31 Janeiro 2011
O sacerdote basco José Antonio Pagola é o autor de um dos livros religiosos mais vendidos na Espanha, Jesus. Aproximação histórica (Vozes, 2010), que já vendeu quase 80.000 exemplares apesar de ter recebido uma nota de crítica e censura da Conferência Episcopal Espanhola. A editorial PPC se viu obrigada a retirar a 9ª edição por indicação das autoridades eclesiásticas apesar de que o livro contasse com o "nihil obstat" (sem objeções) e o "imprimatur" (imprima-se) de Juan María Uriarte, bispo de San Sebastián.
Pagola também foi vigário-geral – o "número dois" – de San Sebastián nos tempos do bispo José María Setién, em uma Igreja, a basca, cujo rumo está marcado agora pelas nomeações episcopais de Mario Iceta (Bilbao) e José Ignacio Munilla (San Sebastián).
Pagola é licenciado em Teologia pela Universidade Gregoriana de Roma (1962), licenciado em Sagrada Escritura pelo Instituto Bíblico de Roma (1965) e diplomado em Ciências Bíblicas pela Escola Bíblica de Jerusalém (1966). Esteve em Gijón onde fez a conferência "A alternativa de Jesus", no salão de atos do Antigo Instituto Jovellanos.
A reportagem e a entrevista são de Javier Morán e estão publicados no jornal basco La Nueva España, 29-01-2011. A tradução é do Cepat.
(...)
Então, para onde caminha a Igreja basca?
Não saberia dizê-lo, mas mais ou menos todas as igrejas da Europa vão fundamentalmente rumo a um futuro muito incerto. Vejo que os melhores observadores e pastoralistas estão muito preocupados porque existe o risco de que a tentativa de restaurar o cristianismo na sociedade moderna faça deste uma religião cada vez mais anacrônica e cada vez mais insignificante para as gerações futuras. Esse seria um risco gravíssimo.
O que resta do Vaticano II?
Resta seu futuro, como já dizia o teólogo Rahner. E João Paulo II afirmava que o Vaticano II foi o maior presente que a Igreja teve no século XX. Karl Rahner, cuja leitura está se retomando cada vez mais, dizia que o Concílio é só um novo começo da Igreja. Creio que o espírito do Concílio é irrefreável e me parece impossível enfrentar o futuro da Igreja em uma sociedade moderna de costas para o espírito e as perspectivas que o Vaticano II abriu. A tentativa de restaurar o cristianismo de costas para o Concílio não durará muito. Rahner também falava de ondas passageiras, de medo, de resistência, mas que passarão. O que observo é que a situação social e cultural europeia mudou muito e creio que a Igreja não necessita apenas de um "aggiornamento", de uma adaptação. Necessita de uma conversão sem precedentes a Jesus Cristo e o seu evangelho.
Um Concílio Vaticano III?
Não estou pensando em um Vaticano III. Os decretos conciliares não convertem; necessita-se de um trabalho, uma conversão continuada ao longo de muitas gerações que vão criar outro clima. As grandes mudanças que se podem dar na Igreja só serão possíveis se entre todos criarmos um clima diferente de alento evangélico, de atração pelo que Jesus de grande, e por uma Igreja realmente apaixonada por ser hoje boa notícia no meio das pessoas.
Você foi reitor do Seminário de San Sebastián. A que se deve a escassez de vocações no Ocidente e no País Basco?
Não é estranho em uma sociedade indiferente e descrente, instalada no bem-estar. As gerações jovens abandonaram a Igreja e no futuro haverá menos crentes, comunidades mais exíguas e também menos crentes comprometidos. E menos vocações; isso me parece um fenômeno generalizado.
Os grupos neoconservadores não parecem estar tão preocupados com a falta de vocações.
O fenômeno dos grupos neoconservadores é muito recente. É muito cedo para poder avaliar a qualidade evangélica, a perseverança e o espírito dessas vocações. Oxalá sejam uma força de renovação evangélica; o acolheríamos com alegria.
Sente falta de uma análise atualizada da Igreja sobre a crise econômica?
Creio que aí há um déficit. A atenção da Igreja está mais centrada neste momento em seus próprios problemas e creio que está em uma atitude defensiva diante da sociedade. Uma atitude que me preocupa porque não é própria do autêntico evangelizador. Me estranha que lhe escapem temas como podem ser o de dar uma certa orientação sobre a crise econômica ou sobre os crimes de gênero e os abusos sobre a mulher, sobre os imigrantes que nos afogam... Creio que estes temas terão muito mais força na Igreja.
O grave assunto da pedofilia do clero está corretamente enfocado pela Igreja?
Creio que sim e sobretudo destacaria que o mais positivo para o futuro foi a atitude pessoal do Papa. Ao passo que setores mais conservadores estavam falando de uma campanha difamatória contra a Igreja, de uma perseguição, me surpreendeu que o Papa, de maneira rotunda e repetida, disse que a maior perseguição não provém de inimigos externos, mas que nasce do pecado que há dentro da Igreja. Este reconhecimento do pecado contemporâneo, atual, não de pecados do passado, me parece algo realmente positivo e cheio de esperanças para o futuro de uma Igreja que tem que dar nome aos seus pecados se quer viver em estado de conversão a Jesus.
Foi acertada a atuação de Bento XVI?
A reação de fundo neste momento, creio que sim; desconheço qual teria sido sua posição antes de todo este assunto estourar.
Que pista deixará este Papa na história da Igreja?
É fácil que se seu Pontificado for breve seja considerado como uma prolongação do de João Paulo II. O que diria é que, se como ele mesmo antecipou, um dia se sentisse doente e sem forças e se demitisse, certamente seu gesto passaria para a História.
Em que situação se encontra "Jesus. Aproximação histórica"?
Nas mãos da Congregação para a Doutrina da Fé, esperando uma última palavra de Roma, mas não queria criar um clima pernicioso em torno do livro.
Mesmo com esse processo do Vaticano, o cardeal Ravasi elogiou recentemente seu livro em um artigo.
Não me surpreendeu, porque Ravasi é um peso pesado no Vaticano. Não é um "Zé Ninguém" e se fala dele como papável. Preside o Pontifício Conselho da Cultura e é provavelmente o melhor biblista na Itália, sobretudo pastoralista da Bíblia.
Você se sente presenteado ou vetado por causa do seu livro?
Assumo tudo isto como algo esperado, a reação de alguns setores da Igreja... Mas não me sinto nem mártir nem profeta. Trato de ser um crente que a partir de sua paixão por Jesus trata de contribuir para uma Igreja mais evangélica a serviço de um mundo mais humano.
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"Há o risco de que o cristianismo se torne uma religião anacrônica’, afirma teólogo espanhol - Instituto Humanitas Unisinos - IHU