16 Outubro 2010
“Enquanto houver pobres, uma teologia que parte da opção preferencial pelos pobres é válida e necessária em um continente como a América Latina”. A análise é do teólogo sueco e luterano Olle Kristenson, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line.
Sua tese de doutorado em Teologia teve como tema a Teologia da Libertação de Gustvao Gutierrez. Em 2012, celebrar-se-ão os 40 anos do lançamento da importante obra teológica.
Kristenson explica que o fundamento da percepção da esperança de Gutiérrez “vem de sua convicção de que a vida é sagrada”.
E continua: “Baseada na fé da ressurreição, surge sua convicção de que é a vida e não a morte que tem a última palavra na história. Isto foi o que lhe motivou como ‘pastor na sombra da violência’ dar razão à esperança em uma situação de violência e muita incerteza”.
Olle Kristenson é doutor em Teologia pelo Departamento de Teologia da Uppsala University (Suíça). É teólogo e pastor da Igreja Luterana na Suécia. Sua tese de doutorado, intitulada Pastor in the Shadow of Violence. Gustavo Gutiérrez as a Public Pastoral in Peru in 1980 and 1990, foi publicada em 2009 pela Editora da Uppsala University.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Depois de 40 anos do livro de Gustavo Gutiérrez (Teologia da Libertação. Perspectivas), o que mudou na Igreja e na Teologia da Libertação? Quais foram os principais avanços e limites?
Olle Kristenson - Penso que seu principal avanço seja seu enfoque na opção preferencial pelos pobres. Com a aprovação em Puebla, em 1979, isso passou a ser parte da doutrina da Igreja universal e não somente da Igreja Católica. O limite é que a primeira geração de teólogos da libertação não é mais jovem e parece que é difícil encontrar espaço para novas gerações. Felizmente, há força em teólogos como Gutiérrez e Jon Sobrino.
IHU On-Line - Quais são as principais ideias que o senhor defende no livro Pastor in the Shadow of Violence. Gustavo Gutiérrez as a Public Pastoral in Peru in 1980 and 1990?
Olle Kristenson - Eu descrevo Gutiérrez como um pastor que se dirigiu ao público peruano através do jornal La República em momentos críticos do Peru contemporâneo e por isso o chamo “pastor da nação”. O jornal se converteu em um púlpito figurativo para ele. Desde então, fez seu discurso pastoral para dar razão à esperança em uma situação muito difícil. Vejo este discurso teológico pastoral como uma síntese de três discursos que identifico em seus textos, os discursos políticos radical e liberal e o discurso teológico católico. Os dois discursos políticos lhe ajudam a desenhar o contexto onde o discurso radical analisa a situação injusta da sociedade peruana que aprofunda a pobreza. O discurso liberal fala de democracia, paz e direitos humanos, mas o discurso radical sempre condiciona o discurso liberal: sem justiça não haverá paz. O discurso teológico católico funciona como referência para a ação pastoral. Desta forma, os discursos correspondem aos diferentes níveis no modelo ver (os discursos políticos radical e liberal) – julgar (o discurso teológico católico) – agir.
IHU On-Line - Quais são as principais características da pregação de Gutiérrez?
Olle Kristenson - Seu discurso é, sobretudo, um discurso para dar razão à esperança. Este discurso se encontra tanto em seus artigos e ensaios teológicos em relação à conjuntura, como em suas reflexões teológicas e homilias em relação ao ano litúrgico. Utilizo quatro níveis em minha análise para mostrar que Gutiérrez guia, conforta, exorta e anima seus leitores e seus ouvintes.
IHU On-Line - Que relação pode ser estabelecida entre a teologia da libertação e os direitos humanos?
Olle Kristenson – Esta é uma pergunta interessante e importante. Respondo-a partindo de minha leitura de Gutiérrez. Esta foi a entrada para minha pesquisa sobre sua teologia. Ia entrar em sua teologia justamente através deste tema e a partir de sua leitura de Bartolomeu de Las Casas. Em minha interpretação, a grande obra de Gutiérrez sobre Las Casas, En Busca de los Pobres de Jesucristo (1992), é uma análise que tem um enfoque na teologia de Las Casas como uma teologia que parte do direito à vida e do direito à liberdade dos índios. O direito à vida dos índios é visto desde sua morte precoce e injusta; “os índios morrem antes do tempo”, para parafrasear Las Casas. E o direito à liberdade é visto em relação a se converter livremente à fé cristã ou negá-la. “Se produz, então, em Las Casas, uma aproximação que dará lugar a um enfoque que poderíamos denominar metodológico.” (GUTIÉRREZ, G. em En Busca de los Pobres de Jesucristo, p. 101-102). Para Gutiérrez, a perspectiva de Las Casas é válida em nossos tempos. Por isso, os direitos humanos podem ser somados justamente nestes dois direitos, o direito à vida e o direito à liberdade, com um enfoque na situação dos pobres. Lendo os textos de Gutiérrez, é evidente que não se podem negar estes dois direitos.
IHU On-Line - Qual é a atualidade da teologia da libertação na realidade latino-americana hoje?
Olle Kristenson - Eu diria, como Gutiérrez, que, enquanto houver pobres, uma teologia que parte da opção preferencial pelos pobres é válida e necessária em um continente como a América Latina.
IHU On-Line - Como entender a hermenêutica da esperança em Gutiérrez?
Olle Kristenson - Sem dúvida o tema da esperança é central nos textos que analiso e em toda sua reflexão teológica: “Dar razão da sua esperança é parte essencial do testemunho cristão. Nesse âmbito se situa a teologia; ela é sempre uma interpretação dos motivos que temos para esperar.” (GUTIÉRREZ, G., em um texto de 2003). A um texto de 2001 ele dá o título Esperança e Vigilância que sublinha que a esperança não é somente algo que nos vem; é preciso também vigiar para que ela se concretize. Em última instância, o fundamento de sua percepção da esperança vem de sua convicção de que a vida é sagrada. Baseada na fé da ressurreição, surge sua convicção de que é a vida e não a morte que tem a última palavra na história. Isto foi o que lhe motivou como “pastor na sombra da violência” dar razão à esperança em uma situação de violência e muita incerteza.
IHU On-Line - Em 2012 acontece no Brasil o Congresso Continental de Teologia. O que seria importante discutir neste encontro?
Olle Kristenson - Quando eu soube deste congresso fiquei bastante feliz. Penso que é preciso retomar muitas ideias da Teologia da Libertação desde seu início, mas também se abrir aos novos desafios e aos novos temas. Parece-me necessário abrir um espaço onde as diferentes gerações de teólogos da libertação se encontrem e discutam. É preciso enfocar o tema dos pobres e analisar quais são “os rostos dos pobres” para retomar o que se disse em Puebla e Santo Domingo a respeito disso.
IHU On-Line - Em que direção o senhor vê que caminha a Igreja do século XXI, 50 anos depois do Concílio Vaticano II?
Olle Kristenson - Com preocupação, vejo que há grupos de tendências pré-conciliares que, todavia, têm influência. Mas também há grupos que continuam avançando em sua reflexão depois do Concílio. Por isso, me parece importante comemorar esses 50 anos com uma reflexão crítica. A forma como o episcopado latino-americano tem trabalhado o Concílio em suas conferências gerais em Medellín, Puebla, Santo Domingo e recentemente em Aparecida, com seus avanços e retrocessos, de todas as maneiras, é um sinal de que a Igreja latino-americana continua sendo relevante em seu contexto. Eu gostaria que se abrisse um pouco mais para as igrejas não católicas. Temos muitos desafios que podemos enfrentar melhor se caminharmos juntos como crentes.
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Teologia da Libertação. Um discurso que dá razão à esperança. Entrevista especial com Olle Kristenson - Instituto Humanitas Unisinos - IHU