01 Outubro 2007
Muito se fala que é a ação do homem que tem causado os problemas no clima da Terra. Segundo a professora Ana Luiza Spadano, “é preciso ter mais atenção para os estudos de paleoclima integrados com os estudos de mudanças climáticas”, ou seja, não é apenas a ação do homem que altera o clima no nosso planeta, mas a própria Terra muda de tempos em tempos a sua condição climática. A doutora em Biologia estuda os oceanos para entender essas variabilidades. Sobre este assunto, ela falou, por telefone, à IHU On-Line.
Ana Luiza Spadano é graduada em Ciências Biológicas, pela Universidade Santa Úrsula, com mestrado em Ecologia e Recursos Naturais, pela Universidade Federal de São Carlos. Seu doutorado, em Geociências, foi feito na Universidade Federal Fluminense e o pós doutorado pelo Institut de Recherche pour le Developpement, na França.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – De que forma o fenômeno da ressurgência (1) explica as constantes variações do clima nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, atualmente?
Ana Luiza – As maiores ressurgências do mundo acontecem na costa oeste dos oceanos. Na costa leste do continente, que é a nossa costa, existem pequenas ressurgências, e Cabo Frio - que é a região que eu pesquiso - não é a única delas. Uma ressurgência costeira é causada por alguns fatores. Os mais importantes são os ventos. No caso de Cabo Frio, essa ressurgência é controlada pela intensidade e pela freqüência dos ventos alísios (2), que são ventos muito importantes para essa região e estão relacionados com mecanismos climáticos que controlam o clima na América do Sul inteira. Esses ventos se deslocam do norte para o sul, próximo ao Equador, dependendo da estação do ano.
Uma outra zona que hoje em dia tem sido muito falada nos meios de comunicação é a Zona de Convergência do Atlântico Sul (3), que nada mais é do que um excesso de umidade que o calor da Amazônia desloca para a região Sudeste do Brasil e acaba atingindo Cabo Frio. Além desses dois fenômenos que condicionam a sazonalidade do clima no Brasil inteiro, há outro fenômeno que afeta o mundo todo: o El Niño (4). Por isso eu escolhi estudar a ressurgência de Cabo Frio, pois conforme a intensidade e a duração da ressurgência eu consigo “mexer” com esses três mecanismos climáticos, ou seja, com o deslocamento da zona de convergência intratropical, com a formação da zona de convergência do Atlântico Sul e com os fenômenos El Niño.
IHU On-Line – Quais são os déficits do Brasil, hoje, em relação às políticas públicas que podem diminuir as conseqüências do aquecimento global?
Ana Luiza – Consultando o site do Ministério da Ciência e Tecnologia, descobrimos que existe uma comissão em prol das políticas públicas relacionadas à mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. Na minha área, eu trabalho com a ciência básica para o entendimento das mudanças climáticas. De fato, eu estudei o clima do passado para validar os modelos de clima. As pessoas que fazem o modelo de clima estão testando-os para prever o clima daqui a cinqüenta, cem e duzentos anos. No entanto, eles sabem que os modelos de clima têm incertezas e a única maneira de testar se um modelo está funcionando bem ou mal é aplicar esse modelo, que de fato servirá para simular o clima do futuro, “rodando” ele para o passado.
Dessa maneira, podemos verificar se o clima está sendo bem reconstituído, ou seja, eu sei que a zona de convergência intercontinental mudou com esse tipo de teste. São esses fatos que nós reconstituímos na nossa pesquisa. E aí os modelizadores do INPI - Instituto Nacional da Propriedade Industrial - rodam os modelos para o passado, especificamente para seis mil anos atrás porque nessa época a insolação no hemisfério sul é peculiar, diferente. O grau de insolação é uma das modulações mais importantes que os pesquisadores utilizam. Rodando para o passado é possível verificar quais os mecanismos em que os modelos estão sendo eficientes ou não. Nesses mecanismos, nós verificamos que muitos modelos têm dificuldade de prever para o futuro os tipos de mecanismos de altas freqüências, como as chuvas que acontecem em dias de muito calor. Esses mecanismos de clima muito rápidos, de um dia para o outro os modelos têm dificuldade de reconstituir. Então, as validações de modelos servem para isso. Mas servem também para essas políticas que estão na página do Ministério da Ciência e Tecnologia, na qual se fala muito em energia limpa, na utilização e em fazer pesquisa para buscar energia limpa.
Eu concordo com isso. Uma das bases para se mitigar a mudança climática é a base da matriz energética. No entanto, nós sabemos que os modelos lidam com incertezas muito grandes, e a única forma de diminui-las é melhorar a qualidade dos modelos. Para isso, é preciso ter mais atenção para os estudos de paleoclima (5), integrados com os estudos de mudanças climáticas. Eu penso que é preciso dar mais atenção para a ciência básica na questão da melhoria dos modelos de previsão climática, tanto em relação às previsões globais, que não têm feitos do que os humanos fazem, quanto aos modelos regionais, que são recortes desses modelos globais e que o INPI agora tem capacidade de analisar com os novos materiais e recursos que adquiriu.
IHU On-Line – Qual é a importância do estudo da evolução dos ambientes costeiros e continentais para entendermos as mudanças climáticas que têm ocorrido no Brasil?
Ana Luiza – É fundamental. O clima é resultante do fato da integração de pelo menos quatro componentes terrestres: o oceano, a atmosfera, o continente e a biosfera, que são os efeitos positivos e negativos da ação do homem em relação ao clima. Mas também eu estou levando em consideração, ao estudar a biosfera, os efeitos naturais, por exemplo, a ocorrência dos vários biomas (6). Todos esses mecanismos juntos provocam o clima que a gente tem hoje. Qualquer grande modificação desses mecanismos vai provocar uma grande alteração no clima. Hoje em dia, a Terra tem uma configuração geográfica que contribui para que alguns sintam mais os efeitos das mudanças no clima do que outros porque a maior parte dos continentes está no hemisfério norte. No sul, temos, por conseqüência, muito mais oceano do que continente. Então, o balanço de energia faz com que o Atlântico Sul, atualmente, seja extremamente importante, pois é um doador de calor para o hemisfério norte. A água demora mais a se aquecer, mas também demora mais a se resfriar, diferente do continente. Então, porque nós temos muita água no hemisfério sul, possuímos um clima global, atualmente, controlado por uma doação de energia que vem do calor latente do hemisfério sul para o hemisfério norte através de uma circulação atmosférica e, principalmente, oceanográfica do hemisfério sul para o norte. Se a temperatura do Atlântico Sul mudar, vai causar conseqüências no clima do globo inteiro, especialmente no hemisfério norte. Por isso, é extremamente importante estudar o oceano, o continente e, obviamente, a biosfera.
IHU On-Line – Em seus estudos, como o Oceano Atlântico pode nos ajudar a compreender as variações do clima?
Ana Luiza – A base do meu estudo é a interconexão do oceano. Então, eu estudo, atualmente, o oceano em dois locais do Brasil: Rio de Janeiro e no Chuí. Estudo também as lagoas, o nível delas no Rio de Janeiro e no Nordeste do Brasil. Escolhi essas regiões porque a costa fluminense está respondendo a uma ressurgência na própria costa do Rio de Janeiro. E, em segundo lugar, é que o Nordeste do Brasil é o primeiro a sentir qualquer alteração de clima no país nos últimos 20 mil anos. A variabilidade entende que o clima tem alternâncias e que, de tempos em tempos, temos invernos nem tão frios e verões nem tão quentes. E isso nem sempre é sinal de mudança climática, e sim de uma variabilidade natural do clima. Antes da interferência humana sobre o clima, toda a variação do clima está ligada à variabilidade natural. Quando o homem está participando da modificação do clima, aí sim podemos pensar em políticas públicas, para entendermos como o clima se altera. Então, para entender as mudanças climáticas, é preciso saber de onde vem o fenômeno que a modificou.
IHU On-Line – Quais são os nossos desafios de planejamento e gestão das mudanças climáticas?
Ana Luiza – Claro que tenho um ponto de vista de quem olha o clima de outra forma. Por isso, acho que o desafio número um, e que ainda não tem tanta importância dada a ele, é a melhoria na qualidade dos modelos de previsão do clima, especialmente os estudos regionais. Os modelos de clima são globais. Obviamente, a América do Sul é influenciada por uma mudança climática que acontece em outro lugar, interferência atmosférica que acontece no globo inteiro. Existe a possibilidade de se fazer recortes nesses modelos globais e a gente entender melhor a variabilidade em escalas, tanto temporais quanto espaciais. Quer dizer, como é que o Brasil, estado por estado, região por região, em termos largos e curtos, sofreria com as mudanças climáticas? Isso precisa ser pesquisado.
Nós precisamos investir, sem dúvida alguma, em matrizes energéticas limpas. O ponto em que acredito que o governo esteja dando maior importância nós vemos mais na mídia, como o biocombustível como uma matriz energética capaz de, a longo prazo, mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Eu concordo com isso, mas só isso não resolve. Se a gente partir do princípio que o Brasil vai ser o país que vai plantar cana-de-açúcar para produzir biocombustível, se o país inteiro produzir cana e soja, economicamente vamos deixar de plantar outros tipos de alimentos para abastecimento interno e isso vai ter conseqüências, mas não pode partir do princípio de que a gente vai ser um exportador de biocombustível para o mundo inteiro em detrimento de não plantarmos para nossa própria população. Então, precisamos ter investimento em matriz limpa sim, mas não apenas biocombustível como o etanol. O governo está esquecendo, dando menos valor à melhoria dos modelos e às políticas de combate ao aquecimento global e utiliza um modelo simplista plantando cana-de-açúcar. Minha forma de ver esse problema é que se deve dar mais valor à ciência básica.
IHU On-Line – Quais são as suas perspectivas para o futuro da Terra?
Ana Luiza – Eu costumo dizer, nas minhas aulas, que o clima, de qualquer forma, altera, muda de uma forma ou de outra, e nós estamos alterando o clima também, mas de uma forma que estamos alterando uma variabilidade natural do clima. As minhas perspectivas são baseadas no que eu conheço das alterações do clima ao longo dos quatro bilhões e meio de anos que a Terra existe. O clima vai mudar de qualquer maneira, por causa do homem ou não. O que o homem está fazendo e o que estamos vivendo agora é uma mudança devido à atividade humana sobre a Terra, mas as minhas previsões são muitos naturalistas. O que nós estamos fazendo é apressar uma variabilidade negativa a nós mesmos e que infelizmente nós vamos causar e agravar crises sociais, econômicas. Já estamos pagando o preço por tudo isso. Há alguns anos, acreditávamos que quem pagaria o preço seriam as populações que viriam daqui a cinqüenta ou cem anos, e agora nós temos a certeza de quem pagará o preço das mudanças climáticas serão as gerações que já estão aí, ou seja, meus filhos, seus filhos. Quando eu dou palestra em ambiente universitário, eu digo que os alunos mesmos vão arcar com o preço das mudanças climáticas. Ou seja, contando de hoje até daqui duzentos anos, se a gente não fizer nada ou tudo para parar o clima, de qualquer forma ele já estará alterado e a pior conseqüência não é o clima propriamente dito, em minha opinião. A pior conseqüência da mudança climática é a social, no sentido da saúde humana, na alteração das oportunidades de trabalho, nos privilégios de alguns setores em detrimento de outros, nas crises sociais que vão acontecer como efeitos da escassez de determinados recursos, como a água.
Notas:
(1) O fenômeno da ressurgência é caracterizado pelo afloramento de águas profundas, geralmente frias e ricas em nutrientes, em determinadas regiões dos oceanos. Essas regiões têm, em geral, alta produtividade primária e importância comercial para a pesca. Na costa brasileira é bastante conhecida a ressurgência costeira de Cabo Frio, cujo núcleo principal tem sido observado a oeste dessa localidade. Essa ressurgência, entretanto, é marcadamente sazonal, ocorrendo com maior freqüência no verão do que no inverno. A massa de água que aflora nas proximidades da costa na chamada ressurgência de Cabo Frio é a Água Central do Atlântico Sul.
(2) Os Ventos Alísios são ventos que ocorrem durante todo o ano nas regiões tropicais, sendo muito comuns na América Central. São o resultado da ascensão de massas de ar que convergem de zonas de alta pressão nos trópicos, para zonas de baixa pressão no Equador, formando um ciclo. São ventos úmidos, provocando chuvas nos locais onde convergem.
(3) A Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) consiste numa banda de nebulosidade semi-estacionária, que se estende desde o sul da Amazônia, passando pela Região Centro-Oeste e prolongando-se para o Oceano Atlântico, acarretando chuvas que podem ser intensas.
(4) El Niño é um fenômeno atmosférico-oceânico caracterizado por um aquecimento anormal das águas superficiais no oceano Pacífico Tropical, e que pode afetar o clima regional e global, mudando os padrões de vento a nível mundial, afetando, assim, os regimes de chuva em regiões tropicais e de latitudes médias.
(5) Clima de antiga era geológica.
(6) Biomas são as grandes formações vegetais encontradas nos diferentes continentes e devidas, principalmente, aos fatores climáticos (temperatura e umidade) relacionados à latitude.
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A importância do Atlântico Sul para o clima global. Entrevista especial com Ana Luiza Spadano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU