25 Fevereiro 2011
Desde que Khadafi implantou seu regime, há 42 anos, foram proscritos os partidos políticos. "Não há oposição organizada dentro das fronteiras. A revolução foi feita pelo povo", assegurou uma voz opositora de Londres.
A reportagem é de Ailín Bullentini, publicada no jornal Página/12, 24-02-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mohammed Ali Abdala tinha quatro anos quando deixou a sua Líbia natal. Seu pai e seus tios, profissionais e professores de Trípoli, foram obrigados a deixar o país por participarem da fundação da Frente Nacional de Salvação da Líbia - FNSL, o primeiro grupo opositor organizado que nasceu no país, em 1981, para discutir com Muammar al Khadafi, que não abandonou o poder desde que o tomou a força em 1969. "Para o regime, ser opositor significava ganhar a morte", disse, por telefone, ao jornal Página/12. Hoje, esse advogado, criado e formado em Londres, é vice-presidente dessa organização.
"Essa informação é secreta", indicou Ali Abdala quando foi consultado sobre a quantidade de membros que formam a FNSL no exterior.
Eis a entrevista.
Longe da Líbia, qual é a função que a FNSL está levando a cabo no marco dos protestos contra o regime de Khadafi?
Da distância que nos separa, estamos trabalhando com as pessoas, com aqueles que viveram na própria carne as revoltas. Dispersos em diferentes países, geramos pontos entre o povo líbio e os meios de comunicação internacionais. Recém agora, com as cidades da fronteira leste da Líbia em poder dos manifestantes, alguns desses meios estão entrando no país, mas a verdade é que é muito perigoso. Então, uma das coisas mais importantes era que as vozes do povo pudessem comunicar ao mundo o que estava acontecendo na Líbia, ao invés de primar pela voz oficialista de Khadafi.
Como as revoltas foram organizadas?
A FNSL não lidera nem idealizou a revolução. Só nos acoplamos a uma campanha que jovens profissionais, docentes e acadêmicos elaboraram inspirados no que ocorreu no Egito. A "Revolução de 17 de fevereiro" foi organizada uma semana depois que os egípcios levaram suas reclamações às ruas. Isto é, três semanas antes que efetivamente estourasse na Líbia. Os focos de protesto não foram muitos, mas só em algumas cidades estratégicas: Benghazi, Derma, AlBayda. O centro, Trípoli, foi o que mais custou ganhar ao povo, mas praticamente já é das pessoas.
Por que essas cidades? São as mais atingidas pelo regime?
Toda a Líbia foi imensamente atingida por Khadafi. A parte rica, os poucos grupos que rodeiam o poder de Khadafi funcionam como se fossem outro país. A cultura líbia está destruída. O sistema educacional está destruído. A infraestrutura do país está destruída. O nível trabalhista é terrível, com uma taxa de desemprego entre 30% e 35%. Trinta por cento da população vive com menos de 200 dólares por mês. Essas são as razões econômicas que empurraram a revolução, mas a principal é de outra índole. A opressão sob a qual o povo vive no governo de Khadafi é insuportável. Não há liberdade de opinião nem de ação. O respeito pelos direitos das pessoas não existe. Toda pessoa que fala conta o governo tem a prisão como destino.
A FNSL conta com alguma sede de onde pode coordenar a ajuda? Quantos são os seus integrantes?
Essa informação é secreta. Estamos nos Estados Unidos, na Europa e em vários países da África, mas é perigoso para nós se tornamos públicos a maneira e o lugar de onde trabalhamos. O que está acontecendo no nosso país é algo pelo qual esperamos e lutamos desde sempre, desde o início da organização. Queremos que a Líbia seja um país democrático, livre. E, para isso, cremos que devemos continuar fazendo as coisas como até agora.
Existem outros opositores com os quais vocês se comunicam?
Não há oposição organizada dentro das fronteiras. Os principais focos estão, como nós, trabalhando do exterior. Estamos tentando coordenar forças para nos unificarmos em um só corpo e, assim, poder oferecer um apoio mais firme ainda para a população que luta nas ruas. Somamo-nos a ex-funcionários do governo, juízes e militares que até agora estiveram do lado do regime e agora se curvaram aos protestos. Mas, definitivamente, repito, não estamos ao mando da revolução.
Qual a possibilidade da queda de Khadafi a partir das revoltas?
O regime ficou sem aliados. Perde poder todo o tempo. Sua queda é iminente.
Quem tomaria o poder no caso de que ele caísse nas próximas horas?
O povo. São eles os donos da revolução, aqueles que sabem que o destino do país deve mudar e aqueles que, efetivamente, sabem como fazer isso. Nós tentaremos ajudá-los, assessorá-lo, não abandoná-los. Daqui de fora, se poderia pensar em um governo de transição, ancorado em uma só pessoa ou em um grupo, uma espécie de comitê. Mas, definitivamente, não poderá ser ninguém de fora do povo.
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Líbia: uma frente opositora forçada ao exílio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU