13 Abril 2011
Silvio Marchini é graduado em Ciências Biológicas pela Universidade de São Paulo e mestre em Ecologia pela University of Missouri System, nos Estados Unidos. É doutorando em Conservação da Vida Silvestre pela University Of Oxford neste mesmo país. É membro da Fundação Ecológica Cristalino, à qual a Escola da Amazônia pertence. É diretor científico da Associação Ecológica Turismo Sustentável. É autor de Guia de Convivência Gente e Onças (Piracicaba: Amazonarium, 2009).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – O que é a Escola da Amazônia? O senhor pode nos falar sobre a criação e a idealização dela?
Silvio Marchini – A Escola da Amazônia é um projeto que criei em 2002 em parceria com Vitória da Riva, em Alta Floresta, no norte do Mato Grosso. É um projeto que objetiva informar e sensibilizar a sociedade, principalmente estudantes e educadores, sobre os problemas socioeconômicos e ambientais da Amazônia.
Antes de criar a Escola da Amazônia, fui diretor acadêmico de um programa de estudos para universitários americanos em uma organização reconhecida pelas universidades do país que mantém programas para universitários no mundo todo. Os estudantes vinham para o Brasil passar um semestre morando em casas de família e estudando um pouco de tudo que era relevante para o desenvolvimento socioeconômico e para a conservação na Amazônia. Nós passávamos um mês viajando pela região toda, visitando desde madeireiras em Paragominas, no Pará até a hidrelétrica de Tucuruí, navegávamos pelo Rio Tapajós... Estes estudantes ficavam morando em casas de caboclos ribeirinhos por quatro, cinco dias e depois voltavam para a cidade de Belém, que era sede desse programa. Quando estes estudantes voltavam para os seus países, busquei rastrear o que acontecia com eles e descobri que eles acabavam não se envolvendo com o assunto da sustentabilidade, muito menos com a causa da proteção da floresta da Amazônia.
Isso começou a me incomodar e comecei a pensar e a buscar maneiras de oferecer essa oportunidade incrível de conhecer a Amazônia de uma forma não turística, mas mais aprofundada para jovens brasileiros também. Aí eu criei uma empresa chamada Amazonarium no ano 2000, que tinha como objetivo facilitar de pessoas, principalmente estudantes, a conhecer a Amazônia. Depois, conheci a Vitória e nós resolvemos unir forças e criar um projeto específico para levar estudantes até a Amazônia. Também montamos um programa que visa apresentar a floresta para as crianças, principalmente àquelas que vivem na fronteira agrícola da Amazônia. São principalmente filhos de migrantes do sul, que, apesar de viverem na Amazônia, não conhecem a floresta. Essa foi a motivação de criar a Escola da Amazônia. Nós juntamos as forças, criamos a escola em 2002 e desde então nós estamos cumprindo essa missão de mostrar a floresta amazônica para as crianças e jovens do Brasil.
IHU On-Line – Como a escola se insere no cotidiano da população da Amazônia?
Silvio Marchini – A Escola da Amazônia tem dois componentes fundamentais: uma voltada para aqueles que moram fora da região. Para estes nós temos essa expedição ao longo da fronteira, uma viagem que começa em Cuiabá e vai subindo pela a rodovia e aos participantes há a oportunidade de ver in loco como a floresta foi sendo transformada em pasto, plantação de soja e como essa fronteira agrícola vai se movendo à custa da destruição das florestas.
O outro componente está voltado à comunidade do município de Alta Floresta e de Novo Mundo, que são os município que formam o entorno do Parque Estadual Cristalino. Nesse caso, a Escola tem como foco a integração com as escolas locais. Nós estamos tentando incorporar a temática da conservação, principalmente a criação de estabelecimentos de áreas protegidas no currículo das escolas locais, com foco nas escolas rurais. Então, nossa integração com a comunidade é principalmente por meio da escola, da escola local, da escola rural, da escola pública.
IHU On-Line – Você é autor de um guia de convivência entre homens e onças. Como podemos entender as relações entre gente e vida silvestre?
Silvio Marchini – Existem muitas abordagens para se entender essa relação. Tenho discutido a partir de uma abordagem que congrega temas como a psicologia evolutiva, baseada na nossa resposta instintiva à natureza, até uma abordagem da psicologia social com foco no comportamento humano, como entendê-lo, que o comportamento humano é determinado por atitudes, por sentimentos e também por normas sociais. As pessoas agem nem sempre de maneira estritamente racional; elas são movidas pela emoção e é importante conhecer essas emoções. As pessoas agem também no sentido da aprovação social e de evitar a reprovação social.
Se todo mundo faz, a pessoa faz também, é o efeito “Maria vai com as outras”; são aspectos do comportamento humano que têm sido pouco explorados pelos conservacionistas. Os conservacionistas têm focado muito na racionalidade, na cognição, o que as pessoas sabem, no conhecimento tradicional. Mas as pessoas não agem só com base na racionalidade. É importante conhecer esses vários fatores que podem determinar a relação, o comportamento específico, por exemplo, de matar a onça ou, por outro lado, ter um comportamento de apoiar a conservação da onça e capitalizar em cima desses fatores que são mais relevantes, explorá-los e aumentar a importância deles quando for benéfico ou tentar prevenir que eles se manifestem.
Isso pode ser feito por meio de várias abordagens e o foco de meu trabalho tem sido a abordagem da educação e da comunicação. E o Guia de Convivência Gente & Onças se encaixa dentro dessa abordagem, de comunicar ao público envolvido com os conflitos, a importância de se conservar a onça e despertar o interesse e o apego a esses animais.
IHU On-Line – Quais os principais erros que existem no relacionamento do homem com a floresta?
Silvio Marchini – Isso é muito subjetivo. Ele não é correto nem bom de uma forma universal. O homem é correto dentro da percepção de alguns setores da sociedade e incorreto para outros; existe essa subjetividade. Ela não oferece respostas definitivas para todos os problemas ambientais. Para alguns sim, mas para outros não. Para estes, existe esse componente subjetivo. E acaba, na verdade, sendo um problema político, que a ciência não resolve.
A ética que diz o que é errado, o que é certo, é subjetiva, varia de pessoa para pessoa, varia de sociedade para sociedade, varia com o tempo. A relação homem/natureza acaba, no final, sendo uma questão ética. A crise ambiental acaba sendo uma crise de valores morais e de valores éticos, e o ambientalismo acaba sendo um movimento de disseminar valores éticos de um grupo social, de um segmento social para outros. Na verdade, não existe certo ou errado, o que existem são preferências baseadas muito mais em estética, em ética, em o que nós gostamos ou não em relação à natureza.
IHU On-Line – Você afirmou que o comportamento humano em relação às florestas é influenciado por fatores genéticos, pessoais, sociais e culturais. Como esses fatores se apresentam?
Silvio Marchini – Existem várias perspectivas. Sempre falo da perspectiva da biofilia, uma teoria que propõe que a evolução teria selecionado no ser humano um sentimento inato de afinidade com a natureza. O termo biofilia sugere que existe um amor inato pela natureza, que a natureza humana seria essencialmente benevolente ao mundo biológico, mas as evidências até hoje são de que o que é geneticamente determinado, que é realmente evolutivo, é uma curiosidade pela natureza.
Há uma tendência em focar nossa atenção para alguns elementos da natureza. Porém, se essa tendência, essa curiosidade, se traduz em amor e cuidado pela natureza ou, em outros casos, em ódio e agressão a ela, dependerá principalmente das experiências que a pessoa tem ao longo da vida, do que ela aprende ao longo da vida. Embora existam algumas evidências de que fatores genéticos determinam nossa relação com a natureza, o que nós aprendemos e experimentamos, as nossas cognições, os nossos sentimentos são muito mais importantes; eles determinam de forma muito mais direta a maneira que nós nos relacionamos com a natureza.
IHU On-Line – Quais as principais exigências que teremos que cumprir para garantir o futuro sustentável da Amazônia?
Silvio Marchini – São muitas. Algumas já estão sendo bem feitas, como a criação de áreas protegidas e também a abordagem econômica de se criar mecanismos para a floresta mais rentável, mais valiosa. O que está faltando agora é prestar atenção para outros fatores que podem contribuir e ajudar a aumentar a eficiência, ou seja, atentar para o poder dessas abordagens legais e econômicas a fim de se proteger a floresta. E esses outros fatores são os fatores pessoais, o foco no indivíduo, na pessoa, o que ela sabe, o que ela pensa, o que ela sente, os fatores sociais, as motivações estéticas e éticas para se proteger a floresta.
É preciso gostar das florestas para protegê-las, é preciso acreditar que proteger a floresta é algo certo, moralmente correto. E quando nós juntarmos todas essas forças de lei, de dinheiro e também essas motivações emocionais, sentimentais, espirituais, estéticas e éticas, vamos ter uma perspectiva bem melhor de um futuro sustentável para a floresta amazônica.
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Escola da Amazônia. Uma experiência de amor à floresta. Entrevista especial com Silvio Marchini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU