09 Agosto 2021
Um covil de cobras. Um grupo de poder arraigado e protegido, capaz de montar um sistema impenetrável, construído em torno da mentira e alimentado por “clientelismo e favoritismo”. Esta é a descrição da Secretaria de Estado do Vaticano, que pela primeira vez não vem de fora, mas do arcebispo Edgar Peña Parra, o prelado escolhido pelo Papa Francisco para ocupar o lugar do cardeal Angelo Becciu, por anos substituto para os Assuntos Gerais.
A reportagem é de Daniele Autieri, publicada por La Repubblica, 06-08-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Trata-se - escreve Peña Parra - de um mecanismo no qual o Superior é posto sob pressão, impelindo-o a agir com urgência e prospectando eventos catastróficos como: ‘se não assinar imediatamente corre o risco de perder muito dinheiro’; ‘não temos alternativa’; ‘não se preocupe, a prática está correta’; ‘isso é apenas uma formalidade’”. Palavras duras, contidas no amplo memorial dedicado ao escritório dos venenos, um documento que no dia 13 de abril passado foi enviado a Gian Piero Giuseppe Milano, um dos promotores de justiça do tribunal da Santa Sé que investiga a venda do prédio da Avenida Sloan em Londres. Dentro do dossiê 25 documentos classificados como "confidenciais": cartas anônimas, contratos, pareceres jurídicos, e-mails que - de acordo com o Substituto indicado pelo Papa Francisco - lançariam uma longa sombra sobre como o "Ministério do Interior" da Santa Sé foi administrado durante anos.
Edgar Peña Parra foi convocado pelo Papa Francisco em 15 de outubro de 2018 com um mandato claro: realizar uma "revisão geral" da Secretaria de Estado. Tarefa dificultada pela oposição interna dos homens do "sistema". “A greve branca - diz Peña Parra - fazia parte deste modus operandi: perante uma minha pergunta, respondia-se com o silêncio ou com a promessa de dar seguimento ao meu pedido, mas na realidade isso não acontecia. Esta forma de agir não era empregada apenas na administração ordinária, mas também nas decisões importantes, ou seja, uma verdadeira linha operacional transversal do Gabinete Administrativo da Secção Assuntos Gerais”.
A primeira linha desse sistema era ocupada por monsenhor Alberto Perlasca, o ex-número dois de Becciu que se tornou o grande acusador do cardeal. “Nos encontros diários com monsenhor Perlasca - relata o prelado - ao meu pedido de explicações fornecia-me informações incompletas ou parciais que se limitavam a tentativas de justificação das operações em curso”.
Também por isso o cardeal chega a confessar: “Acredito que eu estava diante de um modus operandi sistematizado”, um entrelaçamento clientelista alimentado pelas relações entre o escritório “e os diversos fornecedores baseados unicamente num mútuo interesse pessoal e trocas de favores em detrimento da Secretaria de Estado”.
Monsenhor Alberto Perlasca não está entre os dez indiciados no julgamento que acaba de ser aberto no Vaticano, mas seu modus operandi ocupa um capítulo inteiro do memorial de Parra.
Segundo o arcebispo, a expressão máxima dessa atitude aparece na operação que encerra o caso do prédio londrino, com a entrada na operação do corretor Gianluigi Torzi.
Peña Parra informa que em 22 de novembro de 2018 Perlasca falou-lhe sobre a oportunidade de comprar o imóvel em Londres, e acrescentou: "Ele me disse que a operação deveria ser concluída em curtíssimo prazo (ou seja, em apenas 7 dias)". Quando, dois dias depois, o Substituto pediu a Perlasca a documentação, foram-lhe enviados os dois documentos-chave da venda, o Framework Agreement e o Share Purchase Agreement, que criam os pressupostos jurídicos para que Torzi apresente suas reivindicações econômicas. Ambos os documentos eram assinados pelo próprio Perlasca em 22 de novembro "e antes mesmo que a questão fosse levada ao conhecimento do Secretário de Estado e do Santo Padre".
Delações, suspeitas, traições. Peña Parra se convenceu que algo grave aconteceu no escritório dos venenos, em fevereiro de 2019, quando uma carta anônima foi colocada sob a porta de seu escritório. Nela se fala do "sistema Enrico Crasso", o consultor que por 27 anos administrou uma fatia das finanças do Vaticano, hoje acusado de corrupção, lavagem de dinheiro, fraude, peculato, abuso de poder. Segundo o autor da carta, “Crasso é o motor de um sistema de comissões não escritas que tem levado ao saque das finanças da Secretaria de Estado”.
“A realidade dos fatos - prossegue a carta - é que se depositaram milhões e milhões de euros numa conta corrente em Santo Domingo”, à qual teriam acesso também monsenhor Alberto Perlasca e Fabrizio Tirabassi, o ex-secretário de Becciu responsável pelos investimentos constantes no processo por corrupção, extorsão, peculato, fraude e abuso de poder. As acusações contidas na carta ainda estão sendo examinadas pelas autoridades vaticanas, mas sua envergadura contribuiu para reforçar a convicção do arcebispo de ter se deparado com uma aliança de poder tão forte que chega a contrastar as decisões do Santo Padre.
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“Assine, está tudo certo”. Assim a camarilha do Vaticano agia às costas do Papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU