29 Setembro 2020
Após fragilizar Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), Salles avança com a desregulamentação da proteção ambiental para atender interesses privados.
Mangue no rio Massangana, em Cabo de Santo Agostinho (PE), que foi afetado pelas manchas de óleo.
(Foto: Mariana Oliveira/Greenpeace)
A reportagem é publicada por Greenpeace, 28-09-2020.
No momento em que a sociedade brasileira está horrorizada com as queimadas que devastam nossa vegetação natural e prejudicam a saúde e o sustento da população, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, vê a oportunidade de avançar com a desregulamentação da proteção ambiental e com sua estratégia de “passar a boiada”, que ficou evidente a partir da divulgação de reunião ministerial realizada em abril.
Desta vez, a “boiada” é ampla e prevê, em uma tacada só, a revogação de resoluções do Conama que dispõem sobre áreas de preservação permanente, licenciamento ambiental para a irrigação e nova resolução que abre brecha para permitir a queima de resíduos de agrotóxicos em fornos de cimento. Tudo isso foi aprovado na manhã de hoje (28) a toque de caixa e sem debate público.
Desde que está no cargo, Salles procura alterar as regras de proteção ambiental e beneficiar aqueles para os quais verdadeiramente governa – os setores do agronegócio, imobiliário, turismo e indústria. Ele sabia que, para aprovar regulações contrárias ao interesse público e prejudiciais ao meio ambiente um passo importante e fundamental seria excluir a sociedade civil e a ciência do debate.
Foi assim que, em maio de 2019, Salles descaracterizou e esvaziou o Conselho Nacional do Meio Ambiente, o Conama, um órgão consultivo e deliberativo que tem um papel extremamente importante na construção de políticas públicas e na regulamentação das leis ambientais do país, desde 1981. Por meio do Decreto 9.806/19, Salles restringiu a participação de segmentos importantes da sociedade civil e concentrou grande poder no governo federal.
O conselho foi reduzido de aproximadamente 100 membros para apenas 23, sendo 41% destes do governo federal. As entidades ambientalistas passaram a ter apenas quatro assentos e passaram a ser selecionadas por sorteio. Com a reestruturação, perderam assentos representações indígenas (Conselho de Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil), a ciência (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC) e a Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente (Anama), entre tantos outros.
“O esvaziamento do órgão representa o enfraquecimento da tomada de decisão de forma plural e participativa, e foi isso que vimos hoje, em uma grande encenação para enfraquecer a proteção do meio ambiente”, diz Luiza Lima, assessora de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil. “O Ministro Ricardo Salles, mais uma vez, mostra que, ao ser inimigo da participação social, o governo é inimigo da coletividade e governa para os setores que mais se beneficiam em curto prazo da desregulamentação da proteção ambiental, como o agronegócio, o setor imobiliário e o setor industrial”, completa Luiza.
Entenda as mudanças aprovadas hoje no “revogaço” realizado por Salles e o que elas significam:
Resolução nº 284/2001: com a revogação da resolução, ficam extintos critérios federais para licenciamento ambiental de empreendimentos de irrigação, com o intuito de agilizar o processo de licenciamento, a pedido de parte do agronegócio. O licenciamento da irrigação é importante, pois a agricultura demanda um uso bem elevado de água, levando inclusive a conflitos por água em algumas regiões do país, e também possui risco de contaminação por agrotóxicos.
Resolução nº 302/2002: A resolução determinava que reservatórios artificiais mantivessem uma faixa mínima de 30 metros ao seu redor como Área de Preservação Permanente (APP). A revogação libera essas áreas para habitação e usos econômicos, o que pode colocar em risco a segurança das áreas e também a qualidade das águas. Quem mora em São Paulo lembra da importância dos reservatórios de água para abastecimento de água de qualidade para a população.
Resolução nº 303/2002: A resolução garantia uma proteção especial aos ecossistemas de restinga e mangue no litoral brasileiro. Sua revogação beneficia o setor imobiliário nas faixas de vegetação nas praias e os fazendeiros que cultivam camarão nos mangues.
Criação de nova Resolução, e revogação da Resolução nº 264/1999: a resolução que estava em vigor vedava expressamente a queima de resíduos de agrotóxicos, organoclorados e resíduos de serviços de saúde. Até hoje, esse material passava por um processo detalhado de tratamento e destinação. Com a sua revogação e a aprovação de uma nova resolução para disciplinar o licenciamento de fornos para queima de resíduos, tais proibições deixam de valer, e tudo poderá ser incinerado, permitindo a liberação para a atmosfera de substâncias tóxicas e prejudiciais à saúde.
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Em nova “boiada”, Salles enfraquece normas ambientais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU