15 Março 2011
O terremoto e o tsunami no Japão “despertam outras inseguranças”, advertiu a doutora em Psicologia e professora da Universidade de Buenos Aires, Débora Tajer. “Está dizendo que não há vida garantida. A morte de um jovem de 17 anos de uma favela pela Polícia de Buenos Aires é uma morte previsível. Mas centenas ou milhares de japoneses que trabalham na Sony, não. A eles não pode acontecer nada, é a ideia que está no imaginário social e que agora cai por terra”, assinalou na reportagem ao Página/12.
Ex-coordenadora geral da Associação Latino-americana de Medicina Social, Tajer analisou os temores que a ameaça de uma catástrofe nuclear pode produzir e as mensagens que o drama japonês deixa, e, ao mesmo tempo, propõe que a tragédia sirva para “rever o padrão de produtividade e seus ideais”, com a finalidade de determinar o que é “humanamente possível de fazer” para salvar o planeta. Também questionou o modo “amarelista” como certos noticiários de televisão informaram sobre o caso. “Não pensam que seus próprios familiares estão do outro lado da tela quando informam. Estão mais preocupados com a criação da notícia do que com a transmissão da realidade”, considerou.
A entrevista é de Mariana Carbajal e está publicada no jornal Página/12, 15-03-2011. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Que efeitos pode ter no imaginário social a ideia de um possível desastre nuclear em decorrência do tsunami e do terremoto ocorridos no Japão?
Despertou-se uma ameaça que estava adormecida, vincula à Guerra Fria. Apareceu um fantasma que esteve vigente a mais de 20 anos atrás: a ideia de uma explosão nuclear. Recordemos que havia associações antinucleares. Mas, ao mesmo tempo, estamos vendo nestes dias que estão vindo à tona questões que não estavam postas no primeiro plano. Por exemplo, o fato de que um país como o Japão produz a maior parte de sua energia a partir de usinas nucleares, quando tem um alto risco sísmico e também se trata de um país que consome muitíssima energia, e ninguém discute isso. Vemos que há um modelo sensacionalista de meios de comunicação, que pretende assustar todo o mundo, mas sem colocar o foco sobre a questão de que é preciso começar a revisar o modelo de produção. Parte do que está acontecendo é que as pessoas sentem que não podem fazer nada, mas na realidade podem rever o padrão de produtividade e seus ideais. Por outro lado, despertou em muitas pessoas o temor dos tsunamis, porque este tipo de fenômeno confirma que o homem, a humanidade, não acabou dominando a natureza. Pode-se fazer construções antiterremotos, mas frente a um tsunami não há escapatória. Esta é a mensagem: nem sequer o país mais previsível e com um PIB altíssimo é capaz de se proteger.
E diante deste cenário, o que sugere?
Há uma década me coube viver um terremoto na Nicarágua. Foi uma réplica de um que havia ocorrido em El Salvador. Me assustei muito. Quando volte para a Argentina, perguntei a um amigo que havia vivido muitos anos na Nicarágua como havia podido viver em um país com risco sísmico, algo que a mim seria impossível. Ele me respondeu: “Te acostumarás, da mesma maneira que na Argentina de acostumas com a inflação ou a instabilidade econômica”. Está vindo à tona, para muitos que o desconhecíamos, que na realidade há muitos países que vivem com terremotos. Cada sociedade tem suas previsibilidades e suas imprevisibilidades.
O fato de ter visto a catástrofe quase ao vivo produz outro impacto?
Ficou evidente que os japoneses filmam tudo, inclusive sua própria desgraça. Ver as imagens quase como se fosse um reality show acrescenta dramatismo. Se te dizem que morreram 20 pessoas e não as viste, talvez não te comovas muito. Se as vês, a coisa muda. A morte é abstrata, mas se alguém morre ao teu lado, é diferente. Há um livro de Judith Butler em que ela reflete sobre as mortes significativas e pontua as diferenças entre as mortes causadas pela queda das Torres Gêmeas e aquelas provocadas pela guerra no Iraque. Há mortes que importam mais que outras. Para certos setores sociais, as de centenas de japoneses, pessoas ordenadas, produtivas, cujo estilo de vida é mostrado como desejável pelo previsível, seguramente valem mais que aquelas que possam ser produzidas no Sudão. Essas mortes impactam mais porque irrompem onde ninguém teria esperado. A notícia, então, sacode mais.
Este cenário pode despertar outros temores na sociedade?
Este acontecimento desperta outras inseguranças. Está dizendo que não há garantias, que não há vida garantida. A morte de um jovem de 17 anos de uma favela pela polícia de Buenos Aires é uma morte previsível. Mas centenas ou milhares de japoneses que trabalham na Sony, não. A eles não pode acontecer nada, é a ideia que está no imaginário social.
Mas se digere como um cenário muito afastado de nossas vidas, dado que ocorre no outro lado do planeta?
Depende para quem. Aqueles que aspiram a ser como um japonês, por seu nível de vida, podem sentir que ninguém se salva. Salvando as distâncias, é como os assaltos nas countries, que mostram que nem sequer atrás das cercas eletrificadas ou do muro de cinco metros há “segurança”. A mensagem, para muitos, é que é impossível escapar da insegurança da vida humana.
Retomemos a questão da ameaça nuclear: para que pode servir a ‘plantação’ do tema nos meios de comunicação?
A ameaça nuclear coloca no cenário que caso não se resolver certos problemas, realmente o planeta não se salva. O planeta somos todos. É como se agora estivéssemos em um submarino, onde para nos salvar temos que nos unir ao inimigo. Outro dos fantasmas que despertaram é que se pode sair de casa de manhã e não voltar mais.
Como analisa as coberturas dos noticiários televisivos?
Fica evidente que alguns meios não tomam algumas coisas como sagradas. Estão muito amarelados. Não se importam com as pessoas. Não pensam que seus próprios familiares podem estar do outro lado da tela quando transmitem a informação. Estão mais preocupados com a criação da notícia do que com a transmissão da realidade.
Refere-se ao fato de musicalizarem as imagens para dar maior dramatismo ou por editarem as imagens em forma de videoclip?
Sim.
Que objetivos acredita que estão perseguindo?
Vender. Finalmente, é o mesmo objetivo que o Japão tem na hora de privilegiar a energia nuclear: produzir mais, ligar mais luzes, ter prédios mais altos. Alguns meios de comunicação vendem até sua própria mãe sem nenhum problema. Lembro de quando houve a epidemia da gripe A. Mirtha Legrand trazia à sua mesa especialistas que falavam de medidas de prevenção e ela mesma lavava as mãos diante das câmaras com álcool em gel, mas ao mesmo tempo veiculada publicidade de antigripais, e justamente um aspecto que se colocou em debate nesse momento, por conta da doença, foi o problema do excesso de automedicação com antigripais. Falta responsabilidade em alguns veículos de comunicação. Não fazem dialogar informações que entram em contradição. Enviam ao ar informação que beira a indefesa, que te impacta tanto que te deixa paralisado. Isso é terrível. Quando se pode agir, as coisas mudam. Vimos isso quando as pessoas saíram às ruas na crise de 2001. Ficar em casa olhando com temor se o mundo explode é o contrário de colocar-se a ver o que é humanamente possível de ser feito.
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"Despertou-se uma ameaça adormecida’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU