13 Mai 2021
“O contexto mudou, mas seguem vigentes muitos dos ensinamentos daquele movimento que, há 10 anos, nos emocionou. Sem nostalgias paralisantes, tomara que este aniversário sirva de estímulo para todos nós que acreditamos que há muito o que mudar e que ir às ruas continua sendo uma ferramenta política fundamental”, escreve Pablo Castaño, doutor em Ciência Política, que participou do Movimento 15-M, em artigo publicado por Ctxt, 11-05-2021. A tradução é do Cepat.
Há dez anos, chegava à Puerta del Sol de Madrid uma manifestação sob o lema: “Não somos mercadorias nas mãos de políticos e banqueiros”. Algumas horas depois, um grupo de jovens acampava na praça, iniciando um movimento social que transformaria a política espanhola para sempre.
Uma década mais tarde, muitas coisas mudaram no panorama político de nosso país, transformado pelo crescimento da ultradireita, o processo independentista catalão, a ascensão do feminismo e o ecologismo e pela pandemia de coronavírus. No entanto, ainda são visíveis os efeitos do ciclo de protestos iniciado em 2011.
Quais foram as principais chaves do movimento 15-M e o que nós, que fazemos política hoje, na rua ou nas instituições, podemos aprender com ele?
Analistas e meios de comunicação falaram durante muito tempo do “movimento dos indignados”, mas a verdade é que o 15-M mostrou uma enorme capacidade propositiva. Nas assembleias foram debatidas e elaboradas propostas sobre corrupção, educação, saúde, políticas sociais, moradia, participação política...
O movimento das praças abriu passagem para as “marés” em defesa de diferentes serviços públicos ameaçados pelos cortes. No mais puro estilo populista, o movimento conseguiu articular uma enorme diversidade de demandas em torno de slogans simples.
“Não somos mercadoria nas mãos de políticos e banqueiros” denunciava um poder financeiro que até então havia conseguido manipular a política espanhola nos bastidores. O “Não nos representam” fazia tremer por igual todos os partidos tradicionais.
O lema “Sem casa, sem batente, sem pensão, sem medo”, da Juventude sem Futuro, conseguiu converter em um grito combativo as principais preocupações da geração mais castigada pela crise financeira.
Em junho de 2011, mais de 80% da população espanhola apoiava o 15-M. Esta e outras pesquisas mostravam que o movimento havia conseguido romper a barreira tradicional entre a esquerda e a direita, conseguindo o apoio de muitos abstencionistas e até mesmo de eleitores de partidos conservadores.
Até 2011, os grandes movimentos sociais estavam alinhados aos dois principais partidos (Não à guerra, manifestações conservadoras contra as reformas sociais de Zapatero...). Em maio de 2011, pela primeira vez, nasceu um movimento em massa que atacava tanto o PP como o PSOE, unidos na prática por seu apoio às políticas de cortes e privatizações promovidas pela União Europeia em resposta à crise financeira de 2008. Esta grande coalizão, somada aos casos de corrupção nas duas forças políticas, cristalizou um descontentamento generalizado com o sistema político espanhol.
Desde o seu início, o movimento 15-M recorreu a uma grande diversidade de formas de protesto. O êxito do acampamento na Puerta del Sol, que o Governo não se atreveu a desmobilizar até semanas depois, estimulou a imaginação daqueles que participavam no movimento. As assembleias e os acampamentos se espalharam por todo o país. Apesar de uma repressão muitas vezes brutal, a desobediência civil, até então restrita a ambientes muito politizados, se tornou uma prática de massas.
Milhares de pessoas participavam em manifestações não comunicadas, fechavam estradas e interrompiam despejos colocando seus corpos entre a polícia e as pessoas que queriam despejar de suas casas. Algumas destas práticas se tornaram hábito e continuam fazendo parte do repertório de movimentos como os sindicatos por moradia.
O 15-M expôs as vergonhas das principais organizações da democracia representativa espanhola: os partidos políticos. Em 2014, três anos após o acampamento da Puerta del Sol, nascia o Podemos, que detonou a estrutura de partidos surgida da Transição. Pouco depois, emergia na política estatal Cidadãos, o Podemos de direita, aclamado por um banqueiro, e as candidaturas municipalistas promovidas pelo Podemos e outros atores chegavam ao poder em várias cidades do país, incluindo Madrid e Barcelona. O bipartidarismo havia morrido.
Além disso, CUP e Bildu experimentaram um grande crescimento em seus respectivos territórios, durante esses anos, relacionado aos processos próprios como o movimento independentista catalão, mas também ao novo clima político criado em todo o Estado, a partir de 2011. O PSOE foi o partido mais prejudicado pela mordida eleitoral da nova política, o que motivou a guinada discursiva liderada por Pedro Sánchez contra a máquina de seu partido.
Desde o franquismo, a democracia espanhola arrastava um déficit de participação cidadã, motivado pela cultura política do medo herdada da ditadura e por um sistema institucional alérgico à participação popular direta. O movimento 15-M transformou rápida e profundamente a cultura política espanhola, politizando amplas camadas da população e a convencendo de sua capacidade de influenciar as decisões políticas.
Ao contrário do que defendem os partidários do “quanto pior, melhor”, um dos principais motores das mobilizações sociais é a esperança, a sensação de que é possível alcançar o futuro almejado. Muito se falou e escreveu sobre como o 15-M canalizou a indignação cidadã, mas sobretudo conseguiu expandir os limites do que era considerado possível de um modo que nenhum outro movimento havia feito, em décadas.
Enquanto em outros países – e na Espanha, atualmente – o descontentamento alimentava a antipolítica, aqui, nasceu um movimento profundamente político, com propostas ambiciosas de democratização das estruturas políticas, sociais e econômicas.
Desde a Transição, o 15-M foi o primeiro movimento social a chegar de forma duradoura a cidades e populações médias e pequenas. Durante meses, foram realizadas assembleias multitudinárias e manifestações em centenas de cidades e povoados. Além disso, foi um movimento profundamente internacionalista. Tiveram um papel muito importante as e os emigrantes espanhóis, expulsos do país pela crise econômica, e foram constantes as referências a outros movimentos semelhantes em outros lugares do mundo.
As centenas de milhares de pessoas que foram às ruas, a partir de 15 de maio de 2011, estavam muito conscientes de fazer parte de uma onda de mobilizações que abarcava meio mundo. Havia iniciado com as Primaveras Árabes e seguiu com o movimento espanhol, os protestos estudantis no Reino Unido e as históricas mobilizações contra a austeridade na Grécia, que precederam a chegada do Syriza ao poder.
Pouco depois, o movimento alcançou os Estados Unidos, onde nasceu o Occupy Wall Street, e a Praça Taksim de Istambul. Mesmo em 2016, a influência internacional do 15-M foi sentida com o surgimento de Nuit Debout, na França, um movimento diretamente inspirado pelos acampamentos do movimento espanhol.
Em 2011, as redes sociais não estavam tão difundidas como agora, mas pela primeira vez serviram como meio de comunicação em massa para um movimento social, rompendo o monopólio da informação que a imprensa tradicional possuía. Desde o primeiro acampamento, multiplicaram-se as contas de Twitter, Facebook e sites do movimento, que serviram para conectar ativistas de diversos lugares e também para transmitir uma narrativa própria sobre os protestos.
Pela primeira vez, circularam em massa vídeos das agressões policiais gravados pelos próprios manifestantes com seus celulares, convertidos em instrumentos para denunciar a repressão policial. O amadurecimento tecnológico das redes sociais coincidiu com um clima de desconfiança em relação aos meios de comunicação tradicionais. As redes sociais também foram centrais na expansão internacional do movimento, de modo que agora seria mais difícil devido à fragmentação produzida pelos algoritmos, que cada vez mais prendem o usuário em uma bolha informativa.
Há 10 anos, o 15-M enfrentou um sistema político estagnado, dominado pelas elites e incapaz de dar resposta a uma cidadania castigada pela crise. O movimento colocou no centro do debate público temas como a moradia e a desigualdade. Além disso, conseguiu canalizar um sentido democrático ao descontentamento popular diante de uma crise provocada pelos de cima que castigava os de baixo, e serviu durante muitos anos como antídoto contra a extrema direita. O principal defeito do movimento foi dedicar pouca atenção às demandas feministas e ecologistas, que ganhariam destaque como dois dos movimentos mais fortes na Espanha, a partir de 2016.
Agora, estamos diante de uma nova situação política, com uma ultradireita forte e uma profunda crise sanitária, econômica e ambiental que nos lembra a urgência de transformar nossa sociedade. A entrada do Podemos e de candidaturas municipalistas como Barcelona em Comum, em lugares de poder institucional, teve e continua tendo efeitos importantíssimos na vida das pessoas.
No entanto, a política institucional por si só não poderá impulsionar as profundas transformações que necessitamos para responder à crise ambiental, reverter as desigualdades e garantir os direitos básicos de toda a população, como o direito à moradia e a uma renda suficiente. Somente mobilizações tão fortes como as do 15-M ou o movimento feminista poderão vencer as resistências das elites a esta agenda política. Os direitos não são dados, são conquistados combatendo privilégios.
O 15-M demonstrou que um movimento social capaz de unir demandas diversas e interpelar amplas camadas da população pode ampliar os horizontes do possível. Que quando as de baixo se unem, os de cima tremem. O contexto mudou, mas seguem vigentes muitos dos ensinamentos daquele movimento que, há 10 anos, nos emocionou. Sem nostalgias paralisantes, tomara que este aniversário sirva de estímulo para todos nós que acreditamos que há muito o que mudar e que ir às ruas continua sendo uma ferramenta política fundamental.
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Espanha. O movimento 15-M em 7 chaves, uma década depois - Instituto Humanitas Unisinos - IHU