20 Março 2011
A geração nascida nos anos 90 se integrou à legião de homens quase nômades que vagueiam pela Amazônia há três décadas em busca de emprego temporário em grandes obras e garimpos.
A reportagem é de Leonencio Nossa e publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 21-03-2011.
O encontro dos trabalhadores nascidos durante o período conturbado dos governos Fernando Collor (1990-1992) e Itamar Franco (1992-1994) com os "blefados" que estiveram em Serra Pelada - e não acharam ouro - e nas obras de Balbina e Tucuruí ocorre agora, nos alojamentos da usina hidrelétrica de Jirau, em Rondônia.
Como no passado, os jovens dos canteiros de grandes obras vêm de cidades sem escolas de qualidade e cursos de profissionalização. Eles, porém, são do tempo da universalização do ensino e das febres das lan houses e do celular pré-pago. Ligados de alguma forma ao "mundo" de jovens de outras classes sociais e lugares por meio da web e do telefone, esbanjam demonstrações de personalidade e consciência de seus direitos.
Muitos deles registraram com os celulares pessoais as imagens do quebra-quebra da semana passada nos alojamentos do rio Madeira para "provar" que não tinham de pagar pelos danos.
"Fotografei muita coisa que ocorreu lá dentro no meu celular", conta o operário José Wilson dos Santos, 21 anos, de boné, bermudão e piercing no rosto. De Igarapé do Meio, cidade de dez mil habitantes da Baixada Maranhense, ele viveu a infância nos tempos de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) e a adolescência à época de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). A pobreza lá, diz, caiu bastante, mas falta alternativa de renda.
Foi nos primeiros dias de mandato de Dilma Rousseff, em janeiro, que ele entrou num ônibus com destino a Rondônia, para tentar emprego nas obras de Jirau. A viagem durou três dias e duas noites. Conseguiu contrato para ganhar R$ 4,55 por hora. Com extras e jornadas das 7 horas às 23 horas, retirou R$ 1.100 em fevereiro.
Na sexta-feira, após ser surpreendido pelo quebra-quebra nos alojamentos da Camargo Corrêa, José Wilson era o líder de um grupo de 50 homens que bloquearam a BR-364, num trecho próximo às obras, a 70 quilômetros de Porto Velho, para exigir transporte até a capital. "Aqui não tem cabeça. É tudo peão que quer voltar para casa."
A diferença dos "peões" dos anos 90 em relação aos demais é nítida na postura firme e no orgulho de se vestir bem. "Não gosto de desvalorizar ninguém, mas é bom demais andar assim", diz Dabson Bernardes Ferreira, 20 anos, de Breu Branco, no Pará, vestido com camiseta vermelha com estrelas, calça jeans justa, tênis, colar de metal com a letra "D", brinco, pulseira e cabelos bem cortados. "Se eu pudesse, não botava macacão. Iria desse jeito para a obra."
Dabson chegou a cursar a oitava série do ensino fundamental. A universalização do ensino garantiu que o jovem tivesse cinco anos a mais de estudo que o pai, um boiadeiro baiano que, nos anos 80, foi tentar a vida no corte de madeira em Breu Branco, cidade hoje com 50 mil habitantes e que se expandiu com as obras da hidrelétrica de Tucuruí. A necessidade de sobrevivência e o espírito de aventura estão presentes no filho. "Estou aqui em Rondônia para conhecer outra cidade", conta. "Mas vim também porque me desentendi com meu pai." Dabson diz que brigou ao ver o pai "falando coisas que não devia" à mãe. "O velho também não me dava liberdade."
No ginásio do Sesi, onde ficou alojado desde o quebra-quebra em Jirau, Dabson só lamentou a perda de um computador portátil, comprado a prestações - só termina de pagar no fim do ano. "Em Jirau, eu tinha um modem. Saía do trabalho às 11 da noite e ficava até às 3 da manhã baixando jogos e filmes, vendo Orkut", diz. "Fico agoniado sem computador. Não aguento mais", diz, num lugar entupido de homens reclamando da comida, do colchão fino e da falta de água.
Vaidade
Desde janeiro em Rondônia, Antônio Carlos Pereira, 19 anos, paraense "legítimo", como se apresenta, diz orgulhoso que se casou. "Não deixei nada para trás. Tem um mês que eu sou casado com a Naiany", conta. Naiany, de 21 anos, trabalha na Soparia Fim de Tarde, no centro de Porto Velho. Os dois se conheceram na Papo de Esquina, uma casa de ritmos para gostos bem diferentes - dance, hip hop, música eletrônica e sertaneja. Antônio assume a vaidade. "Nunca disse que sou mais do que alguém. Meus colegas me conhecem. Mas nessa parte de roupa, ah, velho, eu não minto. Só saio legal", diz.
Wesley dos Santos, 18 anos, outro operário de Breu Branco, diz que não conseguiu passar do "rala-rala" com as meninas nas boates de Porto Velho."Namoro fica difícil quando se trabalha no mato e só se sai no fim de semana", diz. Ele conseguiu um emprego para a mãe numa cantina do canteiro. "Perdi minhas roupas porque, na hora, só pensei em tirar minha mãe da confusão."
Ele lamenta ter perdido mochila com roupas coloridas e o tênis que usava nos finais de semana na Dimpo, boate de música eletrônica - e que consumiam boa parte do salário de R$ 1.100. "Estava de uniforme no dia do incêndio. Estou vestindo agora roupa de um colega", diz. Conseguiu salvar anéis, pulseira, colar e brinco. "Passei a usar brinco aqui. Se usasse no Pará, o velho cortava a minha orelha."
A universalização do ensino e a proliferação da internet foram avanços significativos no Pará, mas não o suficiente para Wesley, primeiro grau completo, se integrar ao mercado de trabalho no Estado.
Sem especialização, ele não conseguiu vaga nas empresas de mineração, serviços e transportes que investem no Pará. "O sol de Rondônia é horrível. Vou passar um tempo em casa. Dependo da usina de Belo Monte", diz. Antes de perder o celular no incêndio em Jirau, ele recebeu telefonema de parente informando que um contratador de operários apareceu em Breu Branco perguntando quem queria ir para Altamira, onde o governo pretende construir a hidrelétrica no rio Xingu.
O piauiense Antônio Silva, 20 anos, de Madeiro, cidade de 7 mil moradores, demonstra a mesma vaidade e disposição de ter um salário dos demais jovens alojados no Sesi. O pai está sem trabalho. A mãe, que trabalha de servente de colégio, sustenta a casa. "Eu ia terminar neste ano o ensino médio, mas aí vim para cá", diz. "Aqui é muito diferente do que falaram."
Antes de sair do alojamento em meio às chamas, tinha recebido o salário pelo primeiro mês de trabalho. Dos R$ 600 recebidos, enviou R$ 400 para a mãe. "Só gastei com algumas coisinhas, porque aqui tudo é caro. Mas no Piauí eu não recebo um salário assim", afirma. "Vou para casa porque o alojamento foi queimado, mas eu volto."
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Jovem de jirau usa brinco e laptop - Instituto Humanitas Unisinos - IHU