09 Março 2011
Muhamad Yunus é, dependendo de como se olhe, "um líder capaz de transformar suas visões em ações práticas que ajudam milhares de pessoas" ou "um corrupto que cobra taxas altíssimas de juros aos clientes de seu banco e usa práticas agressivas, além de violar as leis". A primeira citação é do comitê norueguês que lhe concedeu o Nobel da Paz em 2006. A segunda, do governo do seu país.
A reportagem é de Luis Doncel e publicada pelo El País, 06-03-2011 A tradução é do Cepat.
O enfrentamento entre a primeira ministra de Bangladesh e o homem que tornou possível que oito milhões de famílias tenham acesso ao microcrédito se tornou pública na semana passada com sua destituição como diretor executivo do Banco Grameen. Os papéis do Departamento de Estado filtrados por Wikileaks dão detalhes da dispusta entre o bengalês mais popular do mundo e as estruturas de poder do seu país. Uma batalha que ainda não se sabe quem ganhará, já que Yunus manifestou vontade de continuar à frente do banco que criou faz três décadas.
"A primeira ministra, Sheikh Hasina, e a ministra de Assuntos exteriores, Dipu Moni, lhe acusam de estar envolvido em práticas corruptas, porém acreditamos que o mais provável da disputa esteja ligado aos vínculos que Yunus estabeleceu com o governo anterior e a sua intenção de entrar na política", diz o embaixador dos EUA em Dhaka [capital]. "Ninguém pode escapar da política em Bangladesh", diz o documento confidencial.
O governo justificou a "demissão imediata" do banqueiro dos pobres de 71 anos por sua adiantada idade e por detalhes técnicos sobre sua nomeação. Mas muitos consideram, entretanto, que o fato está relacionado às provocações que levanta sobre a casta política baseada na sucessão dinástica e na corrupção. O fundador do Banco Grameen tem ainda problemas fora de casa. Um documentário da televisão norueguesa acusa a entidade de desviar 72 milhões de euros doados por Oslo para a concessão de microcréditos. O governo esclareceu depois que ninguém havia roubado ou feito mau uso do mesmo. Em que pese que nenhum observador independente tenha posto em dúvida a honestidade de Yunus, surgem vozes que questionam algumas propostas de seu modelo para sair da pobreza.
O conflito remonta a 2007, quando os militares respaldaram o governo provisório de emergência e sondaram Yunus para criar uma força política à margem das que têm comandado o país desde sua independência em 1971. Yunus flertou com a ideia: "Não há nada que me deixe fora da política", disse à época, mas, segundo dizem os diplomatas americanos, em pouco tempo se deu conta que o melhor para ele seria ficar no banco e distante da luta pelo poder.
"Ficou claro que o governo que se formou em dezembro de 2008 não estava interessado em ajudar o professor Yunus", escreveu o embaixador depois de comprovar as dificuldades interposta pela primeira ministra aos projetos do banco.
Consciente de que a tensão com os governantes poderia colocar em perigo sua obra de tantos anos, o Prêmio Nobel pediu para a diplomacia americana que mediasse o conflito. Em uma reunião da embaixada, a líger bengalês garantiu em que pese a falta de juízo de Yunus ao demonstrar apoio aos militares que comandaram o país entre 2007 e 2008, que não pensava em prejudicá-lo. "Apesar de não trabalharmos juntos, não nos confrontaremos. Faz pouco encontramo-nos os dois na Suécia. Demo-nos as mãos. É nossa tradição familiar", diz Hasina, filha do líder da independência de Bangladesh.
Menos conciliadora se mostrou a ministra de Assuntos Exteriores. Segundo o relato que fez diante do embaixador, Yunus teria violado as leis, como as de auditar as contas do banco. "Muitas pessoas em Bangladesh se entristeceram por saber das práticas corruptas do Nobel. No governo conhecemos o poder que tem graças a sua reputação internacional, e temos mordido a língua muitas vezes enquanto ele acumula elogios", disse Moni.
Yunus desmentiu as acusações diante do embaixador. Depois de destacar seus êxitos: Grameen emprestou 6 bilhões de euros desde a sua fundação, dos quais mais de 95% foram devolvidos, disse que a primeira ministra lhe considera um inimigo que aspira o seu lugar. "É o tipo de pessoa que divide os outros entre os que estão com ela ou contra ela", diz ele.
Nos relatórios que envia para Washington fica evidente que a embaixada americana se inclina em favor do banqueiro dos pobres. Além de elogiar a sinceridade com que fala ou da austeridade do local em que trabalha e recebe as pessoas, o EUA analisa a melhor forma de continuar ajudando-o sem despertar irritação do governo. "É possível que seu maior problema seja o de ter desejado entrar na política", concluem os diplomatas.
O prêmio Nobel solicitou a embaixada dos EUA que pressione a primeira ministra para que dê mais independência para o seu banco, do qual 95% dos investimentos são de prestatários e 5% do governo.
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Bangladesh contra o seu prêmio Nobel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU