12 Outubro 2008
O livro Religião e Performance ou a performance das religiões brasileiras (Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 2007), como já diz o título, trata da questão dos ritos religiosos no Brasil. Para refletir sobre o tema, a IHU On-Line conversou com o organizador do livro, o sociólogo Antonio Herculano Lopes, que fala sobre algumas questões em relação às perfomances das diversas religiões no Brasil e como elas se manifestam através da nossa cultura e, principalmente, através das diferenças entre as pessoas.
Costumo dizer que somos todos preconceituosos em diversos níveis e que o mais importante é reconhecermos os nossos preconceitos e lidarmos com eles de modo a que eles não nos levem a atitudes negativas no convívio social. Essa é a base da tolerância, que não implica numa plena aceitação do ‘outro’, mas num respeito por ele”, afirmou o professor, nesta entrevista realizada por e-mail.
Antonio Herculano Lopes é bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É mestre em sociologia pela Universidade de Brasília. Obteve o título de doutor em Performance Studies pela New York University, nos Estados Unidos. Atualmente, é professor da Fundação Casa de Rui Barbosa. Além da obra tratada nesta entrevista, Antonio é organizador de outros livros, como Europa e África: A invenção do carioca (Rio de Janeiro: Topbooks/Casa de Rui Barbosa, 2000), Diversidade cultural brasileira (Rio de Janeiro: Casa de Rui Barbosa, 2005) e História e linguagens: texto, imagem, oralidade e representações (Rio de Janeiro: 7Letras/Casa de Rui Barbosa, 2006).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – A performance da religião se dá, principalmente, através da música. E hoje a revelação da religião através dessa arte se dá através de ritmos antes considerados totalmente fora desses espaços de manifestação da fé, como o rock, o reggae e até o samba. Há uma necessidade das diversas religiões de se voltarem aos jovens, adaptando-se aos seus gostos?
Antonio Herculano Lopes – A música é um instrumento muito poderoso para manifestar publicamente o sentimento religioso, mas a forma mais generalizada de performance religiosa são rituais que incluem diversas linguagens, inclusive a música, mas também a dramatização, a dança, o gesto e a palavra cerimoniais etc. No mundo atual, dada a enorme influência da indústria musical, sobretudo entre os jovens, é claro que a música aparece como um meio de atraí-los. Só que o uso de elementos da cultura laica para fins de proselitismo não é novidade. As religiões sempre "negociaram", em maior ou menor grau, com o meio social e o momento histórico.
IHU On-Line – E como o senhor vê a disseminação da crença de certas religiões que tem a performance mais tradicional, ou seja, não mudam conforme os gostos, como as religiões afro-descendentes?
Antonio Herculano Lopes – Da mesma forma como certa adaptação ao meio e ao momento é importante para a sobrevivência das religiões, também é fundamental que seus seguidores potenciais ou efetivos percebam a existência de uma sólida tradição. Afinal, a religião se apresenta como um domínio que aponta para o intemporal, para algo superior e exterior às agruras da vida terrestre. Cada religião ou agrupamento religioso estabelece suas estratégias de afirmação da fé e de atração de novos fiéis, mesclando elementos de continuidade e mudança, que variarão no tempo e no espaço.
Por séculos, as religiões afro-brasileiras tiveram de se adaptar dramaticamente à situação da escravidão para sobreviverem. Hoje, quando elas têm reconhecido o direito de existirem muitas vezes, passou a ser mais importante buscar retornar a uma tradição (que, como sempre, é construída no presente), remetendo a uma África mítica, do que absorver linguagens contemporâneas. E isso lhe dá um atrativo especial. Aqueles que buscam uma religião que fale com a linguagem de hoje vão provavelmente se dirigir a igrejas, como diz você, que usam o rock ou o samba como forma de comunicação.
Outros se sentirão melhor num ambiente que os faça sentir em comunhão com ancestrais de um passado imemorial africano, ou com monges medievais europeus. Outros, ainda, vão sentir que suas necessidades espirituais são melhor alimentadas por uma meditação que se utiliza de palavras cerimoniais em uma língua que lhes é desconhecida, mas que tem o poder de os colocar em comunhão com o cosmos. Não digo isso com ironia ou crítica: todas as formas de exercer a religiosidade são respeitáveis, desde que cumpram o objetivo de fazer a ponte do indivíduo com o eterno.
IHU On-Line – A performance é uma palavra bastante associada ao corpo. Como o senhor vê essa relação dentro das religiões? O corpo continua sendo visto como sagrado dentro das diversas formas de a religião se manifestar em seus ritos e festas?
Antonio Herculano Lopes – Não é possível falar de forma unificada sobre as relações entre as diversas religiões e o corpo, relações essas que mudam também ao longo do tempo dentro de uma mesma religião. Mas talvez se possa dizer que o corpo na situação de performance, isto é, envolvido num ritual religioso, tende a ter um estatuto especial, porque é o momento da comunicação entre matéria e espírito, entre o aqui e o além. Nesse sentido, acho que é possível, com toda cautela, dizer que o corpo em performance teria um caráter sagrado. Mas o mais importante seria estudar cada caso concreto, para ver como isso se dá e quais são os significados atribuídos a esse "corpo sagrado" e que formas de performance são utilizadas para estabelecer a comunicação entre matéria e espírito.
IHU On-Line – Os ritos e festas das religiões podem ser explicados pela Teologia da Cultura? De que forma?
Antonio Herculano Lopes – A minha forma de aproximação e estudo dos ritos e festas são a história cultural, a sociologia da cultura e os estudos de performance, disciplinas da minha formação acadêmica. Mas não acredito que a capacidade explicativa seja monopólio de uma disciplina, nem mesmo do pensamento científico em geral, pois outros discursos, como o artístico, o filosófico ou o religioso, são capazes de alcançar regiões fora do estrito âmbito da ciência.
IHU On-Line – As performances marcantes de alguns representantes da igreja católica hoje podem ser consideradas uma transgressão à igreja antiga?
Antonio Herculano Lopes – O que acho que acontece é que, mesmo dentro de uma Igreja tão centralista como a Católica Romana, há muitas divergências sobre as estratégias de comunicação e sua compatibilidade com os elementos da tradição – de acordo com a dinâmica que discuti acima. Então, distintos grupos (carismáticos, tradicionalistas, libertários) adotarão perfomances distintas
IHU On-Line – Para o senhor, como as performances de uma e outra religião, bastante diferentes entre si, como a luterana e as afro-descendentes, são vistas uma pela outra? Como isso marca um certo preconceito entre adeptos a essas religiões?
Antonio Herculano Lopes – Não acho que eu seja a pessoa adequada para responder sobre sentimentos de grupos aos quais não pertenço. Mas posso falar de uma forma genérica. As religiões em geral se apresentam, cada uma, como sendo o caminho verdadeiro. Historicamente, sempre houve momentos de maior ou menor tolerância religiosa, conforme o grupo dominante se sentisse ou não ameaçado. Acredito que vivemos um momento em que o discurso da tolerância tenha ganhado uma credibilidade muito grande, apesar de as práticas de intolerância ainda serem muito amplas e disseminadas. Sobre preconceito, costumo dizer que somos todos preconceituosos em diversos níveis e que o mais importante é reconhecermos os nossos preconceitos e lidarmos com eles de modo que eles não nos levem a atitudes negativas no convívio social. Essa é a base da tolerância, que não implica numa plena aceitação do "outro", mas no respeito por ele.
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Performances e ritos na religião brasileira. Entrevista especial com Antonio Herculano Lopes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU