17 Setembro 2007
Na última semana, o governo brasileiro anunciou que receberá um grupo de cerca de cem palestinos vítimas da contínua violência provocada pela guerra instaurada no Iraque e que, desde 2003, vivem no campo Ruweished, na Cisjordânia, onde estão submetidos às inúmeras variações do clima, tempestades de areia e aos escorpiões. Os refugiados serão beneficiados pelo Programa de Reassentamento Solidário. Sobre o assunto, a IHU On-Line conversou, por telefone, com Karin Wapechowski, coordenadora do Projeto de Reassentamento Solidário da Associação Antonio Vieira - ASAV -, mantenedora da Unisinos e Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados - Acnur, e, por e-mail, com Luis Fernando Godinho Santos, oficial de Informação Pública do Alto Comissariado das Nações Unidas.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual é a importância que tem para o conflito o fato de o Brasil receber os refugiados palestinos?
Karin Wapechowski – Nosso trabalho começa a partir do momento em que o governo brasileiro, juntamente com as Nações Unidas, está acolhendo estas pessoas. Nosso trabalho, como Ong implementadora, é reunir as condições e proporcionar a melhor acolhida e integração aqui na nossa sociedade. Quanto ao conflito, é algo que já vem desde 1947 ou antes ainda e é um mérito que nós procuramos não discutir. Nós apenas discutimos que isso é uma decisão humanitária e que o Brasil está recebendo essas pessoas e assim que nós vamos trabalhar com elas.
Luis Fernando Godinho Santos – Anualmente, dezenas de estrangeiros chegam ao Brasil em busca de refúgio. Em alguns casos, estão fugindo de seus países de origem por conta de guerras que colocam em risco suas vidas e a de familiares, como é o caso destes refugiados palestinos. O direito à proteção brasileira, nestes casos, é concedido pelo Comitê Nacional para Refugiados (Conare), que é composto por representantes dos Ministérios das Relações Exteriores, Trabalho e Emprego, Saúde, Educação, além da Polícia Federal, Cáritas Arquidiocesana de São Paulo e do Rio de Janeiro, e do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). A Lei brasileira sobre refúgio é considerada pela ONU como uma das mais modernas, abrangentes e generosas do mundo, pois contempla todos os dispositivos consolidados de proteção internacional aos refugiados. Além disso, o Brasil criou um órgão nacional específico para lidar com a questão, com participação da sociedade civil e das Nações Unidas, ao qual incumbe decidir quanto aos pedidos de refúgio e conduzir a política brasileira sobre o tema. Atualmente, o Brasil tem aproximadamente 3400 refugiados de 69 nacionalidades sendo 6,1% provindos de países asiáticos.
IHU On-Line - Quais são as condições que levaram Santa Maria, Passo Fundo e Pelotas a serem consideradas ideais para receber essas famílias?
Karin Wapechowski – Essas cidades são conjecturas apenas. Nós não temos confirmado nenhum município. Assim como estes três municípios, outros tantos podem ser escolhidos, pois o trabalho de busca ainda não cessou. É uma reunião de fatores que buscamos: políticas públicas disponíveis na cidade, a questão da saúde, da educação, alguns projetos/programas de geração de renda, algumas situações que o município como gestor público pode oferecer para facilitar a vida dessas pessoas. Ou seja, trata-se de uma série de coisas, inclusive o número de habitantes, se há indústrias no município escolhido, pois é destacada a questão do trabalho. E outro ponto que também é decisivo é o apoio da comunidade árabe palestina no local. Isso é um fator importante porque a questão da identidade sociocultural religiosa também é considerada importante na integração. São vários fatores que ainda não podem definir exatamente as cidades que essas pessoas irão viver.
IHU On-Line – Quais são as estatísticas do deslocamento dos refugiados do Iraque no mundo todo, atualmente?
Luis Fernando Godinho Santos – A comunidade internacional está enfrentando uma crise humanitária maior e mais complexa do que havia sido estimado pelas agências humanitárias durante o início da intervenção militar norte-americana em 2003, com a violência contínua na região sul do Iraque. Em abril de 2007, estima-se que existam aproximadamente quatro milhões de deslocados iraquianos em todo o mundo, sendo que quase 1,9 milhão está deslocado dentro do próprio Iraque, cerca de dois milhões estão em países vizinhos (no Oriente Médio) e 200 mil estão no resto do mundo. Uma proporção significativa deste total já estava deslocada antes de 2003, mas muitos outros fugiram desde então. Em 2006, os iraquianos alcançaram, mais uma vez, o topo do ranking de solicitações de asilo nos países industrializados. Entretanto, 95% dos deslocados iraquianos ainda estão no Oriente Médio. Veja a tabela:
IHU On-Line - Para você, como deve ser a cobertura jornalística deste caso?
Karin Wapechowski – Num primeiro momento, essa é uma cobertura que poderia ser discreta no sentido de preservar essas pessoas que estão há muito tempo praticamente confinadas num campo. Há quatro anos, estão com uma vida muito voltada para o campo e, assim, não queremos que elas se sintam expostas como se estivessem num espetáculo. Nós estamos tratando da vinda delas com muita discrição e fazendo a nossa divulgação, até então, de forma dirigida e planejada para que não tenham a idéia de fazerem parte de uma nova vida. Nós estamos trazendo apoio.
Luis Fernando Godinho Santos – O Governo Federal, o ACNUR e as ONGs envolvidas no reassentamento dos refugiados palestinos estão tratando o caso com total transparência. A chegada dos refugiados ao Brasil será anunciada no dia da chegada, em entrevista coletiva em Brasília, a ser concedida pelo CONARE (Comitê Nacional para os Refugiados) e pelo ACNUR. Os detalhes do vôo de chegada, assim como as cidades de reassentamento, não estão sendo informadas para que possamos preservar a privacidade e a segurança dos refugiados num primeiro momento. São pessoas vulneráveis, que estão encerrando um período difícil e precisam de calma e privacidade para reconstruir suas vidas no Brasil. Num momento mais oportuno, vamos colaborar com a imprensa para que possam ser feitas reportagens que retratem o processo (e os resultados) da integração desses refugiados no Brasil.
IHU On-Line - Como vivem as pessoas refugiadas que já vivem no Brasil hoje?
Karin Wapechowski – São mais de duzentas pessoas que são divididas em dois grupos/aspectos: os refugiados espontâneos, que escolhem o Brasil como primeiro país de asilo, e ainda os que vêm pelo Programa Brasileiro de Reassentamento Solidário, em que a opção pelo Brasil é a terceira e última escolha dessas pessoas. O primeiro é o próprio país de origem, o segundo pode ser qualquer outro e, enfim, vem o Brasil. São menos pessoas, dentro do Programa, que vivem no Brasil, diferente daquele que vem por meios próprios.
IHU On-Line - Como a Associação Antonio Vieira está trabalhando e se envolvendo com este caso?
Karin Wapechowski – A nossa tarefa tem pontos específicos, determinados num acordo feito entra a Associação Antonio Vieira - ASAV e o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados. A nossa parte diz respeito a reunir condições para que essas pessoas se integrem aqui. São condições físicas, estruturais de infra mesmo, a questão da casa onde vão morar, providências para saúde, educação para crianças, capacitação profissional. Essa parte toda tem a ver com a vida prática dessas pessoas. Além disso, nós temos toda uma preocupação de trabalhar com elas um plano de trabalho para suas vidas, um plano de vida, pelo menos para os próximos meses ou anos que estarão dentro do programa, para que tenham um melhor aproveitamento de todas as condições que o programa oferece. São condições que se eles fossem vir como imigrantes certamente não teriam essa chance. Então, nosso trabalho também é de um resgate da cidadania dessas pessoas, de resgate da sua noção de direitos e deveres de estar novamente integrado numa sociedade formal. Estar na situação de refúgio durante muitos anos deixa a pessoa um pouco desvinculada da sua vida formal. Isso mostra como é importante a orientação sociocultural também.
IHU On-Line - Como você crê que essas famílias se inserirão e atuarão na cultura brasileira?
Karin Wapechowski – O impacto disso é notório. Isso nós já estamos prevendo e nos preparando para isso. Existe o impacto sociocultural, religioso e de tudo um pouco, porque o mundo ocidental tem diferenças grandes. Nossa tarefa aqui é buscar junto a nossa comunidade alguns pontos de identidade com isso, para que a gente ofereça a essas pessoas condições de elas se sentirem em casa também. Então, essa relação com a comunidade árabe palestina está sendo muito importante, pois eles vão nos apoiar também nessa questão de minimizar os impactos que essas pessoas vão naturalmente sentir. Então, como nós vamos amenizar? Exatamente trabalhando junto, muito discretamente, com eles, oferecendo o que nós temos aqui. Além de tentar entender quais são suas necessidades como família, como indivíduo, como a questão da mulher, da religião... Então, também nós estamos aprendendo com esse povo para poder, de alguma forma, interagirmos com a sua realidade.
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Refugiados palestinos no Brasil. Entrevista especial com Karin Wapechowski e Luis Fernando Godinho Santos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU