10 Junho 2009
Além de todas as hidrelétricas que estão sendo em processo de licitação, aprovação, estudo ou já sendo construídas no Brasil, aliás, em plena Amazônia, o Ministro de Minas e Energia anunciou recentemente que, para suprir as necessidades de energia do Brasil, outras duas hidrelétricas serão construídas na Argentina, duas na Bolívia e 18 no Peru. Que consumo energético é esse que o país tanto prevê? Essa é a principal questão que a pesquisadora Telma Monteiro levanta durante a entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line. “Nós temos, no Brasil, uma indústria de pás eólicas com tanta demanda que não dá conta da produção. É uma das maiores indústrias de pás eólicas do mundo e exporta para toda a Europa. Mas nós não a utilizamos”, revela.
Desde 2002, Telma Monteiro analisa os documentos relacionados aos projetos de construção de usinas hidrelétricas na Amazônia. Em seu blog, a pesquisadora publica seus estudos e notícias relacionadas sobre o assunto.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – É possível barrar ainda a construção dessas hidrelétricas?
Telma Monteiro – Ainda temos muitos argumentos para barrar as hidrelétricas. Várias ações civis estão sendo preparadas. No caso do Rio Madeira, nós só temos tido problemas com o Judiciário, especificamente um juiz que não entendeu nenhum dos nossos argumentos. Há sim, portanto, condições de barrar as hidrelétricas. Muito esforço está sendo feito nesse sentido.
IHU On-Line – Que impactos socioambientais a construção dessas hidrelétricas na Amazônia traz para o povo da região?
Telma Monteiro – Numa recente reunião que tivemos na Câmara Técnica de Análise de Projetos do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, tive a oportunidade de ouvir o anúncio de que o governo tinha desistido de construir a hidrelétrica Santa Isabel no Araguaia. O anúncio foi feito depois da pressão que a sociedade civil fez em relação aos impactos ambientais e sociais. Ela existiu também no sentido de que o Araguaia guarda os restos mortais de 58 guerrilheiros. Fazer a hidrelétrica seria sepultar definitivamente uma parte da nossa história. Por isso, o governo entendeu que a hidrelétrica não deveria ser construída, pelo menos nos próximos dez anos, segundo integrante do Ministério de Minas e Energia, e, por este motivo, deixa de constar no Plano Decenal de Expansão de Energia. Essa é uma forma que comprova que os argumentos da sociedade civil, dos ambientalistas, dos movimentos sociais, são sérios. Se analisarmos as contas que o governo faz da necessidade de energia que teremos nos próximos dez anos, perceberemos sérias inconsistências.
IHU On-Line – Quais hidrelétricas devem e quais não devem ser construídas?
Telma Monteiro – Não podemos falar de quais são necessárias nem quais não devem ser construídas, porque não vemos, ainda, uma mudança nos projetos que o governo tem para a questão do modelo de energia no Brasil. Você sabe que não há projetos em desenvolvimento sobre a energia gerada pelos ventos, a eólica. A única coisa que o governo tem incentivado é a energia hidrelétrica, sob o falso pretexto de que ela é barata. Se você considerar todos os impactos sociais e ambientais decorrentes da construção de grandes barragens, os deslocamentos de populações, a energia hidrelétrica é cara. Sem falar nos riscos para os povos indígenas na Amazônia, povos isolados inclusive, assim como os povos ribeirinhos, que precisam ser deslocados do seu plano de vida. Não há como a energia hidrelétrica ser considerada barata. O governo não quer saber de incentivar uma energia barata. Um estudo do INPE afirmou que 60% da energia do Brasil poderia ser gerada pela costa brasileira através dos ventos.
IHU On-Line – Então, por que o governo tem esses grandes planos de construir hidrelétricas?
Telma Monteiro – Só tem uma resposta: são as grandes empreiteiras, cujo objetivo não é gerar energia, mas sim construir barragens. Camargo Correia e Odebrecht estão envolvidas em todas as barragens. Estive numa reunião em Brasília, onde foi apresentada, pelo próprio Ministro de Minas e Energia, uma proposta para construir mais 18 hidrelétricas no Peru, sendo que duas ou três estão sendo licitadas. Em todas elas, estão presentes as grandes empreiteiras. Além disso, existem duas hidrelétricas presentes na Argentina, 18 no Peru, duas na Bolívia. O próprio ministro disse que toda essa energia será absorvida pelo Brasil, só não explica como iremos utilizá-la. Além dessa energia das hidrelétricas, estão já licitando as termoelétricas a carvão. Está faltando apenas explicar quais os critérios estão sendo usados para determinar que o Brasil precisa de toda essa energia. Ninguém explica isso. Não há nenhuma conta que fecha esse número de megawatts que irão produzir. Afirma-se que a demanda prevista é tão grande para os próximos anos que se projetou todas essas grandes obras. Eu tenho certeza, por todos os estudos que temos acompanhado e reuniões de que temos participado, que essa energia toda é para satisfazer – única e exclusivamente – esse modelo econômico absolutamente deturpado. Existe uma denúncia que diz que apenas 30% da energia produzida por Tucuruí está sendo utilizada; o restante está ociosa, o que é muito grave. E, no caso das hidrelétricas do Madeira, por exemplo, está claro, e os técnicos deixam isso absolutamente evidente, que teremos um processo de assoreamento muito grande na hidrelétrica de Jirau. Isso fará com que a hidrelétrica, em menos de 20 anos, seja inútil. Qual é objetivo, então, de fazer as hidrelétricas se elas irão causar grande impacto na região, afetar terras indígenas e populações ribeirinhas, além do ecossistema? É criar condições de barragem! E depois o mal está feito! Essas perguntas devem ser respondidas.
IHU On-Line – O Brasil perdeu espaço na corrida pela energia eólica para países como Alemanha e EUA?
Telma Monteiro – A Europa está praticamente gerando 60% da sua energia através da energia eólica. Veja a costa de Portugal e a Alemanha! Aqui no Brasil, pelos estudos feitos, o Nordeste é o lugar que tem mais condições de gerar a energia eólica. Nós temos, no Brasil, uma indústria de pás eólicas com tanta demanda que não dá conta da produção. É uma das maiores indústrias de pás eólicas do mundo e exporta para toda a Europa. Mas nós não a utilizamos. Acho que, antes de qualquer coisa, temos de pensar no nosso modelo de consumo de energia.
IHU On-Line – Como a senhora vê a desistência do governo da hidrelétrica de Santa Isabel e a paralisação da usina de Jirau? Essas ações podem ser consideradas uma vitória da sociedade brasileira?
Telma Monteiro – Jirau não é uma vitória. A sua paralisação, aliás, é uma vergonha. A licença de instalação dela ainda nem foi emitida oficialmente, mas ela já começou a ser construída, no entanto num parque estadual, e o próprio governador Ivo Cassol fez vistas grossas para isso. Mas, quando chegou a hora de se cumprir uma medida liminar da Justiça, para retirar os invasores da floresta nacional do Bom Futuro, que são pecuaristas, o governador resolveu, por bem, querer trocar uma ilegalidade pela outra. Isso é uma verdadeira vergonha. Com o desrespeito que estamos vivendo de ilegalidade, onde se troca uma invasão de uma floresta nacional pela construção de uma hidrelétrica ilegal, perdemos toda e qualquer... nem vou dizer a palavra. É realmente uma vergonha tudo o que está acontecendo.
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Que conta é essa? Entrevista especial com Telma Monteiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU