16 Fevereiro 2011
"Os "heróis" libertadores do Complexo do Alemão e Vila Cruzeiro transformam-se, como num passe de mágica, nos rapinadores que roubam a população, saqueiam o espólio dos traficantes e revendem drogas e armas de volta para o crime, além de venderem informações para os criminosos e fazerem segurança de bingos e caça-níqueis", escreve José Cláudio Souza Alves.
Segundo o sociólogo, "presos na agenda midiática da crise da polícia somos, mais uma vez, conduzidos pelos interesses que nos querem fazer acreditar em mudança do sistema de segurança, em soluções de cúpula, em operações saneadoras".
José Cláudio Souza Alves é graduado em Estudos Sociais pela Fundação Educacional de Brusque. É mestre em sociologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e doutor, na mesma área, pela Universidade de São Paulo. Atualmente, é professor na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e membro do Iser Assessoria.
Eis o artigo.
Como dizia Marx, a história, quando se repete, ou é como farsa ou como tragédia. Na Guerra do Rio, vimos a farsa na transformação midiática do aparato policial em "heróis" que retomavam as Colinas de Golan, no dia "G" do sistema Globo e demais subordinados.
Na atual crise da polícia do Rio de Janeiro a repetição nos vem como tragédia. Os "heróis" libertadores do Complexo do Alemão e Vila Cruzeiro transformam-se, como num passe de mágica, nos rapinadores que roubam a população, saqueiam o espólio dos traficantes e revendem drogas e armas de volta para o crime, além de venderem informações para os criminosos e fazerem segurança de bingos e caça-níqueis.
Mas, afinal, quem nunca soube disto. Quem acreditou que os "heróis" eram verdadeiramente heróis? Quem nos quis fazer acreditar nisto?
O discurso agora é o da "limpeza da polícia", do "cortar na própria carne", do "saneamento da segurança pública". Mas aí, no meio da Operação Guilhotina, a cúpula resolve se engalfinhar. Assistimos a uma espécie Revolução Francesa da polícia, na qual um começa a guilhotinar o outro. Restando-nos o risco de termos todo o aparato policial guilhotinado. Mas aí, quem sabe, começaríamos a queda da Bastilha do crime organizado. Nossa tragédia, então, seria acreditar nisto.
Enquanto a faxina da Guilhotina continua a expor a ponta do iceberg da banda podre, eufemismo para nos fazer acreditar que há uma banda boa que possa salvar a instituição policial, há, cada vez mais, a certeza que ela mudará alguma coisa para que tudo permaneça como está.
Presos na agenda midiática da crise da polícia somos, mais uma vez, conduzidos pelos interesses que nos querem fazer acreditar em mudança do sistema de segurança, em soluções de cúpula, em operações saneadoras.
No dia a dia, porém, a máquina continua a operar. Falam agora na nova Serra Pelada do Morro de São Carlos. Mas me digam, quando é que as favelas deixaram de ser área de garimpagem de policiais? Onde o crime organizado operou sem os acordos com o aparato policial? Qual favela que não teve e tem drogas, armas, lideranças criminosas e, no caso das milícias, taxa de segurança, acesso a informação, gás, transporte, terra e voto controlados por policiais e seus acordos?
Este mesmo aparato policial é que pratica a execução sumária que visa limpar a sociedade dos bandidos. São eles que operam a ideologia da política pública de segurança na qual bandido bom é bandido morto. Que faz o País parar à espera do sangue dos criminosos do Alemão. Que se ufana da bandeira brasileira tremulando na colina do complexo, cravada no coração do povo pobre torturado e roubado, à mercê do novo acordo entre policiais e os operadores do crime, quando não, as milícias organizadas pelos mesmos policiais. Se fossem coerentes, suicidavam-se.
Esta mesma população que aplaude a tropa de elite, os "heróis" incorruptíveis, não percebe que cada morto nesta guerra reforça ainda mais o poder do aparato criminoso. O poder de exceção do Estado é praticado a cada execução em nome da lei e da ordem de uma sociedade presa à sua própria impotência, forçada a caminhar para frente, sem perceber o quão distante está do começo de uma solução.
Entretidos com a briga intestinal da polícia, associamos sua solução à solução do problema da segurança.
Parabéns para o sistema global. Aliás, poderia ser dado, a este sistema, a chefia do Setor de Contrainteligência da Secretaria de Segurança Pública. Pelo menos não seria acusado de incompetente.
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Das Colinas de Golan à Serra Pelada: a Polícia e a organização do crime no Rio de Janeiro. - Instituto Humanitas Unisinos - IHU