24 Junho 2021
Daniele Garrone nasceu em 1954 em Perosa Argentina, na província de Turim. De 1959 a 1967 foi aluno das Escolas Judaicas de Turim e em 1973 obteve a maturidade científica. Ele estudou teologia em Roma e Heidelberg, e é pastor valdense desde 1983. Desde 1988 é professor de Antigo Testamento na Faculdade de Teologia valdense; possui um Doutorado em Teologia pela Universidade de Basel e um Diploma da Escola de Biblioteconomia do Vaticano. Ela é atualmente membro do Conselho da Federação de Igrejas Evangélicas na Itália e professor de Antigo Testamento na Faculdade de Teologia Valdense em Roma.
A entrevista é de Paolo Ricca, publicada por Riforma, semanário das igrejas Evangélicas Batistas Metodistas e Valdenses, 25-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como nasceu em você o amor pela língua hebraica e pelo modo hebraico de viver e expressar a fé?
Em retrospecto, nos nove anos passados nas Escolas Judaicas de Turim, do jardim de infância ao ensino médio. Não pensava mais nisso, mas tudo voltou com os estudos na Faculdade. Lá descobri que ter crescido entre dois mundos, o judeu e o valdense, foi um dom recebido, portanto um talento confiado e uma vocação...
É verdade que quanto mais se conhece o judaísmo, mais se ama, e que o antissemitismo surge em grande parte da ignorância?
Certamente o antissemitismo se alimenta da ignorância e dos preconceitos; a maioria daqueles que falam mal dos judeus nunca encontraram um, mas pensam que sabem tudo sobre eles. Isso é possível porque durante séculos foi construída e propagada uma visão estereotipada e malévola do judaísmo e ela se enraizou nos discursos, mesmo na ausência dos judeus.
Como você explica a existência do antissemitismo, especialmente em sua forma moderna?
Acredito que o antissemitismo que se espalhou na Europa em particular na segunda metade do século XIX e nas primeiras trágicas décadas do século XX foi ditado por uma visão antiliberal e funcional a uma ordem iliberal: os judeus emancipados se tornaram o símbolo de uma sociedade baseada na cidadania e considerada desmanteladora da ordem baseada no nacionalismo, na tradição ...: vamos pensar na atualidade, que tanto fala em democracia iliberal.
Você considera que a distinção entre antissemitismo e antijudaísmo é necessária e útil, ou você acha que o antijudaísmo nada mais é do que uma forma de antissemitismo?
Sim, mas não para fins apologéticos, isto é, não para dizer que o Cristianismo foi ‘apenas’ antijudaico, mas para identificar a responsabilidade específica: ter colocado no centro de seu discurso a visão de Israel como um povo deserdado, suplantado pela Igreja, rejeitado por Deus e ainda preservado como uma espécie de duplo negativo do cristianismo, minúsculo mas extremamente ameaçador. Quando o antissemitismo racista se manifestou, tudo isso era há séculos e ecumenicamente difundido.
O que você acha, em breve, do Estado de Israel? Por que existe?
É a realização da aspiração legítima de um povo de regressar e viver independente e seguro na terra onde nasceu e se criou, que as dominações estrangeiras oprimiram e expulsaram, sem que o povo e a sua identidade fossem perdidas. De forma bem leiga, nem mais nem menos.
Você acredita que a solução para o conflito entre Israel e palestinos almejada por muitos: "Uma terra, dois povos, dois estados" seja concretamente realizável?
Não sei se, nas condições atuais, seja algo realista. Nós, porém, que não estamos diretamente envolvidos no conflito, devemos ter o cuidado de não fazer dessa fórmula uma espécie de slogan que tranquiliza a nossa consciência e esconde a nossa ignorância.
Você é o sucessor de Jan Alberto Soggin na cadeira do Antigo Testamento, e também foi seu aluno. Qual é a "boa parte" (Lucas 10,42) da sua herança que você assumiu?
A abordagem rigorosamente histórico-crítica da Bíblia hebraica combinada com uma profunda conexão com sua igreja e um amor pelos judeus e por Israel. No plano humano, a grandeza de um professor que estima e encoraja o aluno, mesmo quando muitas vezes não faz o que ele gostaria...
A fórmula tradicional: “O Antigo Testamento torna-se claro [patet, no texto latino] no Novo; O Novo está escondido [latet, no texto latino] no Antigo" ainda é proponível, ou não?
Não assim. Com a abordagem histórico-crítica das Escrituras e após a reflexão que começou somente após o Holocausto, o desafio é redescobrir o que chamamos de Antigo Testamento como as Escrituras que estão a montante da Igreja e de Israel e que compartilhamos sem englobá-las.
Há quem afirme que hoje o "povo de Deus" existe em duas seções (se assim podemos dizer): a Igreja cristã e o povo de Israel. Qual a sua opinião sobre isso?
Essa fórmula é uma tentativa de superar a visão segundo a qual a Igreja seria o novo e verdadeiro Israel, o novo (e agora único ...) povo de Deus. No entanto, levanta outros problemas. Talvez devêssemos valorizar o fato (Ef 2,11ss.) de que nós somos “gentios”, isto é, homens e mulheres envolvidos na história de Deus vindos dos povos, “distantes” que se aproximam e não constituem um povo, mas uma ecclesia.
Você também foi presidente da Amizade Judaico-Cristã de Roma. Considero a existência dessas "Amizades" após o Holocausto um verdadeiro milagre. Você também?
Sim, somos nós que 'mudamos de opinião', expressamos a necessidade de ouvir a voz judaica e de dialogar com os judeus depois que a atitude prevalecente durante quase dois mil anos tinha sido outra....
Há quem afirme que os cristãos tenham sido, nos séculos passados, os maiores inimigos e os mais ferrenhos perseguidores dos judeus. É verdade ou teve piores?
Certamente entre a vitória do Cristianismo como força hegemônica (século IV?) e a época da tolerância, o Cristianismo foi o principal agente de difamação e perseguição aos judeus.
Karl Barth afirmava que o verdadeiro problema ecumênico é o divórcio entre Igreja e Sinagoga. Na sua opinião, é certo ver coisas assim?
É uma simplificação, certamente no plano histórico: a ‘separação de caminhos’ entre os vários grupos cristãos, digamos, do primeiro século e as variadas correntes do judaísmo contemporâneo não é bem compreendida se tudo se reduz a ‘igreja’ e "sinagoga".
Você também foi diretor da Biblioteca da Faculdade Valdense de Teologia por muitos anos, que contém alguns "tesouros". Quais são?
Existem edições antigas, da Bíblia e de outras fontes, textos que documentam a difusão na Itália de protestantes e evangélicos desde o século XIX, mas o maior tesouro é a própria biblioteca, mais de cem mil volumes, centenas de periódicos, um patrimônio que cresce de acordo com as necessidades ... tudo à disposição para quem quer estudar para pensar. Por exemplo, para cada uma das curtas perguntas que você me fez, podem se ler dezenas de volumes em várias línguas....
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Crescer entre dois mundos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU