23 Julho 2007
Os rumos da economia e política da América Latina é o tema da entrevista que a IHU On-Line, com ajuda da Ana Formoso, fez com o José Comblin. Um exímio conhecedor da metade sul do continente americano, Pe. Comblin falou sobre os grandes desafios do continente latino-americano. Falou das atuais e históricas implicações econômicas e políticas, sobre o etanol, a reforma agrária e a imigração, sobre uma unidade entre os países sul-americanos e sobre a crise política. Para ele o problema político básico encontrar uma forma de retirar da oligarquia tradicional o poder sobre a América Latina. “Com o apoio popular, existirá mais força”, afirma ele.
José Comblin é teólogo. Participou do primeiro grupo da Teologia da Libertação. Esteve primeiro na raiz das equipes de formação de seminaristas no campo em Pernambuco e na Paraíba (1969), do seminário rural de Talca (1978) e de outro, na Paraíba, em Serra Redonda (1981). Estas iniciativas deram origem à chamada "teologia da enxada". Além disso, esteve na origem da criação dos Missionários do Campo (1981), das Missionárias do Meio Popular (1986), dos Missionários formados em Juazeiro da Bahia (1989), na Paraíba (1994) e em Tocatins (1997). Orientou cursos de formação de animadores de comunidades de base com um grupo de colaboradores (1981). É autor de inúmeros livros, dentre eles A ideologia da segurança nacional: o poder militar na América Latina (Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1978).
Eis a entrevista.
IHU On-Line - Quais são os desafios econômicos e políticos que marcam a América Latina?
José Comblin - O grande desafio econômico é que agora está se definindo a repartição da economia no mundo. Nos próximos anos, vai-se decidir como será a especialização em cada continente e, por conseqüência, qual é o lugar da América Latina na economia mundial, que será dirigida, ao que tudo indica, por algumas grandes super-empresas mundiais. A projeção atual é que a América Latina se dedicará à agricultura, considerando-se esta a sua vocação. Isso traz conseqüências muito graves, porque mostra que não será desenvolvida uma tecnologia muito nova. Não irá existir muita investigação científica nem o desenvolvimento da indústria de produtos nobres e de coisas caras, porque os produtos agrícolas são mais baratos. Por outro lado, essa agricultura estará nas mãos de grandes companhias. Se isso for aceito, constituirá uma ameaça para toda a floresta da Amazônia, à medida que vão querer aumentar as terras cultiváveis. Já se destruiu, em grande parte, o Mato Grosso e o estado do Pará. Agora querem avançar e a impressão que se tem, neste momento, é que o governo aceita essa orientação.
IHU On-Line - Isso implica na proposta do etanol?
José Comblin - Claro que ela indica uma proposta grave, pois irá ficar marcada como um retrocesso na história do Brasil. E voltar ao passado é voltar a um estado colonial, de produtos agrícolas.
IHU On-Line - A reforma agrária hoje resolveria o impasse do desenvolvimento sustentável?
José Comblin - A reforma agrária está abandonada. Ela pressupõe uma reforma na sociedade, pois não basta a terra. É preciso reeducar os camponeses, para que possam produzir coisas que tenham mais valor. A juventude rural não está convencida a respeito dessa idéia e não vê futuro na reforma porque percebe que as autoridades não se envolvem com a questão. Então, é preciso também reeducar a juventude para que ela possa decidir se vai dedicar ou não sua vida ao campo, o que necessita uma campanha de propaganda, de informações, de publicidade. Não sei quem estaria decidido a fazer isso; talvez o ministério da educação...
IHU On-Line - A maior parte da população mora nas zonas urbanas. Isto também é uma dificuldade de nossa época?
José Comblin - Claro, a imigração para a cidade está aumentando, crescendo, e é claro que, ao se adotar um modelo de agricultura, de monocultura extensiva, a maioria dos camponeses virá para a cidade, fazendo com que não sobre nada das antigas idéias.
IHU On-Line - Quais as vantagens e desvantagens da proposta do Banco do Sul?
José Comblin - Nessa questão eu não sou muito financista, mas essa tentativa da Venezuela de assumir um projeto de unidade, de união da América do Sul para contrabalançar o projeto dos Estados Unidos depende muito do Brasil para funcionar, porque caso contrário é difícil que o banco e todas as iniciativas de união latino-americana consigam estabelecer um plano, sendo o Brasil a maior economia. No entanto, o entusiasmo não parece tão grande e não se sabe no que isso irá resultar. Existe uma grande campanha contra Venezuela, Bolívia e Equador, contra novos líderes populares. A lista de países pode crescer; no Paraguai e no Peru, as adversidades, nesse sentido, ainda podem aumentar.
IHU On-Line - A mídia passa uma imagem negativa dos líderes populistas?
José Comblin - Claro, completamente negativa. Os movimentos socialistas são a maior ameaça ao domínio da economia. Portanto, a campanha vai crescer, porque o financiamento dos Estados Unidos não vai faltar. Agora, o interessante é que as massas populares na Venezuela não se deixam impressionar por toda essa propaganda; na Bolívia, acontece a mesma coisa. Por sua vez, no Equador até agora não se sabe: é uma situação mais delicada, mais frágil.
IHU On-Line - O senhor defende um estado mais controlado?
José Comblin - Sim, claro, porque o problema político básico é como tirar o poder da oligarquia tradicional. Esse é o desafio: todo o resto é secundário. O sistema chamado democrático foi controlado justamente pelas oligarquias e, então, a câmara dos deputados do Brasil representa as empresas, não o povo. Às vezes, alguns caciques permanecem. Portanto, nunca será feita uma reforma dentro de um sistema democrático; não há exemplo histórico. O sistema democrático é feito para conservar, manter o equilíbrio, para que a nação não caia em perturbação de mudanças. No entanto, num continente em que existe essa estrutura tão forte de dominação, acredito que aumentará o movimento da maioria e o apoio popular. Com o apoio popular, existirá mais força. No Brasil, Lula não quis, não foi a vocação dele e, então, ao invés de apelar para os movimentos populares, aconteceu o contrário: os movimentos populares foram apagados. Enfim, essa é a vocação do presidente, mas em outros países podem acontecer outros movimentos, alguma novidade. Na Argentina, a mulher do Kirchner, que será candidata, provavelmente há de ganhar as eleições. Dizem que é mais radical que o marido; vamos ver.
IHU On-Line - No Chile, também havia uma esperança de um governo de mudança e hoje vemos que o país caminha aliado com o mercado...
José Comblin - No Chile, poucas pessoas informadas tinham ilusões, porque na prática a dominação da economia por alguns grupos é tão forte, tão forte, que não há força política que possa reformar. Todo conservadorismo, desde a origem, é neoliberal e continua sendo. Alguns partidos podem até se considerar socialistas, mas pregam um socialismo neoliberal, que não revela nenhuma vontade de mudar. Isto é, não há nenhuma força política que queira mudar algo da sociedade. No Chile, a mudança ainda é mais difícil, pois a classe rica ficou ainda mais rica. Santiago é uma cidade totalmente transformada: parece uma cidade norte-americana. Nela, há uma concentração de riqueza tão grande que fará com que não exista nenhuma grande transformação no país. Ela só poderá vir de outros países que não tenham uma oligarquia tão forte.
IHU On-Line - O senhor vê com esperança as articulações que Evo Morales está fazendo com outros países?
José Comblin - Claro que tudo é arriscado, é difícil fazer previsões, mas é uma alternativa, porque é necessário um estado forte, com vontade de mudar e que procure apoio nas massas populares que oferecem resistência às elites. Trata-se da única maneira de intimidar a força das oligarquias dominantes. Não existe experiência histórica de uma experiência semelhante: tudo é novo.
IHU On-Line - Pode-se afirmar que se estamos vivendo uma situação nova na América Latina?
José Comblin - Claro, porque a década de 1990 foi do sistema neoliberal, os líderes eram Carlos Menem na Argentina; Carlos Salina de Gortari, no México; Fujimori no Peru; e Collor de Mello e Fernando Henrique, no Brasil. Foi a década do neoliberalismo e a década do fracasso tremendo, inclusive de vários líderes. Por exemplo, Fujimori está no Chile e não pode entrar no Peru, e Menem está se salvando, sobrevivendo, mas perdeu todo o prestígio. Assim, os líderes dessa época perderam sua força. Agora estamos em uma nova época, mas ela não mostra ainda uma linha homogênea
IHU On-Line - A política vive uma grande crise, na questão ética e administrativa. Como o senhor analisa esta situação?
José Comblin - A corrupção é uma tradição antiga, desde a colônia, que estava baseada nela. Certa dose de corrupção é inevitável. No entanto, deve-se evitar o excesso. O Estado precisa ter capacidade econômica e não pode permitir uma correção completa, mas a questão ética fundamental é a injustiça da sociedade: as outras coisas são pormenores. A questão é acabar com a injustiça.
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As oligarquias controlam a democracia na América Latina. Esta é a questão central. Entrevista especial com José Comblin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU