatro autoridades do Vaticano falarão sobre os temas cruciais da identidade católica e do estatuto jurídico da Caritas Internationalis na Igreja universal.
Em seguida, os novos estatutos para a organização, elaborados por uma equipe de trabalho da Santa Sé e da Caritas Internationalis, vão ser revistos – estatutos que, de acordo com representantes da Cáritas, os obrigariam a consultar a Santa Sé antes de tomar certas decisões e que reconheceriam a autoridade da Santa Sé sobre assuntos financeiros e de pessoal da Cáritas.
As mudanças não vêm sem tensão, mas fontes do Vaticano disseram que, em recentes conversas com altos funcionários da Caritas Internationalis, a atmosfera melhorou muito e que houve "um grande nível de cooperação". Eles enfatizaram que o Vaticano continua muito favorável à Cáritas e aprecia o papel fundamental que ela desempenha na promoção do ensino social da Igreja e na ajuda aos necessitados.
O movimento do Vaticano em direção à participação nas estruturas de governo da Caritas Internationalis, a organização de ajuda mundial e de organização de desenvolvimento da Igreja, é motivada em parte pelo alto nível público da organização.
"A Caritas Internationalis, como entidade pública da Igreja, está autorizada a falar e a agir em nome da Igreja no foro internacional. Por causa desse direito e dever, ela precisa falar a linguagem da Igreja e certificar-se de que as suas atividades e seus acordos com agências não católicas reflitam o que a Igreja ensina", disse uma autoridade do Vaticano.
O Vaticano, reconhecendo que a Caritas Internationalis é uma confederação de organizações de caridade locais independentes que dependem dos bispos locais, também quer que os bispos se envolvam mais diretamente na supervisão e na colaboração.
Independente do seu diálogo permanente com a Caritas Internationalis, o Vaticano está dando uma maior atenção às atividades de caridade da Igreja em geral.
Novo documento
A Catholic News Service tomou conhecimento de que o Vaticano está estudando um esboço de documento sobre o papel e a responsabilidade dos bispos com relação às organizações de caridade da Igreja. O esboço foi preparado pelo Pontifício Conselho Cor Unum e está sendo revisado pela Congregação para a Doutrina da Fé e por outras agências do Vaticano.
São esperadas mudanças para o texto, e sua publicação não será iminente, em parte porque ele toca em questões complicadas, disseram as fontes. Mas o projeto é uma indicação do crescente interesse do Vaticano na promoção de uma identidade católica mais clara nas atividades de caridade da Igreja em todos os níveis.
A preocupação do Vaticano também se reflete na sua própria relação com as agências internacionais. Fontes disseram que, por exemplo, nos últimos meses, o Vaticano suspendeu, pelo menos temporariamente, as contribuições para certas agências da ONU que lidam com os refugiados, os povos indígenas e o desarmamento.
As contribuições do Vaticano no passado não eram grandes, mas eram vistas como um gesto simbólico de apoio. A nova política, aparentemente, é uma consequência da inquietação do Vaticano com relação a antigos desentendimentos com as Nações Unidas em questões como o aborto, o controle populacional e a família.
Discordâncias
O debate sobre a Caritas Internationalis se tornou público em fevereiro, quando surgiram notícias de que as autoridades do Vaticano haviam impedido que a secretária-geral da organização, Lesley-Anne Knight, assumisse um segundo mandato de quatro anos. O Vaticano reteve a aprovação, ou "nihil obstat" (nada obsta), quando ela apresentou o seu nome como candidata para continuar no cargo.
As autoridades da Cáritas, citando as realizações de Knight, lamentaram profundamente a decisão do Vaticano e pediram que o secretário de Estado do Vaticano, o cardeal Tarcisio Bertone, reconsiderasse a questão – mas sem sucesso. A medida foi vista como um sinal de que a Secretaria de Estado estava assumindo um papel muito mais direto nas operações da Cáritas do que no passado.
Fontes do Vaticano não contestaram a medida, mas afirmaram que a saída de Knight foi uma injustiça. Elas disseram que Knight era uma gestora com um contrato de quatro anos, e que o compromisso do Vaticano para com ela termina com a expiração do seu contrato em maio.
Nas últimas semanas, enquanto as autoridades da Cáritas e do Vaticano se reuniram para preparar a assembleia geral, houve um esforço para superar essa questão e abandonar a retórica. Como resultado, disse uma fonte, tem havido um grande progresso no sentido de encontrar um campo comum.
Três candidatos para substituir Knight como secretário-geral receberam o "nihil obstat" do Vaticano e vão se apresentar para a eleição por parte dos membros da confederação, disseram as fontes. São eles:
Quem for eleito terá que lidar com o estabelecimento de uma nova relação com as autoridades do Vaticano, que envolve um maior diálogo e cooperação com a Santa Sé, como os especialistas do Vaticano disseram. Na sua opinião, a Caritas Internationalis precisa entender que, como uma "entidade jurídica pública" da Igreja – um status atribuído à Cáritas em 2004 –, ela funciona sob a administração do Vaticano.
Supervisão
As implicações desse status foram objeto de conversas entre a Cáritas Internacional e a Secretaria de Estado e seus respectivos especialistas em direito canônico. Há um ano, a Cáritas submeteu ao Vaticano um novo conjunto de estatutos, e as duas partes iniciaram conversações sobre a revisão e a adaptação das regras canônicas que se aplicam a essas entidades. Elas ainda estão discutindo os detalhes, mas as autoridades da Cáritas dizem que é claro que a palavra final pertence à Santa Sé.
As autoridades do Vaticano destacaram que a maior supervisão do Vaticano prevista pelos novos estatutos corresponde às disposições do direito canônico que regulam as entidades jurídicas públicas da Igreja, incluindo a administração de seus bens temporais.
De certa forma, as questões legais e estruturais fervem em diferentes pontos de ênfase. Como comentou uma autoridade do Vaticano: "A Caritas Internationalis não é um tipo de democracia internacional". As organizações locais da Cáritas dependem das dioceses locais, disse, e os "verdadeiros acionistas" da Cáritas são os bispos e o papa.
As autoridades da Cáritas reconhecem isso, mas dizem que a estrutura da Cáritas nunca foi de cima de baixo.
"Esta é uma confederação, e os princípios de autonomia e subsidiariedade precisam funcionar", disse uma fonte.
As autoridades do Vaticano disseram que o novo estatuto vai respeitar esses princípios, e que esse ponto será explicado e esclarecido na assembleia geral.
Parcerias
Nos últimos anos, o Vaticano tem estado particularmente preocupado com algumas iniciativas de cooperação e acordos de trabalho que a Caritas Internationalis fez com a ONU e com outras agências internacionais, dos quais nem todos compartilham as perspectivas morais da Igreja.
Por exemplo, em 2009, a Cáritas Internacional e a Embaixada dos EUA no Vaticano copromoveram uma conferência em Roma sobre as parcerias Igreja-Estado no combate ao HIV e à Aids. Entre os palestrantes, Michel Sidibé, diretor-executivo da Unaids, a agência das Nações Unidas que coordena a resposta mundial ao HIV/Aids.
A Caritas Internationalis argumentou que, enquanto a Igreja pode ter algumas diferenças com as Nações Unidas e outras organizações na sua abordagem à Aids, é importante manter os canais de cooperação abertos e se certificar de que a Igreja tenha "um lugar à mesa" quando as políticas internacionais sobre Aids são discutidas.
As autoridades do Vaticano também criticaram alguns documentos e publicações políticos da Caritas Internationalis. Um documento de 2006 sobre estratégias de gênero, em sua opinião, adotou a terminologia carregada ou ambígua de "política de gênero", ao invés de expressar o ensino da Igreja. As autoridades da Cáritas, que concordaram com algumas das objeções, disseram que o documento ofensivo foi rapidamente retirado de circulação.
Uma preocupação relacionada é que os documentos políticos da Cáritas, quando feito com competência, são muitas vezes vistos erroneamente como pronunciamentos oficiais do magistério da Igreja. A Caritas Internationalis deve promover suas posições políticas sobre questões econômicas ou políticas de uma forma que seja "não dogmática", disse uma autoridade do Vaticano.
As autoridades da Cáritas disseram, no entanto, que a organização tem sido cuidadosa ao consultar o Vaticano sobre tais questões. Elas disseram que o único documento de orientação política publicado nos últimos quatro anos foi um sobre justiça climática, que foi submetido à Secretaria de Estado para revisão mais de um ano antes de sua publicação.
O novo esboço dos estatutos aborda essa questão, estabelecendo um mecanismo formal de consulta entre a Cáritas Internationalis e o Vaticano sobre documentos de defesa e de posicionamento.
Sobre o tema muito discutido da "identidade católica", o Vaticano disse que não estava pedindo que a Cáritas faça "proselitismo" na realização do seu trabalho de caridade em todo o mundo, mas sim que sempre use uma linguagem que reflita o ensino da Igreja acerca da pessoa humana. As autoridades da Cáritas concordaram, mas disseram que isso já estava sendo feito, apontando para o documento de 2010 sobre justiça climática como exemplo.
A questão da identidade também está relacionada com a forma como a Cáritas entende o seu lugar na Igreja universal – a "dimensão teológica" que as autoridades do Vaticano dizem que foi um pouco negligenciada no passado, mas que assumirá o centro do palco no início da próxima assembleia geral.
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Vaticano pressiona Cáritas em sua "identidade católica" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU