21 Fevereiro 2011
"Um sacerdócio casado mais abrangente, não restrito a alguns clérigos anglicanos descontentes, seria um passo gigantesco no resgate da confiança de muitíssimos católicos que estão observando, esperando, torcendo por uma renovação substancial daquilo que rapidamente está se tornando uma Igreja moribunda", propõe a teóloga norte-americana.
Phyllis Zagano é professora e pesquisadora na Universidade de Hofstra, Nova York, e autora de vários livros sobre o catolicismo. Seu livro Women & Catholicism [As mulheres e o catolicismo] será publicado pela Palgrave-Macmillan em 2011.). Ela leciona "Introdução às Religiões Ocidentais", "Misticismo e questão espiritual" e "História da Espiritualidade irlandesa".
O artigo foi publicado por National Catholic Reporter, 16-02-2011. A tradução é de Walter O. Schlupp.
Eis o artigo.
O que dói no coração é que ninguém no Vaticano parece saber juntar ponto com ponto. Por maior que seja o número de relatórios oficiais, de revelações na mídia, de visitas ad limina ou de memórias publicadas por bispos, a burocracia simplesmente não entende.
A Igreja irlandesa está à beira do colapso total. Um terço dos teólogos na Alemanha está pedindo reformas. A Igreja nos EUA sofre um escândalo por dia.
Estou farta disso. Você também. Conversemos, então.
Mas vamos estabelecer alguns parâmetros. Para começar, não penso que haja qualquer coisa errada no voto do celibato. Centenas de milhares de homens e mulheres têm vivido vidas contemplativas ou ativas dedicadas a Deus e à Igreja – o povo de Deus. Muitos/as têm vivido em instituições e ordens religiosas. Alguns e algumas têm vivido como eremitas ou virgens consagradas.
Depois existe o outro celibato, aquele exigido da maioria dos sacerdotes seculares e de todos os bispos na Igreja ocidental. Esse também não tem problema, até certo ponto. Muitos sacerdotes seculares não conseguem lidar com ele. Alguns são infantilizados por suas exigências.
Por que as coisas precisam ser desse jeito? Vamos supor que a rede dos apóstolos pesque 153 peixes. Na maioria, são leigos e leigas. Além disso, freiras e irmãs, monges e irmãos, eremitas, virgens e grande número de homens solteiros que integram o clero diocesano. Naturalmente alguns peixes apresentam defeito, estão em pedaços, mas o que se enxerga principalmente é a diversidade de vocações. Então, que há de errado com um padre casado?
Esta é a questão central nas queixas e em muitos escândalos. Qual ministro casado, qual esposa de ministro permitiria que algum esquisitão cultive relações com adolescentes? Ninguém. Você sabe disso. Eu sei disso.
As mães irlandesas deixaram de torcer que um filho se torne padre. Os teólogos alemães não se conformam mais com o declínio da fé e da prática. Americanos de uma costa a outra estão arquejando sob o peso das reportagens sobre rolos que não acabam mais.
Ultimamente os casos têm sido na Filadélfia (um superior de religiosos foi preso por transferir pederastas), Los Angeles (um padre liga para uma mulher de 61 anos de idade da qual ele abusou quando adolescente), Louisville (um dedo-duro alega retaliação) e sacerdotes vão para a cadeia ou tendem para a mesma em Albany e em outros lugares do mundo.
Naturalmente também há as alegações de encrencas financeiras em Milwaukee, processos judiciais contra o atual e antigos arcebispos de Filadélfia e as memórias de tantos católicos comuns, que sempre voltam à mente. Algumas destas vieram à baila na hora do almoço esta semana: o professor-sacerdote em Phoenix, conhecido pelos meninos por suas apalpadelas, e o padre-professor em Nova York que dava nota máxima aos jogadores de futebol americano enquanto lhe dessem o que ele queria.
Tanto faz quantas vezes as histórias são contadas: cada repetição é embaraçosa e incrível. Elas simplesmente não acabam.
Esta é uma das minhas: indo de ônibus para meu primeiro dia no colégio católico, colegas do segundo ano alertaram as novatas sobre o Padre Mott, que "gostava" de garotas adolescentes.
Anos depois a diocese entrou em acordo com algumas delas. Isto não me sai da cabeça. Se cada garota no ônibus sabia, como é que o bispo não sabia? E se o bispo sabia – e eu suspeito que ele tenha sabido – por que ele não tomou providência alguma?
Anos atrás mencionei isto para um religioso graúdo, da geração de Mott. "Oh, ho, ho, Jack Mott velho sacana", riu. Isto também não consigo esquecer.
Você também tem suas histórias. As memórias se juntam à goteira constante e enjoativa. Qual é a próxima? Outro caso da Holanda? Outro processo na Bélgica? Outra carta da Cúria, de trinta anos atrás, varrendo as coisas para debaixo do tapete?
Esses teólogos alemães e centenas de outros que se juntaram a eles têm um monte de itens em sua agenda de reforma. Alguns são fáceis. Outros, difíceis.
Tomemos um fácil: padres casados.
Um sacerdócio casado mais abrangente, não restrito a alguns clérigos anglicanos descontentes, seria um passo gigantesco no resgate da confiança de muitíssimos católicos que estão observando, esperando, torcendo por uma renovação substancial daquilo que rapidamente está se tornando uma Igreja moribunda.
Os detalhes são problema? Então comecemos ordenando homens casados que tenham ou possam conseguir empregos de tempo integral, como capelães militares ou de hospital, como docentes e professores, assistentes sociais e juristas do direito canônico. Desta forma nada muda – e tudo muda.
Não é tão difícil. Tudo se reduz a conseguir que a burocracia, e por extensão o grande número de padres celibatários malformados mundo afora, amadureçam.
Luke Tobin, Sênior em Loreto [Convent College], frequentemente comentava ter ouvido dois bispos voltando do cafezinho durante o Concílio Vaticano II, onde ela fora observadora.
"Ora, eles querem se casar?", dizia um conciliar ao outro, "Que deixem eles ter suas esposas a seu lado."
Isto precisa acabar. Enquanto o carro da Igreja segue corcoveando pela estrada, todos a bordo sofrem de enjôo com os buracos e a fumaça.
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Consertando a Igreja quebrada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU