29 Agosto 2010
A hidrelétrica de Barra Grande, na visão de Márcio Repenning, “é mais uma obra descabida projetada há 30 anos. Gera pouca energia. No contexto ambiental poderíamos qualificá-la como o maior desastre ambiental da década no Brasil. Perdemos para sempre áreas de grande beleza cênica, com riqueza e composição de espécies singular (muitas delas ‘protegidas’ por lei). Foi dado mais um passo para liquidar com a bacia do Rio Uruguai”.
Ele fez esta e outras declarações na entrevista que concedeu por e-mail à IHU On-Line. Ao refletir sobre como deveria se constituir o processo de liberação de licenças para a construção de hidrelétricas, Márcio admite que não vê uma fórmula imediata para isso. “Mas, como os licenciamentos vêm sendo conduzidos hoje, chega a ser vergonhoso, com raríssimas exceções. Diria que é bravata. E o mais preocupante é que, se comparamos com um passado recente, vemos que estamos retrocedendo quanto à efetividade na proteção de nossos ecossistemas, espécies etc. Medidas compensatórias, por exemplo, viram em nada prático”.
Márcio Repenning é graduado em Ciências Biológicas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Atualmente é pesquisador colaborador no Museu de Ciências e Tecnologia da PUCRS.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como você define, em geral, a situação das hidrelétricas no Rio Grande do Sul hoje?
Márcio Repenning - Um caos generalizado. Empresas pressionando para obter licenças de instalação e órgãos fiscalizadores flexibilizando (atendendo às pressões). Os projetos de barramento são obsoletos, do tempo da ditadura, e paulatinamente vem sendo efetivados.
IHU On-Line - Qual a especificidade da hidrelétrica de Barra Grande? O que ela provocou no Vale do Rio Pelotas?
Márcio Repenning - É mais uma obra descabida projetada há 30 anos. Gera pouca energia. No contexto ambiental poderíamos qualificá-la como o maior desastre ambiental da década no Brasil. Perdemos para sempre áreas de grande beleza cênica, com riqueza e composição de espécies singulares (muitas delas “protegidas” por lei). Foi dado mais um passo para liquidar com a bacia do Rio Uruguai.
IHU On-Line - Por que é considerado que a hidrelétrica de Barra Grande foi construída com base em uma fraude?
Márcio Repenning - Simplesmente porque foi omitido, ou mascarado no Relatório de Impacto Ambiental – Rima a verdadeira riqueza e qualidade dos ambientes que compunham a área afetada pelo empreendimento.
IHU On-Line - Quais são as principais espécies que têm entrado em extinção com a construção de hidrelétricas no Rio Grande do Sul?
Márcio Repenning - O ponto mais importante é que este tipo de empreendimento tem na sua essência eliminar e transformar habitats. Todas aquelas espécies que não toleram tais transformações são afetadas diretamente. Espécies endêmicas com distribuição restrita podem desaparecer quando da construção de um só empreendimento ou conjunto de barragens num mesmo rio ou bacia hidrográfica. Barra Grande, por exemplo, eliminou a área de distribuição de uma espécie de bromélia (dyckia distachya) hoje extinta da natureza conscientemente. Imaginemos quantas espécies mais que conhecemos não serão extintas caso implantadas todas as centenas de barragens projetadas para a bacia do Rio Uruguai.
IHU On-Line - Quais as consequências provocadas pelas hidrelétricas para a variabilidade genética do Rio Grande do Sul?
Márcio Repenning - Diretamente perdemos biodiversidade devido à eliminação de áreas (habitats), e obviamente perdemos variabilidade genética. Uma das consequências da diminuição de variabilidade genética é a extinção de espécies. Outro aspecto relevante relacionado à instalação destes empreendimentos é que eles, invariavelmente, afetam processos ecológicos em pleno funcionamento, forjando a evolução dos organismos.
IHU On-Line - Como deveria se constituir o processo de liberação de licenças para a construção de hidrelétricas? E como isso acontece hoje no Rio Grande do Sul?
Márcio Repenning - Não vejo uma fórmula imediata para isso. Mas, como os licenciamentos vêm sendo conduzidos hoje, chega a ser vergonhoso, com raríssimas exceções. Diria que é bravata. E o mais preocupante é que, se comparamos com um passado, recente vemos que estamos retrocedendo quanto à efetividade na proteção de nossos ecossistemas, espécies etc. Medidas compensatórias, por exemplo, viram em nada prático. A verba se pulveriza na máquina burocrática dos governos.
IHU On-Line - Em que medida a construção de hidrelétricas interfere na população de aves do Rio Grande do Sul?
Márcio Repenning - Que eu conheça não há estudos conclusivos sobre isso aqui no estado. Mas, similar ao que ocorre em outras áreas afetadas por este tipo de empreendimento, as consequências mais imediatas são mudança na abundância e composição das espécies, isto é, isolamento de populações de espécies com pouco poder de dispersão, extinções locais, principalmente daquelas espécies menos tolerantes a mudanças no seu habitat e favorecimento a colonização de espécies com maior plasticidade ecológica, ou associadas a ambientes aquáticos lênticos.
IHU On-Line - Como os biólogos gaúchos têm atuado em relação aos impactos ambientais provocados pelas hidrelétricas construídas no estado?
Márcio Repenning - Uma questão delicada. Mas acho que muito de positivo já foi feito em relação à contestação de empreendimentos de grande impacto em potencial. Profissionais de diferentes áreas têm contribuído com informações técnicas importantes para tomada de decisões sobre a viabilidade ambiental de tais empreendimentos. Enquanto outros têm buscado articulação com profissionais do Direito (visando impedir o prosseguimento de processos de licenciamento deficientes). Tem-se buscado também a divulgação da problemática que está por trás destes empreendimentos através de uma aproximação com profissionais do jornalismo. Há também uma parcela substancial de biólogos que preferem ficar isentos a todas estas questões. Normal.
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Hidrelétricas no Rio Grande do Sul: um caos generalizado. Entrevista especial com Márcio Repenning - Instituto Humanitas Unisinos - IHU