08 Janeiro 2011
Cada ano novo traz consigo inumeráveis aniversários. Um dos mais significativos de 2011 é seguramente o centenário do modelo atômico, que mudou a nossa percepção do mundo e começou a fazer parte do nosso imaginário. A demonstração disso é que ainda hoje, dos livros de texto para as escolas aos logotipos das organizações nacionais ou internacionais, o átomo é representado como Ernest Rutherford (foto) o pensou pela primeira vez em 1911: isto é, como um sistema solar em miniatura, com um núcleo de prótons e nêutrons no lugar do Sol, e um sistema de elétrons em órbita ao seu redor no lugar dos planetas.
A análise é do matemático e lógico italiano Piergiorgio Odifreddi, publicada no jornal La Repubblica, 02-01-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Naturalmente, não foi Rutherford que inventou o atomismo. Ou melhor, não foram nem os cientistas modernos. A ideia remonta aos antigos gregos em geral, e Leucipo e Demócrito particularmente. E ainda um século antes da nossa era o poeta latino Lucrécio a divulgaram no De rerum natura: um maravilhoso poema materialista e racionalista, que faria tão bem aos estudantes, se fosse ensinado no lugar das muitas obras idealistas e irracionais.
Em 1911, Ernest Rutherford confirmava aquilo que os filósofos antigos sempre haviam suspeitado: a existência de partículas infinitamente pequenas na base da matéria. O seu modelo planetário de nêutrons, prótons e elétrons e as suas aplicações mudaram a história. A um século dessa descoberta, quanto caminho já fizemos e quanto ainda nos resta.
Entre as muitas coisas úteis e belas que Lucrécio dissemina nos seus versos, estão também os argumentos em favor da existência dos átomos. Particularmente o que será retomado depois por Kant na segunda antinomia da "Crítica da razão pura": "Se não existissem os átomos, todo corpo consistiria em partes infinitas, e então qual seria a diferença entre o universo e a menor das coisas?".
Acima de tudo, Lucrécio sugere que as coisas podem ser constituídas por átomos invisíveis à vista, por meio de uma série de analogias convincentes. O pó atmosférico, visível por um raio de Sol que penetra em uma sala, e cuja dança oferece um modelo do eterno tumulto dos átomos no grande vazio. Ou as ovelhas que vagam saltitando nos prados, e os soldados das legiões que avançam nos campos, cujos movimentos individuais parecem indistintos a um observador distante. E, enfim, as palavras, que, mesmo sendo constituídas pelas mesmas poucas letras do alfabeto, "denotam o céu, o mar, a terra, os rios, o sol, as colheitas, as árvores e os seres vivos".
Apesar da divulgação de Lucrécio, os brilhantes argumentos dos atomistas não convenceram os antigos, assim como os também brilhantes argumentos dos eliocentristas não haviam convencido. O resultado foi que ambas essas verdades permaneceram hibernadas por dois milênios, até quando foram descongeladas pelos cientistas modernos: Galileu, particularmente, que pagou caro pela sua audácia em ambos os campos.
Para desimpedir cientificamente a teoria atômica da matéria, se deveria esperar pelas pesquisas químicas empreendidas no início do século XIX por John Dalton. Mas ainda no começo do século XX, apesar da sistematização efetuada em 1869 por Dmitrij Mendeleev com a sua tabela dos elementos, continuavam existindo céticos. Primeiro dentre eles, Wilhelm Ostwald, prêmio Nobel de Química em 1909, que considerava o atomismo só como um útil fingimento. A prova definitiva da existência dos átomos veio de um trabalho de 1905 de Albert Einstein. Não aquele mais famoso sobre a relatividade especial, mas um anterior "sobre o movimento de pequenas partículas em suspensão nos líquidos em repouso", descoberto em 1823 por Robert Brown e observável no microscópio.
A primeira impressão é de que se tratava de uma forma de vida qualquer, mas Einstein demonstrou que o movimento, na realidade, é produzido pela vibração das moléculas atômicas que compõem o líquido. Segundo uma imagem de Richard Feynman, que possuía um pouco do talento leve de Lucrécio, é como se observássemos de muito longe enormes bolas em um estádio (as partículas em suspensão), chutadas por uma multidão de pessoas que vai e vem (as moléculas do líquido), mas que nós não conseguimos distinguir por causa da distância. Vemos, então, apenas as bolas se movendo, com um incessante movimento irregular (o movimento browniano).
Obviamente, o problema fundamental do atomismo se refere à própria estrutura dos átomos. Lucrécio os imaginava providos de ganchos. Em 1696, Niklaas Hartsoecker substitui os ganchos por espinhos. Em 1808, Dalton passou para as bolhas de bilhar. Mas as coisas se complicaram em 1897, quando Joseph Thomson descobriu que os átomos não eram de fato indivisíveis e eram, ao contrário, compostos de partículas positivas pesadas (prótons) e partículas negativas leves (elétrons). A descoberta lhe rendeu o prêmio Nobel de Física em 1906 e lhe inspirou um modelo em que os elétrons estavam fincados na bolinha do núcleo como as uvas passas no panetone.
No fim dessa longa história, finalmente chegou Rutherford, que, em 1908, descobriu que se partículas alfa leves fossem disparadas contra uma finíssima lâmina de um material pesado como o ouro, a maior parte delas a atravessava sem desviar sua própria trajetória: portanto, a matéria devia ser, em grande parte, vazia. Mas, às vezes, algumas dessas partículas ricocheteavam de volta, como se tivessem encontrado um obstáculo: portanto, a matéria devia estar em grande parte concentrada em um núcleo pesado.
A descoberta valeu a Rutherford o prêmio Nobel de Química daquele mesmo ano. Depois, em 1911, ele propôs finalmente o modelo planetário que, na bem da verdade, está hoje duplamente ultrapassado. Sobretudo porque, como descobriu um estudante seu, Niels Bohr, em 1913, não é estável: para torná-lo assim, é preciso supor que os elétrons não podem estar em qualquer distância do núcleo, como os planetas com o Sol, mas só a particulares distâncias fixas. E depois porque os elétrons não são, na realidade, bolinhas, mas nuvens: portanto, são mais semelhantes a faixas de asteroides do que a planetas.
Mas o modelo é muito belo para ser abandonado, e nós continuamos mostrando-o e amando-o. Assim como fazemos com as fotos que nos lembram os belos tempos idos, quando nos sentíamos muito mais jovens e bonitos, embora fôssemos só muito mais simples e ingênuos.
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"Somos elétrons suspensos em torno a um núcleo" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU