Na missa, nós ficamos entediados. E certamente não são suficientes os “conselhos” para não se entediar oferecidos em certos sítios católicos ou no YouTube.
O comentário é de Patrice Dunois-Canette, jornalista francês especializado em aconselhamento e formação em laicidade e religiões. O artigo foi publicado em SaintMerry-Hors-Les-Murs.com, 10-01-2022. A tradução da tradução italiana é de Moisés Sbardelotto.
Na missa, ficamos tão entediados que surge um problema quando imaginamos que teremos que voltar para as celebrações assim que a situação de emergência causada pelo coronavírus permitir. E não como um direito superior às considerações de saúde pública e ao dever de cuidar dos outros, a começar pelos profissionais da saúde.
O que fazer? Dizer a nós mesmos que não somos os únicos que se entediam? Que sem dúvida não fizemos tudo o que podíamos fazer para não ficar entediados? Dizer a nós mesmos que a missa é como certas áreas cinzentas da vida? Dizer a nós mesmos que todo esse tédio, afinal, não diz respeito a todos os praticantes, que certamente há alguns que não se entediam?
Dizer a nós mesmos que não somos um “público tão bom assim”? Sair procurando por toda a parte uma missa menos entediante? Interrogar-se sobre a natureza desse tédio? [...] Lembrarmo-nos de ter lido em algum lugar algo sobre as “virtudes” do tédio?
E então, sem esquecer as perguntas levantadas, entediarmo-nos certamente, mas substituindo os suspiros por pontos de interrogação. Em outras palavras, tentar aprender com esse tédio? Não para aceitarmos ficar entediados. Não para nos tornarmos mais “filósofos”. Não. Isso seria considerar a missa como algo de pouca ou nenhuma importância. Mas nos entediarmos e ousarmos reconhecer que nos entediamos ao tentarmos ver “no vácuo” o que é a eucaristia. Para finalmente tentarmos experimentar a eucaristia na missa.
Tentemos ser os porta-vozes de quem ainda vai à missa e se entedia, mas não se resigna ao tédio. Em primeiro lugar, essas pessoas têm a sensação de que isso não faz sentido. Felizes por descobrir que participam do sacerdócio de Cristo e que compartilham um sacerdócio comum, elas se dão conta, domingo após domingo e há muito tempo, quase a ponto de se desesperarem, que a missa, do modo como é celebrada, não lhes permite verdadeiramente exercer o seu sacerdócio.
Elas se consideram e se sentem chamadas a serem protagonistas, mas se veem confinados aos papéis de espectadores, de eternos figurantes. Elas não subestimam o papel de presidência desempenhado pelo padre, embora considerem que ele também poderia ser exercido por mulheres ou por homens casados.
Mas se perguntam: como poderia ser exercida uma “presidência” que permitisse que cada batizado, homem ou mulher, e que toda a assembleia dos batizados realmente exercessem o seu sacerdócio?
Os padres, e apenas eles, são percebidos como celebrantes. De fato, em virtude do batismo, os celebrantes são os fiéis, mas isso não se é dito, não é visto, não aparece. Os homens celibatários ordenados “celebram”, mas os batizados não, e menos ainda as mulheres.
A imagem enviada por quem preside é a do homem detentor de um poder, de um caráter, de um saber-fazer que os outros, aqueles que assistem, não têm. A figura do homem “sagrado” por ter renunciado aos “prazeres da carne” e que foi formado e ordenado, se dedicou ao culto, foi feito pelo e para o culto, oficiante na presença dos fiéis, mas sem eles, pode, em suma, “operar”, “fazer” na ausência dos fiéis.
A missa dependeria unicamente de um homem consagrado que vive o celibato?
Os fiéis, por sua vez, têm a impressão de que a oferta que lhes é feita, que o papel que lhes é atribuído é seguir a missa como a “sua” missa individual, que não lhes resta nada mais senão tentar se virar de alguma forma na missa, a missa que lhes fará bem e lhes permitirá cumprir os seus deveres religiosos de forma devocional.
Enquanto isso, aquilo que compartilhamos, aquilo que temos em comum, aquilo que somos em comum, aquilo que deveríamos fazer em comum é deixado nas sombras.
Quando os batizados descobrem que devem passar da missa à eucaristia, eles sequer chegam a compreender bem como a missa, do modo como é celebrada, realmente permite que cada um e cada uma faça e refaça a experiência concreta daquilo que ocorreu na véspera da morte de Jesus Cristo, durante uma ceia. Não conseguem entrar no processo que ele inaugurou para nós, na noite da sua paixão, o gesto tão simples e tão inovador de Jesus, da fração do pão.
O sentido daquilo que se faz não aparece, ou aparece pouco, não é suficientemente evidenciado nas missas. Não é manifestado de forma clara, forte, surpreendente, compreensível, efetiva, carnal.
O que significa fazer e refazer em memória d’Ele aquela ação de Jesus que consiste em se despojar da própria vida, em partir o pão que ele identifica com o seu corpo, em repassar o cálice que ele identifica com o seu sangue? O que significa participar dessa ação?
Jesus confia a ação eucarística a todos, mas a missa parece ser um espetáculo e nem sempre um espetáculo particularmente muito bom. É uma ação que olhamos sendo feita e que não parece ter muito a ver com a vida dos homens e das mulheres, de quem ainda é praticante, daquelas pessoas pelas quais se está ali.
Jesus pede para celebrar a eucaristia em sua memória, como ação sua, ação que ele preside, na qual ele se comunica e na qual os batizados podem comungar da sua pessoa oferecida para que todos tenham vida. Como podemos fazer memória juntos da história da salvação realizada em Jesus Cristo, memória do passado em ação de graças e, ao mesmo tempo, memória do futuro que transforma e mobiliza?
Na missa como é celebrada hoje, o que permite que cada batizado assuma verdadeiramente o mandamento da memória de Jesus, de louvar a Deus que age pela salvação dos vivos e dos mortos?
Na maneira como as coisas são conduzidas, o que permite lembrar o que Ele faz para que o ser humano e o mundo tenham vida? O que encoraja a ver o mundo como Deus o vê e a agir como Ele pelo mundo?
Quem vai à missa e tenta “viver” a missa se pergunta o que seria uma ceia do Senhor se fosse a mesa da Palavra e a mesa do pão partilhado; o que seria uma missa que os instruísse com a palavra de todos, e não somente com a palavra sempre dos mesmos e que não propusesse sempre uma legislação dos comportamentos.
Essas pessoas desejariam dar graças, louvar, cantar a Deus pela Sua obra de salvação que culmina em Jesus, Seu Filho morto e ressuscitado.
Desejariam poder louvar, cantar ao Espírito que impele cada um a viver a Eucaristia ao lado de quem não tem mais nem terra nem céu.
Desejariam, para retomar a expressão do Padre De Lubac,
“uma eucaristia que faça a Igreja... uma Igreja menos preocupada consigo mesma, uma Igreja ‘em saída’”.
O tédio dessas pessoas não é principalmente o tédio de ouvir um pregador que fala por muito tempo porque esqueceu o essencial a dizer, não é o tédio de ter que aderir mecanicamente a uma oração universal indigente...
O tédio delas é ter que assistir a missas que não chegam a se tornar eucaristias, que não podem ser vividas como eucaristias e que, finalmente, parecem esgotadas.
Além disso, o tédio delas começa quando nada é feito antes da missa para acolher uns aos outros, quando nada é feito para acolher a Cristo em cada um e em cada uma, quando nada é realmente feito para poder “fazer assembleia”.
Não é a missa com mais ou menos cantos, violões, incenso, movimentos. Não é a missa “inovadora” feita para tentar atrair alguns jovens. Não é a missa destes ou daqueles. A missa não é principalmente uma questão de técnicas litúrgicas ou de ritos particulares.
A pandemia ensinou os batizados a verem melhor o que desejam, o que querem “fazer” juntos para viver como irmãs e irmãos de Cristo, filhas e filhos de Deus, para se tornarem o Corpo de Cristo oferecido ao mundo. O tédio deles não pode mais ser suportado.
Depois da crise, será preciso combater o tédio, esforçar-se para implementar tudo o que possa ensinar os fiéis a não fazer mais como antes: acolhida, espaço litúrgico aberto a todos, gestos e movimentos que não excluem ninguém, sinais e símbolos revisitados e mais existenciais, lecionário que não esquece as mulheres da Bíblia, orações verdadeiramente universais porque incluem “o gênero”, textos reinvestidos e reformulados, “traduzidos” para que possam ser rezados honesta e claramente, respostas não padronizadas, leitura e recepção da Palavra preparadas e compartilhadas, oferta daquilo que cada um vive, sofre, se alegra e daquilo que a sociedade busca, espera e cria no seu caminho.
Será preciso aprender a não fazer o que as missas do YouTube ou do Facebook propõem, ditas na ausência do povo de Deus, do corpo de Cristo... Missas para serem “consumidas”, consolatórias e edificantes, clericais, “espiritualizadas” e, quando chega a longa e solene elevação da hóstia e do cálice, adoradoras de alguma coisa que não parece mais uma Realidade viva, que não parece mais Alguém.
Passar da missa à eucaristia, fazer com que todos, mulheres e homens, juntos, sejam celebrantes; permitir que se celebrem as cores, os odores, os sons de uma antecipação que faz viver o céu na terra; fazer da ceia eucarística a matriz de um mundo novo, de uma criação que continua.
A pandemia, paradoxalmente, refina o desejo de partilhar da “ceia do Senhor”, fonte e ápice da vida cristã, sacramento dos sacramentos, lugar experimental de um novo modo de viver na Igreja e no mundo.
Os períodos de confinamento, que impedem que haja missas, não poderiam ser, talvez, um tempo de invenção (doméstica?) em que se reencontram as práticas das primeiras comunidades, que se reuniam nas casas para ler as Escrituras e partilhar o pão? Um tempo para experimentar a Eucaristia tal como se gostaria de poder vivê-la nas assembleias paroquiais maiores?
Não, o tédio não é consubstancial à ceia eucarística. A pandemia, que tornou mais fraco o vínculo do hábito, levanta a cada um a questão sobre o próprio retorno às igrejas para uma missa na qual nos entediamos.
Mas talvez descubramos durante esta pandemia e os seus confinamentos que esse tédio não é principalmente falta de atenção, dispersão, distração, falta de dedicação e não tem nada a ver com questões superficiais ou exteriores. Esse tédio nasce do desejo da ceia do Senhor.