20 Março 2011
O incêndio nos alojamentos da construção da hidrelétrica de Jirau, no rio Madeira, na semana passada, resultou numa fuga desesperada de boa parte dos 20 mil operários para o centro da capital de Rondônia. A pé, na carroceria de caminhões ou nos poucos ônibus disponibilizados pelas empresas Camargo Corrêa, Enesa e Jauru, eles percorreram cinco quilômetros de uma estrada de terra que liga o canteiro de obras ao povoado de Nova Mutum e, dali, mais 72 quilômetros até o centro de Porto Velho.
A reportagem é de Leonencio Nossa e publicada pelo jornal O Estado de S.Paulo, 20-03-2011.
A legião de operários não coube nas pousadas e pequenos hotéis da cidade. Eles foram alojados no ginásio do Sesi, nas casas de show Forasteiro, Caipirão e Nautilue e em uma clínica médica desativada. No prédio da clínica Ameron, os operários reclamavam que não havia chuveiro e o café era limitado. Muitos deles, na fuga, deixaram para trás roupas e calçados.
O maranhense Ariston Rodrigues de Oliveira, 48 anos, da Jauru Engenharia, outro veterano de Serra Pelada, era um dos 150 homens que se espremiam na antiga sala de espera e nos consultórios desativados da clínica. "Só tomei um copo de refrigerante e comi um pão desde que cheguei aqui", reclamou. "O problema maior é se molhar com uma canequinha e não ter roupa para vestir", completa. "Cheguei a retirar algumas roupas do alojamento, mas no caminho aquilo pesou e joguei fora", contou Ariston.
Em nota, a Camargo Corrêa afirmou que alojou 7,5 mil operários nas casas de show e no ginásio do Sesi. "Os profissionais estão sendo recebidos com alimentação, água, kits de higiene pessoal e colchões. O grande contingente de funcionários forma fila em alguns momentos, mas está garantido o atendimento de todos", destaca o comunicado da empresa.
Ar condicionado
O maranhense Rafael Mendes Pereira, 20 anos, outro que passou as três últimas noites na clínica de Porto Velho, diz que sente falta das condições dentro do alojamento, com ar-condicionado e camas individuais.
Num discurso para os operários de Jirau, em agosto do ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva destacou que o "ar condicionado" nos alojamentos de Jirau era um avanço nas grandes obras. "Isso demonstra que os trabalhadores vão aprendendo a conquistar seus direitos, os empresários vão aprendendo que é importante que, quanto mais conforto, mais os trabalhadores produzem e assim a gente vai mudando a cara do nosso País", afirmou.
Lula disse à época que os operários se aperfeiçoaram. "Eu tenho esperança de que uma obra destas não vai acabar e deixar parados milhares de trabalhadores, que se aperfeiçoaram, se prepararam. Tem outras grandes hidrelétricas que pretendemos fazer pelo País afora."
Para Rafael Pereira, o mais difícil, na usina de Jirau, era o relacionamento com os seguranças, conhecidos como "cachimbos", e o isolamento no canteiro de obras, na mata, sem transporte fácil para ir a Porto Velho.
"O problema era ficar num lugar longe de tudo, gastando o dinheiro que eu queria levar para casa e ouvindo desaforos de encarregados", afirma.
Rafael faturava com horas extras R$ 1 mil por mês, sem os descontos em farmácias e lanchonetes. Ele costumava entrar no trabalho às 7 horas e, com horas extras, largar às 23 horas.
"Só parava uma hora para comer. Estava incluído o tempo que eu ficava na fila sendo empurrado por seguranças e do trajeto de ônibus da obra até o refeitório", diz. Desde que foi recrutado em Imperatriz, há dez meses, o operário não passou por cursos de capacitação.
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Ar-refrigerado e desaforos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU